Portugal dos sobressaltos e dos debates vesgos


Há um problema da humanismo, saúde pública, segurança e proteção civil, assente na exploração de gente em situação de fragilidade apesar de fundamental para a fluidez da nossa economia.


O país de ir pela rama entretém-se com as agendas partidárias, políticas e mediáticas que passam ao lado de demasiadas realidades concretas dos portugueses e do território nacional como um todo, além dos espaços urbanos de maior concentração populacional e mais próximos das fontes dos conteúdos noticiosos. O drama é que, no tempo em que a existência se conquista pela obtenção de espaço nas redes e nos media, as entorses são mais do que muitas. Vivemos num quadro em que os debates, por vezes estéreis para o essencial, por fatalismo, manobra de diversão ou falta de exigência, confinam-se entre o sobressalto tardio e um conjunto de perspetivas vesgas, isto é, oblíquas ou tortas na abordagem. Basta sobrevoar a atualidade para constatar os fenómenos.

LISBOA ESTÁ PEJADA DE ODEMIRAS, MAS FUSTIGAR O RURAL É QUE É. Bastou um incêndio na Mouraria para o país se sobressaltar com as Odemiras que existem no coração de Lisboa, sem que a esquerda mais radical se indigne e estigmatize como o fez com o litoral alentejano e continua a fazer com territórios rurais do Interior do país. É como se a dignidade humana, que é devida a quem Portugal acolhe como imigrantes, fosse de geometria variável ou o sobressalto tardio tivesse apenas eclodido após o tempo em que o Bloco de Esquerda tinha responsabilidades políticas de governação na cidade de Lisboa, com um vereador, entretanto iniciado na deriva da especulação imobiliária e do despeço dos inquilinos vigentes. Sim, Lisboa está pejada de realidades fustigadas noutros territórios, com menos oportunidades, investimento público e atenção mediática. Sim, é mesmo debaixo dos narizes de quem determina o que tem existência nacional e o que não tem. Sim, há um problema de humanismo, saúde pública, segurança e proteção civil, assente na exploração de gente em situação de fragilidade apesar de fundamental para a fluidez da nossa economia, nomeadamente no turismo e na restauração. Sim, é uma expressão de desumanidade, ganância de quem explora e de laxismo. É este o tempo atual, a facilidade com que se zurze uma realidade e se ignora outra, só muda porque um contexto é e ou outro é urbano, num inaceitável triunfo do arbítrio. Em qualquer dos casos, expressões de falta de humanismo que não queríamos para os portugueses que estão pelo mudo à procura de melhores condições de realização e de vida.

O DEBATE VESGO DA TAP. A TAP está em ponto de mira partidária e política, porque as opções políticas não foram explicadas em tempo útil, porque se sucedem efervescências mediáticas sem critérios, com valorização de questões de milhares e indiferença face a realidades de milhões, sempre com muitas cartas marcadas. A verdade é que se a empresa foi intervencionada e capitalizada pelo Estado, com o dinheiro dos contribuintes, se está a procurar recuperar depois do choque pandémico, não se percebe porque razão há discussão sobre alguns benefícios e se omite, por exemplo, o estatuto de privilégio dos trabalhadores e familiares no acesso à realização de viagens que, ao comum do português acionista forçado da empresa por interposta entidade, apenas estão ao seu alcance na Ryanair, na EasyJet ou noutra Low Cost que demande o território nacional. Se é para ter um debate integrado, sem perspetivas vesgas, o confronto entre os defensores da iniciativa privada e os promotores da estatização e da defesa dos trabalhadores face ao capital não pode deixar de lado nenhuma opção política, nenhum ato de gestão, benefício, resultado ou consequência.

A OESTE NADA DE NOVO, NEM HOSPITAL. Em Portugal, há muito que o modelo de organização dos serviços do Estado está desfasado do território, das suas comunidades, das dinâmicas e das realidades, existindo um espaço designado de Oeste onde confluem municípios do sul do distrito de Leiria e do norte de Lisboa. É um território habituado a não ter critério na sua organização e na relação com a organização dos serviços do Estado, em que até há interações com o distrito de Santarém. Há muito que as respostas de saúde estão desfasadas das necessidades das comunidades. Há muito que se discute a construção de um novo hospital no Oeste e, não se podendo reescrever a história, ele já esteve previsto no âmbito das contrapartidas pela construção do Aeroporto da Ota e já poderia ter sido integrado nas parcerias público-privadas se, aquando do estudo da Escola de Gestão do Porto para a Estrutura de Missão Parcerias Saúde, no início do século, não tivesse sido cometido o erro capital de indicar uma área de implantação nas Caldas da Rainha composta por dois terrenos separados. A opção desse estudo liderado por Daniel Bessa foi Alcobaça, agora haverá um que indica Bombarral, o governo indicou uma equipa para estudar (uma vez mais), mas considerando a drenagem de utentes de Rio Maior e expurgada a integração de Mafra, mais virada para Lisboa, entre as duas localizações dos tais estudos persiste a centralidade das Caldas da Rainha. Mais enviesamento, menos enviesamento, o que importa é que os pressupostos e as opções sejam objetivas, transparentes e sustentadas, sem mãos invisíveis ou cartas escondidas. Da história fica que, face ao erro capital e aos impasses gerados, nos entretantos, construíram-se quatro parcerias público-privadas, que funcionavam bem, mas o preconceito ideológico fez com que fossem implodidas em Braga, em Vila Franca de Xira e em Loures, nivelando os serviços por baixo, pelo nível de problemas que afetam o Serviço Nacional de Saúde. Aliás, o quadro geral de insuficiência do SNS está a ampliar a pressão sobre os privados, generalizando uma degradação das capacidades de resposta.

NOTAS FINAIS
ANIMAÇÃO MADEIRENSE. Depois de um Deputado da República que denunciou obras sem sentido ou com sentido meramente eleitoral e para aplanar alguns interesses económicos no tempo de Alberto João Jardim, agora veio o protagonista desse tempo proclamar que desenvolvimento na Região só com ele. Depois, com Miguel Albuquerque, tem sido estagnação ou atraso, as únicas variantes disponíveis. Pelo meio, para memória futura, sem grande expectativa de vergonha na cara fazendo o contrário, os putativos adjuntos do futuro, Iniciativa Liberal e Chega, ainda invetivaram o poder vigente, entretanto já socorrido pela imprensa regional de longo turno.

RESMAS DE SANTANDERES ÀS SEXTAS. Para o CEO do Santander, jantar fora à sexta é sinónimo de riqueza, de resiliência perante os desmandos da conjuntura, onde se integra a inflação e as espirais de aumentos das comissões bancárias. Gente sem noção, na linha das larachas do ex-presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem de que os “europeus do sul gastam todo dinheiro em copos e mulheres”. 

Escreve à quarta-feira

Portugal dos sobressaltos e dos debates vesgos


Há um problema da humanismo, saúde pública, segurança e proteção civil, assente na exploração de gente em situação de fragilidade apesar de fundamental para a fluidez da nossa economia.


O país de ir pela rama entretém-se com as agendas partidárias, políticas e mediáticas que passam ao lado de demasiadas realidades concretas dos portugueses e do território nacional como um todo, além dos espaços urbanos de maior concentração populacional e mais próximos das fontes dos conteúdos noticiosos. O drama é que, no tempo em que a existência se conquista pela obtenção de espaço nas redes e nos media, as entorses são mais do que muitas. Vivemos num quadro em que os debates, por vezes estéreis para o essencial, por fatalismo, manobra de diversão ou falta de exigência, confinam-se entre o sobressalto tardio e um conjunto de perspetivas vesgas, isto é, oblíquas ou tortas na abordagem. Basta sobrevoar a atualidade para constatar os fenómenos.

LISBOA ESTÁ PEJADA DE ODEMIRAS, MAS FUSTIGAR O RURAL É QUE É. Bastou um incêndio na Mouraria para o país se sobressaltar com as Odemiras que existem no coração de Lisboa, sem que a esquerda mais radical se indigne e estigmatize como o fez com o litoral alentejano e continua a fazer com territórios rurais do Interior do país. É como se a dignidade humana, que é devida a quem Portugal acolhe como imigrantes, fosse de geometria variável ou o sobressalto tardio tivesse apenas eclodido após o tempo em que o Bloco de Esquerda tinha responsabilidades políticas de governação na cidade de Lisboa, com um vereador, entretanto iniciado na deriva da especulação imobiliária e do despeço dos inquilinos vigentes. Sim, Lisboa está pejada de realidades fustigadas noutros territórios, com menos oportunidades, investimento público e atenção mediática. Sim, é mesmo debaixo dos narizes de quem determina o que tem existência nacional e o que não tem. Sim, há um problema de humanismo, saúde pública, segurança e proteção civil, assente na exploração de gente em situação de fragilidade apesar de fundamental para a fluidez da nossa economia, nomeadamente no turismo e na restauração. Sim, é uma expressão de desumanidade, ganância de quem explora e de laxismo. É este o tempo atual, a facilidade com que se zurze uma realidade e se ignora outra, só muda porque um contexto é e ou outro é urbano, num inaceitável triunfo do arbítrio. Em qualquer dos casos, expressões de falta de humanismo que não queríamos para os portugueses que estão pelo mudo à procura de melhores condições de realização e de vida.

O DEBATE VESGO DA TAP. A TAP está em ponto de mira partidária e política, porque as opções políticas não foram explicadas em tempo útil, porque se sucedem efervescências mediáticas sem critérios, com valorização de questões de milhares e indiferença face a realidades de milhões, sempre com muitas cartas marcadas. A verdade é que se a empresa foi intervencionada e capitalizada pelo Estado, com o dinheiro dos contribuintes, se está a procurar recuperar depois do choque pandémico, não se percebe porque razão há discussão sobre alguns benefícios e se omite, por exemplo, o estatuto de privilégio dos trabalhadores e familiares no acesso à realização de viagens que, ao comum do português acionista forçado da empresa por interposta entidade, apenas estão ao seu alcance na Ryanair, na EasyJet ou noutra Low Cost que demande o território nacional. Se é para ter um debate integrado, sem perspetivas vesgas, o confronto entre os defensores da iniciativa privada e os promotores da estatização e da defesa dos trabalhadores face ao capital não pode deixar de lado nenhuma opção política, nenhum ato de gestão, benefício, resultado ou consequência.

A OESTE NADA DE NOVO, NEM HOSPITAL. Em Portugal, há muito que o modelo de organização dos serviços do Estado está desfasado do território, das suas comunidades, das dinâmicas e das realidades, existindo um espaço designado de Oeste onde confluem municípios do sul do distrito de Leiria e do norte de Lisboa. É um território habituado a não ter critério na sua organização e na relação com a organização dos serviços do Estado, em que até há interações com o distrito de Santarém. Há muito que as respostas de saúde estão desfasadas das necessidades das comunidades. Há muito que se discute a construção de um novo hospital no Oeste e, não se podendo reescrever a história, ele já esteve previsto no âmbito das contrapartidas pela construção do Aeroporto da Ota e já poderia ter sido integrado nas parcerias público-privadas se, aquando do estudo da Escola de Gestão do Porto para a Estrutura de Missão Parcerias Saúde, no início do século, não tivesse sido cometido o erro capital de indicar uma área de implantação nas Caldas da Rainha composta por dois terrenos separados. A opção desse estudo liderado por Daniel Bessa foi Alcobaça, agora haverá um que indica Bombarral, o governo indicou uma equipa para estudar (uma vez mais), mas considerando a drenagem de utentes de Rio Maior e expurgada a integração de Mafra, mais virada para Lisboa, entre as duas localizações dos tais estudos persiste a centralidade das Caldas da Rainha. Mais enviesamento, menos enviesamento, o que importa é que os pressupostos e as opções sejam objetivas, transparentes e sustentadas, sem mãos invisíveis ou cartas escondidas. Da história fica que, face ao erro capital e aos impasses gerados, nos entretantos, construíram-se quatro parcerias público-privadas, que funcionavam bem, mas o preconceito ideológico fez com que fossem implodidas em Braga, em Vila Franca de Xira e em Loures, nivelando os serviços por baixo, pelo nível de problemas que afetam o Serviço Nacional de Saúde. Aliás, o quadro geral de insuficiência do SNS está a ampliar a pressão sobre os privados, generalizando uma degradação das capacidades de resposta.

NOTAS FINAIS
ANIMAÇÃO MADEIRENSE. Depois de um Deputado da República que denunciou obras sem sentido ou com sentido meramente eleitoral e para aplanar alguns interesses económicos no tempo de Alberto João Jardim, agora veio o protagonista desse tempo proclamar que desenvolvimento na Região só com ele. Depois, com Miguel Albuquerque, tem sido estagnação ou atraso, as únicas variantes disponíveis. Pelo meio, para memória futura, sem grande expectativa de vergonha na cara fazendo o contrário, os putativos adjuntos do futuro, Iniciativa Liberal e Chega, ainda invetivaram o poder vigente, entretanto já socorrido pela imprensa regional de longo turno.

RESMAS DE SANTANDERES ÀS SEXTAS. Para o CEO do Santander, jantar fora à sexta é sinónimo de riqueza, de resiliência perante os desmandos da conjuntura, onde se integra a inflação e as espirais de aumentos das comissões bancárias. Gente sem noção, na linha das larachas do ex-presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem de que os “europeus do sul gastam todo dinheiro em copos e mulheres”. 

Escreve à quarta-feira