É desejável que cada partido saiba o que vale


Nas eleições europeias e em eventuais legislativas antecipadas cada um deveria correr na sua bicicleta, deixando acordos para depois.


Nota prévia: Há quatro anos o Reino Unido decidiu em referendo sair da União Europeia. Passado este tempo aqueles a que genericamente chamamos ingleses estão menos ricos, em recessão, mais isolados e há indicadores de que cerca de 60 % votariam agora pela manutenção. Na altura, apenas 48% o fizeram. Hoje, é cada vez mais óbvia a vontade da Escócia se desligar da Inglaterra e de a Irlanda do Norte se juntar à República da Irlanda, que permanece na UE. Os britânicos tiveram sempre só um pé dentro da União, beneficiando do melhor de dois mundos. Caíram na esparrela referendária montada por Cameron. É pena porque o Reino Unido faz falta à Europa. Continuar a ser uma gigantesca plataforma financeira não lhe chega e a livre circulação faz falta a todo o espaço europeu. Apesar de tudo, há um ponto de que o Reino Unido não abdica: estar sempre na primeira linha da defesa da democracia ocidental. Honra lhe seja feita.

1. Já se fala muito de legislativas antecipadas em 2024. O prato favorito dos jornalistas políticos é perguntar a Montenegro se admite fazer um acordo pós-eleitoral com o Chega, seja ele de natureza governamental (como Ventura exige) ou de incidência parlamentar. A pergunta convém sobretudo à esquerda, do PS ao Livre. Curiosamente, nunca se interroga António Costa a respeito de uma repetição do cenário da “geringonça” ou mesmo de uma coligação governamental. Racionalmente, a probabilidade de haver legislativas antecipadas em 2024 é baixa. O PS perder as europeias a meio do seu mandato seria natural. Já aconteceu antes e os governos da altura não caíram. Mais perigosas para os executivos e as lideranças partidárias são as autárquicas porque permitem uma análise profunda da disposição do povo e da implantação partidária. Para as europeias arrastarem a queda do Governo era preciso que houvesse uma derrota estrondosa, seguida de crise interna no PS. E era ainda indispensável que se desenhasse uma clara maioria alternativa. Só assim o Presidente Marcelo teria condições políticas para refrescar a legitimidade democrática, para citar uma frase de Mário Soares. No estado em que estamos, mais depressa cai o Governo por via de uma monumental escandaleira do que por causa de um ato eleitoral. As europeias serão sobretudo um momento de autoavaliação em que cada um deveria pedalar a sua bicicleta, escolhendo um bom chefe de fila para usar um termo da gíria do ciclismo.

2. Talvez valha a pena a classe política aproveitar estarmos ainda longe de eleições autárquicas para repensar a forma de governação camarária. Ao contrário do que sucede com o governo, onde a designação do primeiro-ministro é resultado de uma decisão do parlamento, os presidentes de Câmara são sempre o primeiro da lista mais votada, mesmo que só por um voto. Por outro lado, os vereadores têm necessariamente de sair de entre os eleitos partidários. O presidente apenas pode distribuir ou não pelouros, mas os vereadores integram todos o executivo. Ao contrário disso, um primeiro-ministro pode escolher quem muito bem entender para formar o governo, o que lhe dá maior grau de intervenção e mais capacidade de adaptar a sua equipa em função das exigências. Qualquer um dos sistemas tem vantagens e desvantagens. Mas há que reconhecer que, com a pulverização política que está em curso em Portugal, faz sentido pelo menos abrir um período de reflexão sobre a governabilidade dos municípios, antes que sejamos confrontados com montes de impasses, precisamente num momento em que cada vez mais existe a tendência para descentralizar e transferir competências. Dito isto, o mais certo é ficar tudo rigorosamente na mesma. Em Portugal, só mesmo quando as coisas nos caem em cima é que começamos a pensar na sua resolução. O problema é que, muitas vezes, as alterações feitas à pressa geram situações ainda mais complexas.

3. A propósito de eleições, talvez seja útil recordar que, nas mais recentes legislativas, voltou a instalar-se a maior das confusões a propósito do voto da emigração. Ao ponto de haver necessidade de repetir o sufrágio nalguns locais, atrasando os resultados oficiais. Apesar disso, não há nota de se estar a preparar qualquer alteração a este lamentável estado de coisas, adotando por exemplo o voto eletrónico, nem que fosse só no estrangeiro.

4. Rui Moreira é apontado como provável cabeça de lista do PSD às europeias. O edil portuense tem um longo historial a criar divisões no PSD, designadamente com Rui Rio e o seu grupo de indefetíveis. Logo, é uma candidatura que divide. Além disso, o chamado caso Selminho não está arrumado e pode sempre saltar de uma qualquer gaveta judicial quando menos se esperar. 

5. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais mandou preparar a cobrança de IMI e do imposto de selo à venda de barragens que a EDP fez à empresa francesa Engie. O não pagamento foi considerado um caso escandaloso e afeta municípios de Trás-os-Montes, uma zona pobre do país. Tão bom como mandar cobrar o que é devido, seria investigar a fundo quem fechou os olhos ou permitiu a isenção de uma cobrança de qualquer coisa como 110 milhões de euros, ou seja, 21 altares/palco.

6. O Papa foi ao Congo. Rezou perante um milhão de fiéis. Não se tratou de uma cerimónia comparável às jornadas de agosto, mas escolheu-se o aeroporto para a cerimónia (como no encontro da juventude em Madrid) e o palco/altar era desmontável. Não houve megalomanias nesse campo. Por cá, as coisas parecem deixar de ter os aspetos faraónicos previstos. Abençoado escrutínio jornalístico! A fiscalização da comunicação social é a mais eficaz de todas, como se comprova facilmente ao analisar os grandes casos que abalaram o país nos últimos tempos. O jornalismo, mesmo que tenha carga ideológica, é o único poder a lidar instantaneamente com os factos e com a população, acionando assim reguladores, provedores, polícias, magistrados, juízes e governantes, que sofrem em geral de uma enorme letargia.

7. Outra recordatória sobre as Jornadas: será que está em curso alguma iniciativa governamental ou ao nível da Concertação Social para assegurar que o evento não sirva de palco para greves políticas ou chantagistas? Vá lá que em agosto não há aulas. Pelo menos os professores estarão de férias. Mas aquelas classes que aproveitam agosto para pressionar, ainda que cheias de razão?

8. É verdade que os filhos não podem ser responsabilizados pelos erros dos pais. Mas convinha talvez saber o que a ministra da Habitação tem a dizer sobre a circunstância do pai ter sido condenado por usurpação de funções de advogado, sendo sócio de um escritório onde ela estagiou. Ainda hoje parece haver quem questione a licenciatura do pai, apesar de ele já estar inscrito regularmente na respetiva ordem. A propósito da jovem ministra, é oportuno perguntar se será desta vez que se vai olhar para a situação da administração do IHRU onde há quem esteja em regime de substituição há mais de 15 anos. Resta saber se a ministra tem tempo para aquecer o lugar.

9. Quando Ana Sá Lopes, uma jornalista consagrada, uma mulher de esquerda portadora de uma doença crónica grave, escreve que deita a toalha ao chão e denuncia a degradação que se instalou no Beatriz Ângelo desde que deixou de ser uma PPP, é porque o SNS está mesmo a ser destruído pelo governo. Mais grave ainda é a jornalista escrever no Público que já não quer saber da localização do futuro hospital do Oeste e passou a querer um hospital privado nas Caldas da Rainha (ali cresceu) onde aceitem a ADSE e seguros de saúde. Qualquer dia os portugueses não têm nem uma coisa nem outra, porque o SNS colapsou e os seguros se tornaram incomportáveis para os nossos salários. 

Escreve à quarta-feira

É desejável que cada partido saiba o que vale


Nas eleições europeias e em eventuais legislativas antecipadas cada um deveria correr na sua bicicleta, deixando acordos para depois.


Nota prévia: Há quatro anos o Reino Unido decidiu em referendo sair da União Europeia. Passado este tempo aqueles a que genericamente chamamos ingleses estão menos ricos, em recessão, mais isolados e há indicadores de que cerca de 60 % votariam agora pela manutenção. Na altura, apenas 48% o fizeram. Hoje, é cada vez mais óbvia a vontade da Escócia se desligar da Inglaterra e de a Irlanda do Norte se juntar à República da Irlanda, que permanece na UE. Os britânicos tiveram sempre só um pé dentro da União, beneficiando do melhor de dois mundos. Caíram na esparrela referendária montada por Cameron. É pena porque o Reino Unido faz falta à Europa. Continuar a ser uma gigantesca plataforma financeira não lhe chega e a livre circulação faz falta a todo o espaço europeu. Apesar de tudo, há um ponto de que o Reino Unido não abdica: estar sempre na primeira linha da defesa da democracia ocidental. Honra lhe seja feita.

1. Já se fala muito de legislativas antecipadas em 2024. O prato favorito dos jornalistas políticos é perguntar a Montenegro se admite fazer um acordo pós-eleitoral com o Chega, seja ele de natureza governamental (como Ventura exige) ou de incidência parlamentar. A pergunta convém sobretudo à esquerda, do PS ao Livre. Curiosamente, nunca se interroga António Costa a respeito de uma repetição do cenário da “geringonça” ou mesmo de uma coligação governamental. Racionalmente, a probabilidade de haver legislativas antecipadas em 2024 é baixa. O PS perder as europeias a meio do seu mandato seria natural. Já aconteceu antes e os governos da altura não caíram. Mais perigosas para os executivos e as lideranças partidárias são as autárquicas porque permitem uma análise profunda da disposição do povo e da implantação partidária. Para as europeias arrastarem a queda do Governo era preciso que houvesse uma derrota estrondosa, seguida de crise interna no PS. E era ainda indispensável que se desenhasse uma clara maioria alternativa. Só assim o Presidente Marcelo teria condições políticas para refrescar a legitimidade democrática, para citar uma frase de Mário Soares. No estado em que estamos, mais depressa cai o Governo por via de uma monumental escandaleira do que por causa de um ato eleitoral. As europeias serão sobretudo um momento de autoavaliação em que cada um deveria pedalar a sua bicicleta, escolhendo um bom chefe de fila para usar um termo da gíria do ciclismo.

2. Talvez valha a pena a classe política aproveitar estarmos ainda longe de eleições autárquicas para repensar a forma de governação camarária. Ao contrário do que sucede com o governo, onde a designação do primeiro-ministro é resultado de uma decisão do parlamento, os presidentes de Câmara são sempre o primeiro da lista mais votada, mesmo que só por um voto. Por outro lado, os vereadores têm necessariamente de sair de entre os eleitos partidários. O presidente apenas pode distribuir ou não pelouros, mas os vereadores integram todos o executivo. Ao contrário disso, um primeiro-ministro pode escolher quem muito bem entender para formar o governo, o que lhe dá maior grau de intervenção e mais capacidade de adaptar a sua equipa em função das exigências. Qualquer um dos sistemas tem vantagens e desvantagens. Mas há que reconhecer que, com a pulverização política que está em curso em Portugal, faz sentido pelo menos abrir um período de reflexão sobre a governabilidade dos municípios, antes que sejamos confrontados com montes de impasses, precisamente num momento em que cada vez mais existe a tendência para descentralizar e transferir competências. Dito isto, o mais certo é ficar tudo rigorosamente na mesma. Em Portugal, só mesmo quando as coisas nos caem em cima é que começamos a pensar na sua resolução. O problema é que, muitas vezes, as alterações feitas à pressa geram situações ainda mais complexas.

3. A propósito de eleições, talvez seja útil recordar que, nas mais recentes legislativas, voltou a instalar-se a maior das confusões a propósito do voto da emigração. Ao ponto de haver necessidade de repetir o sufrágio nalguns locais, atrasando os resultados oficiais. Apesar disso, não há nota de se estar a preparar qualquer alteração a este lamentável estado de coisas, adotando por exemplo o voto eletrónico, nem que fosse só no estrangeiro.

4. Rui Moreira é apontado como provável cabeça de lista do PSD às europeias. O edil portuense tem um longo historial a criar divisões no PSD, designadamente com Rui Rio e o seu grupo de indefetíveis. Logo, é uma candidatura que divide. Além disso, o chamado caso Selminho não está arrumado e pode sempre saltar de uma qualquer gaveta judicial quando menos se esperar. 

5. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais mandou preparar a cobrança de IMI e do imposto de selo à venda de barragens que a EDP fez à empresa francesa Engie. O não pagamento foi considerado um caso escandaloso e afeta municípios de Trás-os-Montes, uma zona pobre do país. Tão bom como mandar cobrar o que é devido, seria investigar a fundo quem fechou os olhos ou permitiu a isenção de uma cobrança de qualquer coisa como 110 milhões de euros, ou seja, 21 altares/palco.

6. O Papa foi ao Congo. Rezou perante um milhão de fiéis. Não se tratou de uma cerimónia comparável às jornadas de agosto, mas escolheu-se o aeroporto para a cerimónia (como no encontro da juventude em Madrid) e o palco/altar era desmontável. Não houve megalomanias nesse campo. Por cá, as coisas parecem deixar de ter os aspetos faraónicos previstos. Abençoado escrutínio jornalístico! A fiscalização da comunicação social é a mais eficaz de todas, como se comprova facilmente ao analisar os grandes casos que abalaram o país nos últimos tempos. O jornalismo, mesmo que tenha carga ideológica, é o único poder a lidar instantaneamente com os factos e com a população, acionando assim reguladores, provedores, polícias, magistrados, juízes e governantes, que sofrem em geral de uma enorme letargia.

7. Outra recordatória sobre as Jornadas: será que está em curso alguma iniciativa governamental ou ao nível da Concertação Social para assegurar que o evento não sirva de palco para greves políticas ou chantagistas? Vá lá que em agosto não há aulas. Pelo menos os professores estarão de férias. Mas aquelas classes que aproveitam agosto para pressionar, ainda que cheias de razão?

8. É verdade que os filhos não podem ser responsabilizados pelos erros dos pais. Mas convinha talvez saber o que a ministra da Habitação tem a dizer sobre a circunstância do pai ter sido condenado por usurpação de funções de advogado, sendo sócio de um escritório onde ela estagiou. Ainda hoje parece haver quem questione a licenciatura do pai, apesar de ele já estar inscrito regularmente na respetiva ordem. A propósito da jovem ministra, é oportuno perguntar se será desta vez que se vai olhar para a situação da administração do IHRU onde há quem esteja em regime de substituição há mais de 15 anos. Resta saber se a ministra tem tempo para aquecer o lugar.

9. Quando Ana Sá Lopes, uma jornalista consagrada, uma mulher de esquerda portadora de uma doença crónica grave, escreve que deita a toalha ao chão e denuncia a degradação que se instalou no Beatriz Ângelo desde que deixou de ser uma PPP, é porque o SNS está mesmo a ser destruído pelo governo. Mais grave ainda é a jornalista escrever no Público que já não quer saber da localização do futuro hospital do Oeste e passou a querer um hospital privado nas Caldas da Rainha (ali cresceu) onde aceitem a ADSE e seguros de saúde. Qualquer dia os portugueses não têm nem uma coisa nem outra, porque o SNS colapsou e os seguros se tornaram incomportáveis para os nossos salários. 

Escreve à quarta-feira