Derbi… PUM!PUM! E penas voavam

Derbi… PUM!PUM! E penas voavam


Dérbi? Sim! Claro! Mais perto só Alvalade, ou não é? Na única vez em que os Gansos estiveram na I Divisão foram abatidos a tiros de caçadeira.


Amanhã há dérbi, que não restem grandes dúvidas sobre isso. Deixando os cavalos de lado, Epsom, Ascot e por aí fora, resumindo o termo à sua definição ao que diz, por exemplo, a Infopédia – «encontro desportivo, principalmente de futebol, entre clubes da mesma área geográfica» – era o que faltava que, recebendo na Luz o Casa Pia, ali de Pina Manique, Monsanto, a umas curtas léguas de distância, o Benfica (e o Casa Pia, obviamente) não estivesse metido até aos joelhos num dérbi. Mais próximo talvez apenas Alvalade. Restelo e Alcântara ficam bem mais longe. Portanto dérbi, autêntico, embora provavelmente o mais raro de todos os de Lisboa, principalmente desde que o Campeonato de Lisboa foi abolido e a Taça de Honra vetada ao esquecimento.

Já tivemos um Casa Pia-Benfica esta época, no dia 13 de Agosto, primeira volta do campeonato, jogado no Estádio Dr. Guimarães Pessoa, em Leiria, vejam bem as voltas que o diabo do futebol português é capaz de dar para sobreviver com as sua inacreditáveis 18 equipas numa I Divisão medíocre como poucas outras na Europa! Para quem o dirige, pouco importa, o que interessa mesmo é que haja no mínimo um jogo por dia transmitido pela televisão, venha de lá o seu tostão, mesmo que nas bancadas morram de frio pelas onze horas da noite meia dúzia de corajosos gatos-pingados que ainda se dão ao trabalho de ir até aos campos e, pior ainda, conseguem ir à carteira tirar uma nota ou duas para suportarem espetáculos na sua maioria hediondos. Enfim, já não vale muito a pena continuar a gastar o latim nesta tranquibérnia. Basta prestar atenção aos flic-flacs à retaguarda a que o presidente da Liga Portuguesa se sujeita – vê-lo entalado entre presidente do Sporting e o do FC Porto, que se têm atirado um ao outo como cães ladrando na madrugada, naquela deprimente final da Taça da Liga, que deu vontade de vomitar os bofes por humilhação alheia! – para se perceber que é assim, nesta podridão competitiva, que o Campeonato Nacional vai continuar até que um dia abençoado um golpe de bom senso lhe tire o cadeirão debaixo do traseiro. Dele e de tantos outros.

O Benfica-Casa Pia de Leiria terminou com 1-0 para os encarnados. Este sábado, pelas 18h00, jornada 19º, o primeiro classificado recebe o 5º, o que é de truz para os gansos que estiveram na divisão principal apenas uma vez antes desta, na época de 1938-39. Nesse tempo não havia Estádio da Luz. O Benfica jogava no Campo das Amoreiras e foi nele que recebeu os casapianos na 13.ª jornada dessa competição. Recebeu com uma rudeza que não cabe a quem tem convidados em casa, passe a ironia, porque desfez por completo o seu adversário, massacrou-o até à indigência e não parou enquanto não viu os onze gansos estendidos no relvado como se tivesse sido abatidos a tiros de caçadeira de chumbo grosso: dez-a-um. Pois sim, leram bem: 10-1.

Lancei-me numa busca sobre o que se passou nessa tarde de 16 de abril de 1939 e a primeira nota curiosa com que me deparei foi no saudoso Diário de Lisboa. A meio de uma página, uma caixa a duas, como era hábito dizer-se, notificava o leitor: «A um quarto-de-hora do fim, os resultados dos desafios são os seguintes: Sporting, 2 – Belenenses, 0; Benfica, 8 – Casa Pia, 1; Porto, 9 – Académico, 1». Este Académico era o Académico do Porto, como está bem de ver, e tive de ir pescar noutras publicações o que havia acontecido nos tais últimos quinze minutos do encontro das Amoreiras para perceber que o Benfica ainda viria a acrescentar mais dois aos oito golos anunciados. 

O herói!

Sejamos justos, ainda que um tudo nada românticos. Num jogo que uma equipa perde por 1-10, o autor desse 1 é o grande herói da partida. Pelo menos para mim é. E por isso falo de Ramos Dias. Jogava na frente de ataque com Sérgio, Pedro, Marques e Costa Santos e chegou a assinar o empate a uma bola sobre os 20 minutos, respondendo com um belíssimo remate com o pé esquerdo ao golo inicial de Rogério de Sousa (4m). Houve por ali uns momentos de euforia entre gansos e de desatino entre águias. Depois o tiro ao alvo começou: Espírito Santo (30, 49 e 68m); Alfredo Valadas (31m); Francisco Albino (37m de penálti); Alexandre Brito (51 e 82m); Feliciano Barbosa (60m) e Gaspar Pinto (87m). Pum! Pum! Pum! E os gansos caíam num farfalhar de penas… O seu treinador era uma figura única do futebol nacional, o grande Ricardo Ornellas, mestre do jornalismo. Fernando Silva e Sousa, vindo do Belenenses, também merece destaque: não é todos os dias que um guarda-redes sofre dez golos.