Perguntar não ofende?


De como o Governo discrimina as famílias políticas multi-espécie não agregadas de forma tradicional


Não se poupando a esforços no caminho para a perfeição em vida, o Governo fez aprovar a Resolução do Conselho de Ministros nº 2-A/2023, lestamente publicada em suplemento à I série do Diário da República do dia 13 de Janeiro. O sumário da RCM informa: “Estabelece um questionário prévio à integração de novos membros no Governo”. A herança cristã ensinou-nos a desconfiar das sextas-feiras 13 pelo que muitos temeram ter sido instituída mais uma obrigação declarativa, se calhar sob a forma de anexo XX ao modelo 3 da declaração de IRS. Já os mais pessimistas pensaram estar perante um novo “serviço político obrigatório”, um sucedâneo cívico do desaparecido serviço militar obrigatório: todos os cidadãos e cidadãs teriam de responder ao questionário e, “depois de irem às sortes”, os menos afortunados dariam entrada no XXIII Governo Constitucional.

A forma preambular da RCM contraria os governantes usurpadores, os que entraram para o Governo sem preencherem o questionário, e que, melifulamente, tinham anunciado aos portugueses o advento de um “mecanismo”. Segundo o preâmbulo não há mecanismo, há uma “ferramenta”. E para que serve a ferramenta? Para proceder à “designação de membro”. É o que dá a reiterada falta de investimento na cultura popular. Anteriores Governos tiveram os respectivos membros designados pelas paredes e muros do país, nunca lhes faltando apodos, bastas vezes vernaculares e a vermelho.

Prosseguindo a estranha fixação no “membro”, o Conselho de Ministros manda perguntar por uma série de actividades conjuntas do questionado com “membro do seu agregado familiar”. O que seja o agregado familiar é algo que o legislador não deixa à imaginação e à liberdade dos cidadãos. O Decreto-Lei 70/2010, de 16 de Junho, prometeu, sem piedade pela função respiratória do leitor, estabelecer “as regras para a determinação da condição de recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de protecção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como para a atribuição de outros apoios sociais públicos, e procede às alterações na atribuição do rendimento social de inserção, tomando medidas para aumentar a possibilidade de inserção dos seus beneficiários”. Desabridamente, o respectivo artigo 4º anuncia que fazem parte do agregado familiar todos os que vivam em economia comum e que como tal são consideradas “as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos”. Com uma sanha regulatória digna dos planos quinquenais soviéticos, o nº 8 do mesmo artigo exclui do agregado familiar os sub-locadores e hóspedes, os empregados e os que sejam física ou psicologicamente coagidos (negando o cimento das relações familiares).

De fora desta taxonomia atentatória da liberdade no relacionamento humano ficam todos os beneficiários da comunhão ocasional de mesa, de cama, de sofá ou até do banco de trás do twingo, com “entreajuda e partilha de recursos”. O Governo, possuído por uma visão retrógrada da generosidade que os putativos  membros possam manifestar em matéria de comunhão, não pergunta por muitos que dela beneficiam.

Outra lacuna mais grave se lucubra: o agregado familiar desenhado pelo vil questionário discrimina as restantes espécies. Quantos governantes é que já se perderam, partilhando recursos, por via do amor aos animais, às plantas e às amebas?

A RCM recorda Benito: “governare gli italiani non è difficile, è inutile".

Perguntar não ofende?


De como o Governo discrimina as famílias políticas multi-espécie não agregadas de forma tradicional


Não se poupando a esforços no caminho para a perfeição em vida, o Governo fez aprovar a Resolução do Conselho de Ministros nº 2-A/2023, lestamente publicada em suplemento à I série do Diário da República do dia 13 de Janeiro. O sumário da RCM informa: “Estabelece um questionário prévio à integração de novos membros no Governo”. A herança cristã ensinou-nos a desconfiar das sextas-feiras 13 pelo que muitos temeram ter sido instituída mais uma obrigação declarativa, se calhar sob a forma de anexo XX ao modelo 3 da declaração de IRS. Já os mais pessimistas pensaram estar perante um novo “serviço político obrigatório”, um sucedâneo cívico do desaparecido serviço militar obrigatório: todos os cidadãos e cidadãs teriam de responder ao questionário e, “depois de irem às sortes”, os menos afortunados dariam entrada no XXIII Governo Constitucional.

A forma preambular da RCM contraria os governantes usurpadores, os que entraram para o Governo sem preencherem o questionário, e que, melifulamente, tinham anunciado aos portugueses o advento de um “mecanismo”. Segundo o preâmbulo não há mecanismo, há uma “ferramenta”. E para que serve a ferramenta? Para proceder à “designação de membro”. É o que dá a reiterada falta de investimento na cultura popular. Anteriores Governos tiveram os respectivos membros designados pelas paredes e muros do país, nunca lhes faltando apodos, bastas vezes vernaculares e a vermelho.

Prosseguindo a estranha fixação no “membro”, o Conselho de Ministros manda perguntar por uma série de actividades conjuntas do questionado com “membro do seu agregado familiar”. O que seja o agregado familiar é algo que o legislador não deixa à imaginação e à liberdade dos cidadãos. O Decreto-Lei 70/2010, de 16 de Junho, prometeu, sem piedade pela função respiratória do leitor, estabelecer “as regras para a determinação da condição de recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de protecção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como para a atribuição de outros apoios sociais públicos, e procede às alterações na atribuição do rendimento social de inserção, tomando medidas para aumentar a possibilidade de inserção dos seus beneficiários”. Desabridamente, o respectivo artigo 4º anuncia que fazem parte do agregado familiar todos os que vivam em economia comum e que como tal são consideradas “as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos”. Com uma sanha regulatória digna dos planos quinquenais soviéticos, o nº 8 do mesmo artigo exclui do agregado familiar os sub-locadores e hóspedes, os empregados e os que sejam física ou psicologicamente coagidos (negando o cimento das relações familiares).

De fora desta taxonomia atentatória da liberdade no relacionamento humano ficam todos os beneficiários da comunhão ocasional de mesa, de cama, de sofá ou até do banco de trás do twingo, com “entreajuda e partilha de recursos”. O Governo, possuído por uma visão retrógrada da generosidade que os putativos  membros possam manifestar em matéria de comunhão, não pergunta por muitos que dela beneficiam.

Outra lacuna mais grave se lucubra: o agregado familiar desenhado pelo vil questionário discrimina as restantes espécies. Quantos governantes é que já se perderam, partilhando recursos, por via do amor aos animais, às plantas e às amebas?

A RCM recorda Benito: “governare gli italiani non è difficile, è inutile".