Depois de trinta e dois dias na arábia, a tropeçar em estádios e em terras com o nome de Al-Kasr (ou Al-Ksour, no plural), regresso à varanda de Alcácer onde divido os raios tímidos deste sol de Inverno com os pássaros que me invadem as horas e as crónicas.
“Gosto muito de árvores”, dizia Ruy Belo, esse poeta tão insultuosamente esquecido, “principalmente das que dão pássaros”. Aqui não são as árvores que dão pássaros, não há árvores entre minha casa e o Sado. Quem dá pássaros é o céu, agora ainda poucos, embora não há muito tenha visto um bando negro de íbis fazer uma risca negra e ondulante do horizonte. É neste retomar do lugar que escolhi para viver o tempo que me falta, longe do que Lisboa deixou de ter para ser uma cidade feliz, que me lembro do filme de Billy Wilder, o Crepúsculo dos Deuses (no original chamava-se Sunset Boulevard) e daquele diálogo em que questionam Gloria Swanson a fazer de Norma Desmond, estranhando a sua decadência: “Mas, não percebo, você costumava ser a maior de todas!” E ela, no seu impagável estilo de senhora irreversível: “E sou a maior de todas. Os filmes é que ficaram pequenos de mais…”
Acho que o filme da minha vida também vai ficando pequeno demais, agora que o caleidoscópio dos meus olhos se reduz às migrações dos pássaros. Vou e volto sem saber ao certo se volto mais rico ou mais pobre porque deixei de conseguir contabilizar tudo o que desapareceu da minha vida num instante tão rápido que não fui capaz de o medir. Simples estalar de dedos. O raio de sol que se reflecte na esquina do olhar. A tua mais longa e já impossível distância. Al-Kasr quer dizer o forte. O forte de onde domino a subida e a descida das marés. A água castanha, o lodo acumulado nas margens, um vislumbre indistinto do que podem ser os dias que ai vêm e a certeza do que me perdi num lugar onde não irei encontrar-me mesmo que continue a repisar as pegadas curtas do teu musgo.