O proteccionismo é um defeito alheio


Em tempos de crise não são só as moedas que se desvalorizam, também as ideias feitas sofrem súbitas crises identitárias e o que ontem eram virtudes surgem aos olhos do mundo travestidas como defeitos.


A globalização tem como pressuposto mínimo o comércio livre, o que implica um combate denodado ao proteccionismo, regulando de forma estrita as circunstâncias em que os mercados nacionais podem ser fechados aos bens e serviços provenientes de outros Estados. Fora das justificações pactuadas por via convencional lá estarão os painéis arbitrais da Organização Mundial de Comércio para avaliar e punir práticas proteccionistas.

Na categoria das circunstâncias que justificam práticas restritivas do comércio internacional encontram-se a protecção do ambiente, da segurança nacional e de outros valores nucleares para a ordem pública de cada Estado. Como atestam, à escala europeia, a casuística da Comissão Europeia e a jurisprudência do Tribunal de Justiça na defesa das liberdades económicas fundamentais e do mercado interno, a imaginação dos Estados não conhece limites no momento de discriminar os agentes económicos em função da nacionalidade. Recordemos a diligente iniciativa das autoridades policiais belgas que in illo tempore conduziram à fronteira duas prestadoras de serviços de nacionalidade francesa porque estas comerciavam os seus encantos físicos num Estado que, hélas!, não proibia a prostituição. O Tribunal de Justiça viu nesta prática uma restrição inaceitável da liberdade de prestação de serviços e uma discriminação em função da nacionalidade.

Quando se trata de proteger os agentes económicos nacionais o ambiente tem as costas largas. À sombra da descarbonização a Administração Biden conseguiu fazer aprovar no Congresso uma lei poeticamente baptizada como combatente da inflação. Entre várias medidas proteccionistas a dita lei distribui generosos apoios aos fabricantes (americanos) de automóveis eléctricos e subsidia a compra destes pelos consumidores (americanos). Ferida na sua virtude ambiental, a União Europeia lamentou a medida proteccionista dos EUA e anunciou um pacote financeiro de apoio à indústria (europeia) para a electrificação automóvel.

O proteccionismo não se manifesta apenas por via da subsidiação da produção e dos consumos nacionais. Proibir a exportação de tecnologia (ou exportar por preços ou condições proibitivas) é equivalente a proteger a quota de mercado da indústria nacional primeiro ao nível das exportações de bens e serviços que dependem da tecnologia embargada e, mais tarde, da quota nacional no mercado (os fabricantes estrangeiros revelam-se muitas vezes capazes de, com base na mesma tecnologia, produzir mais barato).

 A invocação da segurança nacional é cada vez mais frequente (e bem sucedida junto da OMC) para proibir a exportação de tecnologia ou o acesso de tecnologia estrangeira ao mercado nacional. Os EUA proibiram a exportação para a China (ou para empresas controladas por aquele Estado) de processadores e de semicondutores sofisticados. A proibição abrange a exportação de tecnologia a partir dos EUA ou de Estados terceiros quando baseada em tecnologia dos EUA e a prestação por cidadãos americanos de serviços relacionados. Em consequência a China apresentou na OMC uma queixa contra os EUA.

Os proselitistas do comércio internacional consideram que a globalização, ao multiplicar a rede de interdependências nas cadeias logísticas, tem por efeito impossibilitar a guerra. Não vou tão longe mas admito que o comércio pode, com vantagem, substituir a guerra, assim haja comércio. Para os desmemoriados recordo a proibição de exportação de petróleo dos EUA para o Japão como catalisador do ataque a Pearl Harbour.

 

           

           

O proteccionismo é um defeito alheio


Em tempos de crise não são só as moedas que se desvalorizam, também as ideias feitas sofrem súbitas crises identitárias e o que ontem eram virtudes surgem aos olhos do mundo travestidas como defeitos.


A globalização tem como pressuposto mínimo o comércio livre, o que implica um combate denodado ao proteccionismo, regulando de forma estrita as circunstâncias em que os mercados nacionais podem ser fechados aos bens e serviços provenientes de outros Estados. Fora das justificações pactuadas por via convencional lá estarão os painéis arbitrais da Organização Mundial de Comércio para avaliar e punir práticas proteccionistas.

Na categoria das circunstâncias que justificam práticas restritivas do comércio internacional encontram-se a protecção do ambiente, da segurança nacional e de outros valores nucleares para a ordem pública de cada Estado. Como atestam, à escala europeia, a casuística da Comissão Europeia e a jurisprudência do Tribunal de Justiça na defesa das liberdades económicas fundamentais e do mercado interno, a imaginação dos Estados não conhece limites no momento de discriminar os agentes económicos em função da nacionalidade. Recordemos a diligente iniciativa das autoridades policiais belgas que in illo tempore conduziram à fronteira duas prestadoras de serviços de nacionalidade francesa porque estas comerciavam os seus encantos físicos num Estado que, hélas!, não proibia a prostituição. O Tribunal de Justiça viu nesta prática uma restrição inaceitável da liberdade de prestação de serviços e uma discriminação em função da nacionalidade.

Quando se trata de proteger os agentes económicos nacionais o ambiente tem as costas largas. À sombra da descarbonização a Administração Biden conseguiu fazer aprovar no Congresso uma lei poeticamente baptizada como combatente da inflação. Entre várias medidas proteccionistas a dita lei distribui generosos apoios aos fabricantes (americanos) de automóveis eléctricos e subsidia a compra destes pelos consumidores (americanos). Ferida na sua virtude ambiental, a União Europeia lamentou a medida proteccionista dos EUA e anunciou um pacote financeiro de apoio à indústria (europeia) para a electrificação automóvel.

O proteccionismo não se manifesta apenas por via da subsidiação da produção e dos consumos nacionais. Proibir a exportação de tecnologia (ou exportar por preços ou condições proibitivas) é equivalente a proteger a quota de mercado da indústria nacional primeiro ao nível das exportações de bens e serviços que dependem da tecnologia embargada e, mais tarde, da quota nacional no mercado (os fabricantes estrangeiros revelam-se muitas vezes capazes de, com base na mesma tecnologia, produzir mais barato).

 A invocação da segurança nacional é cada vez mais frequente (e bem sucedida junto da OMC) para proibir a exportação de tecnologia ou o acesso de tecnologia estrangeira ao mercado nacional. Os EUA proibiram a exportação para a China (ou para empresas controladas por aquele Estado) de processadores e de semicondutores sofisticados. A proibição abrange a exportação de tecnologia a partir dos EUA ou de Estados terceiros quando baseada em tecnologia dos EUA e a prestação por cidadãos americanos de serviços relacionados. Em consequência a China apresentou na OMC uma queixa contra os EUA.

Os proselitistas do comércio internacional consideram que a globalização, ao multiplicar a rede de interdependências nas cadeias logísticas, tem por efeito impossibilitar a guerra. Não vou tão longe mas admito que o comércio pode, com vantagem, substituir a guerra, assim haja comércio. Para os desmemoriados recordo a proibição de exportação de petróleo dos EUA para o Japão como catalisador do ataque a Pearl Harbour.