Todos já ouvimos falar de alterações climáticas, de aquecimento global e do degelo que tal fenómeno provoca nos polos e outras zonas geladas. Como consequência, sabemos todos que os níveis dos oceanos estão já a subir e irão subir ainda mais e submergir inúmeras áreas. Sabemos também que o degelo vai ter consequências na biodiversidade e na vida animal. Um dos melhores exemplos documentados é o do urso polar que, apesar da sua imponência, é completamente impotente contra um habitat em declínio e contra a escassez de alimento que tal provoca e que o obriga a viagens cada vez mais longas, acarretando com isso uma maior mortalidade para esta espécie.
No entanto, nem tudo é morte e destruição. O degelo está a tornar possível o regresso de milhares de organismos diferentes que até ao momento se encontravam adormecidos no gelo milenar. Será isso positivo? Ou é mais um problema para a humanidade?… ainda é cedo para saber…
O glaciar Okjökull, na Islândia, deixou de existir em 2019. Nessa altura, a população local realizou um funeral em reconhecimento da sua importância ao longo dos anos e com o desejo que tal não se repita com outros glaciares próximos. Infelizmente, e ao ritmo a que o degelo está a ocorrer, este evento está destinado a acontecer com mais frequência. Não são só os glaciares que estão a derreter, também permafrost está a derreter a um ritmo mais acelerado do que o que todos os estudos faziam prever, expondo terra que estava preservada e sem contacto com o ar e temperaturas amenas há centenas ou mesmo milhares de anos. Estas vastas áreas não são estéreis, muito pelo contrário estão povoadas por inúmeros microrganismos, na sua grande maioria desconhecidos até ao momento. Em 2014, cientistas a trabalhar numa camada profunda de permafrost siberiano detetaram a presença de um vírus que se encontrava dormente há mais de 30 000 anos e que se revelou estar infecioso. Este vírus não causa problemas de saúde humana, mas outros microrganismos podem ser libertados à medida que o solo fica exposto.
De entre alguns microrganismos identificados, sabemos que alguns têm a capacidade de metabolizar o carbono existente no solo, transformando o mesmo em metano, um dos responsáveis pelo efeito de estufa. Existem, no entanto, outros microrganismos que contrariam este mecanismo, consumindo o metano produzido. É necessário manter os equilíbrios no ambiente, que necessitamos de preservar a todo o custo.
Existem, no entanto, outros que são completamente desconhecidos até ao momento: bactérias e vírus que se têm mantido congelados e que podem ser extremamente benéficos ou nefastos para a saúde humana, animal e para o equilíbrio que existe naturalmente.
Temos já alguns exemplos de problemas causados pelo degelo como o surto de antrax na Sibéria, em 2016, que causou a morte a cerca de 200.000 renas ou o vírus desconhecido que tem causado casos de lesões na pele nos últimos anos no Alasca, e que muito associam a um vírus proveniente do degelo. Uma coisa é certa, quanto mais expostos estiverem estes ambientes mais microrganismos com os quais nunca tivemos qualquer contato poderão aparecer. A situação é tão problemática que estão a ser criadas medidas de avaliação de risco biológico para a proteção de algumas comunidades do Ártico.
Podemos ser levados a pensar que isto é um problema distante que não nos diz respeito. Estamos, no entanto, enganados. Como já foi provado pelo SARS-CoV-2, o mundo é global e quando existe um problema numa pequena comunidade no Ártico a probabilidade desse problema se tornar global é, neste momento, uma realidade. Devemos, portanto, todos, como uma entidade global, tomar medidas que minimizem a subida da temperatura para que consigamos desacelerar e se possível inverter este problema adicional das alterações climáticas.
Uma coisa é certa: o ambiente do Ártico e outras regiões geladas está em transformação e o leque completo das consequências desta transformação ainda é, até ao momento, completamente desconhecido.
Investigadores do Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico