E vão quase dois anos sem governo…


Feitas as contas, estaremos sem governação efetiva cerca dois anos, se as crises internas do PS não acabarem agora.


Nota prévia: O assalto às sedes que no Brasil simbolizam os três poderes era previsível e plasmou com menos violência o que aconteceu nos Estados Unidos há dois anos. Ao contrário de Trump, Bolsonaro não se deixou envolver diretamente nos atos terroristas, mas não há dúvida de que foi a sua gente que avançou selvaticamente perante uma passividade cúmplice policial. Há que punir os participantes e sobretudo os instigadores comprovados. Mas é bom que Lula tenha consciência de que cerca de metade dos brasileiros não confia nele e não vai suportar novos episódios de corrupção generalizada e, muito menos, a não concretização das promessas solenes que fez. O maior perigo para Lula e o regime democrático seria a frustração das expectativas que alimentou. Aí, a violência pode tornar-se imparável e ter outro tipo de consequências para o frágil regime democrático do Brasil.

 

1)É uma questão de fazer as contas, parafraseando António Guterres quando tentou quantificar o PIB sem calculadora, mostrando uma atrapalhação que ficou para a história. Só que as contas do tempo sem governo são fáceis. Faltará para sempre é saber quanto custa ao país a inoperacionalidade. O Presidente da República dissolveu o anterior parlamento em dezembro de 2021 devido ao chumbo de um Orçamento fechado em setembro desse ano.  As eleições ocorreram a 30 de janeiro de 2022 e o atual elenco governativo só tomou posse a 30 de março. O país esteve, portanto, parado com um governo limitado, primeiro politicamente e depois constitucionalmente, devido aos prazos dilatados que a constituição e lei eleitoral fixam para a marcação de eleições. Como se não bastasse, desde que está em funções, este governo tem vindo a cair aos pedaços. Perdeu, até ver, doze elementos, ou seja, 1/6 do total da equipa. Os casos sucessivos têm, naturalmente, efeito de paralisação na governação, pelas alterações de orientação (como na saúde) e a necessidade de novas articulações e reajustamentos internos. Há mexidas que implicam com a orgânica dos ministérios (caso da divisão Habitação e Infraestruturas) e trouxeram governantes desconhecedores da minúcia de algumas matérias, mesmo que sejam competentes, o que não é uma evidência. Além disso, há a probabilidade política de alguns ministros caírem por envolvimento em situações pouco claras (Negócios Estrangeiros, Agricultura e Finanças), o que implicaria, por tabela, alterações em secretarias de Estado.  Se a isto somarmos que um governante precisa de dois meses para avaliar uma situação complexa, verificamos que, numa perspetiva otimista, só em março de 2023 é que o governo pode ter condições de pleno funcionamento. Isto, desde que não haja mais uma escandaleira de caminho e que não saia qualquer dos ministros fragilizados. Este quadro exibe o que todos os cidadãos normais percebem. A estabilidade não advém da existência de uma maioria absoluta. Resulta, sim, de um governo, maioritário ou não, que tenha tempo de reflexão, estratégia, planificação de objetivos, capacidade de adaptação aos fatores de imprevisibilidade e seja dotado de uma eficácia que tranquilize as empresas e os investidores de uma forma geral, mas sobretudo os portugueses, cuja dependência do governo é enorme, dado o gigantismo da máquina administrativa e a complexidade jurídica que os asfixia. Ora, a maioria absoluta trouxe até um estranho e inusitado efeito perverso. Ao ponto de constatarmos que os momentos em que houve governação, firmeza e objetivos definidos foi, por muito que custe aos opositores da solução, no tempo da geringonça, coincidente com a pandemia. Desde aí, vivemos num pandemónio político só formalmente estável. Lembrando novamente Guterres, o mais provável é acabarmos num pântano já em 2024 em que há eleições europeias que funcionarão como barómetro. Nessa altura, existe a probabilidade concreta de nova crise política que implique legislativas antecipadas, abrindo, provavelmente, mais um ciclo de ingovernabilidade. Para já, temos de nos sujeitar à continuação da navegação à vista que dura vai para dois anos. Não estão, de facto, criadas condições objetivas de alternância democrática, como muito bem percebe o Presidente Marcelo e qualquer cidadão medianamente informado. Os portugueses terão de aguentar aquilo que, pelo seu voto ou abstenção, criaram. Em parte, porque confiaram em Costa e, objetivamente, porque não havia alternativa consistente do lado do PSD, situação que está agora a ser gradualmente retificada por Luís Montenegro. O líder optou pela abstenção na moção de censura da Iniciativa Liberal. A decisão é controversa. Mas, honra lhe seja feita, foi posta à consideração do grupo parlamentar e não houve reparos. Aparentemente, há deputados incomodados. O problema é que não dão a cara num partido e com um líder que, ao contrário do seu antecessor, não tem trejeitos persecutórios. O novo Conselho Estratégico parece, entretanto, ser uma evolução positiva. É mais pequeno, mais coerente, mais aberto e potencialmente mais pragmático do que o anterior, liderado por Miranda Sarmento, agora à frente do grupo parlamentar.  Pode ser um contributo importante para Montenegro, cujo objetivo fundamental é apresentar propostas,  reconquistar parte do eleitorado natural do partido e definir uma política de alianças descomplexada, o que não é fácil num país de estereótipos, de manipulações e de uma ditadura do politicamente correto que nos pode levar ao ridículo de começarmos também a ouvir por cá discursos dirigidos a “todos, todas e todes”. Já faltou mais.

 

2)É preciso ter consciência de que muito do que está a acontecer no governo tem a ver com a base de recrutamento do PS. Nesta fase, os melhores quadros, filiados ou não, recusam entrar para a política. Sabem que vão ganhar menos, que vão estar sujeitos a um escrutínio terrível e, sobretudo, já não acreditam na bondade do projeto. Consequentemente, António Costa vira-se para o interior do partido e para o país profundo e real onde abundam, no PS e não só, casos de aparelhismo que cruzam autarquias, misericórdias, delegações de institutos, segurança social, saúde,  CCDR, e toda uma parafernália de lugares ocupados por gente que só subsiste graças ao cartão partidário. Tudo muitas vezes associado a interesses económicos locais que atingem grande dimensão e proporcionam conluios.  Essa gente tem, porém, imenso interesse para o líder. É por ali que passa o controlo do partido e das suas federações. Quando corre bem junta-se o útil ao agradável. O chefe fica com alguém com poder local e totalmente subserviente à sua disposição. O problema é que, ao virem para Lisboa e ficarem no foco da imprensa nacional e das suas fontes judiciais, descobrem-se casos, casinhos e sobretudo grandes barracadas, envolvendo certos deslumbrados que não param para pensar se têm condições mínimas para fazerem a viagem para a capital e o centro do poder. O cosmopolitismo da capital e as suas alcatifas são perigosas para quem chega de supetão.

 

3)As audições de ministros no parlamento trazem às vezes memórias hilariantes. Foi o que sucedeu na semana passada ao ouvir-se Hugo Carneiro, do PSD atirar à cara de Medina a sua leviandade no caso da nomeação de Alexandra Reis. É fantástica a desfaçatez do social-democrata! Ele que, enquanto dirigente e corresponsável de recursos humanos da equipa de Rui Rio, manteve no parlamento assessores fantasmas que ganhavam pela assembleia, mas estavam no partido. Curiosamente, trata-se de uma matéria (mais uma entre milhares) que está em investigação pelo Ministério Público e da qual não mais se falou. Quanto a Hugo Carneiro, lá vai andado na política, encostando-se ao chefe do momento no PSD, até um dia chegar ao governo e depois, provavelmente, saltar para uma cadeira de sonho no Banco Portugal do qual é funcionário, mas onde boa parte dos colegas nem lhe conhece a cara. Grande casa de magnifica porta giratória.

E vão quase dois anos sem governo…


Feitas as contas, estaremos sem governação efetiva cerca dois anos, se as crises internas do PS não acabarem agora.


Nota prévia: O assalto às sedes que no Brasil simbolizam os três poderes era previsível e plasmou com menos violência o que aconteceu nos Estados Unidos há dois anos. Ao contrário de Trump, Bolsonaro não se deixou envolver diretamente nos atos terroristas, mas não há dúvida de que foi a sua gente que avançou selvaticamente perante uma passividade cúmplice policial. Há que punir os participantes e sobretudo os instigadores comprovados. Mas é bom que Lula tenha consciência de que cerca de metade dos brasileiros não confia nele e não vai suportar novos episódios de corrupção generalizada e, muito menos, a não concretização das promessas solenes que fez. O maior perigo para Lula e o regime democrático seria a frustração das expectativas que alimentou. Aí, a violência pode tornar-se imparável e ter outro tipo de consequências para o frágil regime democrático do Brasil.

 

1)É uma questão de fazer as contas, parafraseando António Guterres quando tentou quantificar o PIB sem calculadora, mostrando uma atrapalhação que ficou para a história. Só que as contas do tempo sem governo são fáceis. Faltará para sempre é saber quanto custa ao país a inoperacionalidade. O Presidente da República dissolveu o anterior parlamento em dezembro de 2021 devido ao chumbo de um Orçamento fechado em setembro desse ano.  As eleições ocorreram a 30 de janeiro de 2022 e o atual elenco governativo só tomou posse a 30 de março. O país esteve, portanto, parado com um governo limitado, primeiro politicamente e depois constitucionalmente, devido aos prazos dilatados que a constituição e lei eleitoral fixam para a marcação de eleições. Como se não bastasse, desde que está em funções, este governo tem vindo a cair aos pedaços. Perdeu, até ver, doze elementos, ou seja, 1/6 do total da equipa. Os casos sucessivos têm, naturalmente, efeito de paralisação na governação, pelas alterações de orientação (como na saúde) e a necessidade de novas articulações e reajustamentos internos. Há mexidas que implicam com a orgânica dos ministérios (caso da divisão Habitação e Infraestruturas) e trouxeram governantes desconhecedores da minúcia de algumas matérias, mesmo que sejam competentes, o que não é uma evidência. Além disso, há a probabilidade política de alguns ministros caírem por envolvimento em situações pouco claras (Negócios Estrangeiros, Agricultura e Finanças), o que implicaria, por tabela, alterações em secretarias de Estado.  Se a isto somarmos que um governante precisa de dois meses para avaliar uma situação complexa, verificamos que, numa perspetiva otimista, só em março de 2023 é que o governo pode ter condições de pleno funcionamento. Isto, desde que não haja mais uma escandaleira de caminho e que não saia qualquer dos ministros fragilizados. Este quadro exibe o que todos os cidadãos normais percebem. A estabilidade não advém da existência de uma maioria absoluta. Resulta, sim, de um governo, maioritário ou não, que tenha tempo de reflexão, estratégia, planificação de objetivos, capacidade de adaptação aos fatores de imprevisibilidade e seja dotado de uma eficácia que tranquilize as empresas e os investidores de uma forma geral, mas sobretudo os portugueses, cuja dependência do governo é enorme, dado o gigantismo da máquina administrativa e a complexidade jurídica que os asfixia. Ora, a maioria absoluta trouxe até um estranho e inusitado efeito perverso. Ao ponto de constatarmos que os momentos em que houve governação, firmeza e objetivos definidos foi, por muito que custe aos opositores da solução, no tempo da geringonça, coincidente com a pandemia. Desde aí, vivemos num pandemónio político só formalmente estável. Lembrando novamente Guterres, o mais provável é acabarmos num pântano já em 2024 em que há eleições europeias que funcionarão como barómetro. Nessa altura, existe a probabilidade concreta de nova crise política que implique legislativas antecipadas, abrindo, provavelmente, mais um ciclo de ingovernabilidade. Para já, temos de nos sujeitar à continuação da navegação à vista que dura vai para dois anos. Não estão, de facto, criadas condições objetivas de alternância democrática, como muito bem percebe o Presidente Marcelo e qualquer cidadão medianamente informado. Os portugueses terão de aguentar aquilo que, pelo seu voto ou abstenção, criaram. Em parte, porque confiaram em Costa e, objetivamente, porque não havia alternativa consistente do lado do PSD, situação que está agora a ser gradualmente retificada por Luís Montenegro. O líder optou pela abstenção na moção de censura da Iniciativa Liberal. A decisão é controversa. Mas, honra lhe seja feita, foi posta à consideração do grupo parlamentar e não houve reparos. Aparentemente, há deputados incomodados. O problema é que não dão a cara num partido e com um líder que, ao contrário do seu antecessor, não tem trejeitos persecutórios. O novo Conselho Estratégico parece, entretanto, ser uma evolução positiva. É mais pequeno, mais coerente, mais aberto e potencialmente mais pragmático do que o anterior, liderado por Miranda Sarmento, agora à frente do grupo parlamentar.  Pode ser um contributo importante para Montenegro, cujo objetivo fundamental é apresentar propostas,  reconquistar parte do eleitorado natural do partido e definir uma política de alianças descomplexada, o que não é fácil num país de estereótipos, de manipulações e de uma ditadura do politicamente correto que nos pode levar ao ridículo de começarmos também a ouvir por cá discursos dirigidos a “todos, todas e todes”. Já faltou mais.

 

2)É preciso ter consciência de que muito do que está a acontecer no governo tem a ver com a base de recrutamento do PS. Nesta fase, os melhores quadros, filiados ou não, recusam entrar para a política. Sabem que vão ganhar menos, que vão estar sujeitos a um escrutínio terrível e, sobretudo, já não acreditam na bondade do projeto. Consequentemente, António Costa vira-se para o interior do partido e para o país profundo e real onde abundam, no PS e não só, casos de aparelhismo que cruzam autarquias, misericórdias, delegações de institutos, segurança social, saúde,  CCDR, e toda uma parafernália de lugares ocupados por gente que só subsiste graças ao cartão partidário. Tudo muitas vezes associado a interesses económicos locais que atingem grande dimensão e proporcionam conluios.  Essa gente tem, porém, imenso interesse para o líder. É por ali que passa o controlo do partido e das suas federações. Quando corre bem junta-se o útil ao agradável. O chefe fica com alguém com poder local e totalmente subserviente à sua disposição. O problema é que, ao virem para Lisboa e ficarem no foco da imprensa nacional e das suas fontes judiciais, descobrem-se casos, casinhos e sobretudo grandes barracadas, envolvendo certos deslumbrados que não param para pensar se têm condições mínimas para fazerem a viagem para a capital e o centro do poder. O cosmopolitismo da capital e as suas alcatifas são perigosas para quem chega de supetão.

 

3)As audições de ministros no parlamento trazem às vezes memórias hilariantes. Foi o que sucedeu na semana passada ao ouvir-se Hugo Carneiro, do PSD atirar à cara de Medina a sua leviandade no caso da nomeação de Alexandra Reis. É fantástica a desfaçatez do social-democrata! Ele que, enquanto dirigente e corresponsável de recursos humanos da equipa de Rui Rio, manteve no parlamento assessores fantasmas que ganhavam pela assembleia, mas estavam no partido. Curiosamente, trata-se de uma matéria (mais uma entre milhares) que está em investigação pelo Ministério Público e da qual não mais se falou. Quanto a Hugo Carneiro, lá vai andado na política, encostando-se ao chefe do momento no PSD, até um dia chegar ao governo e depois, provavelmente, saltar para uma cadeira de sonho no Banco Portugal do qual é funcionário, mas onde boa parte dos colegas nem lhe conhece a cara. Grande casa de magnifica porta giratória.