Realiza-se hoje às 15 horas a tradicional cerimónia de abertura do ano judicial. É, no entanto, manifesto que o ano judicial abre num momento de profunda degradação da Justiça, conforme é reconhecido por todos os profissionais do sector.
Na verdade, à mesma hora que em se inicia a cerimónia de abertura do ano judicial estão marcados plenários sindicais convocados pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais e duas horas antes inicia-se uma greve por parte do Sindicato dos Oficiais de Justiça. Na opinião deste, em resultado da degradação física dos edifícios, da falta de funcionários e da deterioração das suas condições de trabalho está em causa o regular funcionamento dos tribunais como órgão de soberania, pelo que o Presidente da República deveria convocar um Conselho de Estado para discutir os problemas do sector da Justiça.
Também o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público se mostrou preocupado com a situação que a Justiça atravessa, salientando a sucessiva falta de candidatos ao Centro de Estudos Judiciários, que esvazia a base de recrutamento dos magistrados, prejudicando a selecção dos candidatos de maior qualidade. Faltam ainda recursos financeiros ao Ministério Público, mantendo-se uma política de desinvestimento e condicionamento da sua acção, como se comprova pelo facto de o Orçamento para 2023 não dedicar uma linha ao reforço de meios desta magistratura.
Da mesma forma, igualmente a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e a Associação de Juízas Portuguesas apelaram ao Governo para avançar com reformas urgentes no sector. Na opinião desta última associação, os espaços físicos dos tribunais encontram-se degradados, sendo gritante a falta de recursos humanos por ausência de renovação das carreiras, o que gera uma desmotivação crescente entre os profissionais.
Em relação aos Advogados a situação assume especial gravidade, uma vez que continua sem qualquer revisão a tabela remuneratória do apoio judiciário, apesar das propostas já apresentadas pela Ordem dos Advogados ao Governo e aos Grupos Parlamentares nesse âmbito.
Para além disso, as condições físicas em que os Advogados são obrigados a trabalhar nos Tribunais degradam-se de dia para dia. Recentemente foi comunicado à Ordem dos Advogados que no edifício do Juízo de Mogadouro, em Bragança, foi diminuída a potência do contador eléctrico, deixando de ser possível colocar aparelhos de aquecimento em qualquer sala do Tribunal, o que obriga a que os julgamentos sejam realizados debaixo de frio intenso.
Também recentemente o Juízo Central Cível de Lisboa enviou à Ordem dos Advogados uma acta de uma audiência de julgamento, onde foi proferido despacho referindo que “a audiência esteve interrompida durante mais de meia hora por se ter constatado, fortuitamente, que o sistema de gravação não estava a funcionar. Não existindo telefone operacional na sala de audiências, houve necessidade de a Sra. Oficial de Justiça que apoia a diligência se deslocar para fora da mesma a fim de procurar ajuda. Por manifesta incapacidade de as pessoas presentes ultrapassarem as dificuldades sentidas, foi contactado o técnico de informática neste Tribunal (…), o que só se pôde fazer através do telemóvel particular da Magistrada Judicial que preside a esta diligência. O mesmo técnico informático, já na sala, veio, aparentemente, a constatar a ocorrência de um fenómeno de curto circuito num dos cabos existentes, o que poderia colocar em risco a segurança da gravação do depoimento que estava em curso. Por esta razão teve-se por adequado fazer deslocar esta diligência para outra sala de audiências neste tribunal”. Nessa mesma acta, é referido pelos Advogados que “no dia de hoje, dos quatro elevadores que servem o público no Palácio da Justiça, só um é que está a funcionar. Sendo certo que dois deles há muito que não funcionam e o que funcionou hoje só arrancou depois de dois dos passageiros terem pulado no interior do mesmo, esclarecendo que o faziam porque aquele elevador só funciona quando se pula”.
Perante este cenário, que presentemente se vive nos nossos Tribunais, espera-se que na cerimónia de abertura do ano judicial não se assista às tradicionais proclamações panglossianas de que tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis e que se enfrente com determinação a degradação da nossa Justiça. Só assim a mesma poderá melhorar.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990