Assento 3 b


Pelé era Pelé e é Pelé e vai ser sempre Pelé. Com aquela voz rouca e convincente, apresentou-me como uma pessoa com a qual estava a estabelecer uma conversa da máxima importância. 


A viagem entre Barcelona e Tunis é curta, mas a minha ligação de Lisboa chegou atrasada, embarquei a correr, e a bexiga, desleixada, começou a reclamar alto quinze minutos depois de estarmos a voar sobre o Mediterrâneo. Dei por mim aflitinho frente a duas portas trancadas dos lavabos de um bimotor mais estreito do que uma cigarrilha, quanto mais um charuto. Amaldiçoei devidamente os molengas dos ocupantes dos cubículos, resmunguei contra o tempo que demoravam nas suas necessidades até que um alívio indescritível me subiu dos pés à alma, supondo que a alma fica num lugar mais acima do que os pés, ao ouvir o ruído de uma das portas a ser destrancada. Em seguida um sujeito surgiu na minha frente e eu percebi que conhecia particularmente bem aquela cara. Era Edson. Esse mesmo, do Nascimento. Pelé, portanto. Começámos a conversar. Tinha estado com ele em Zurique, numa cerimónia da FIFA, um mês antes, íamos ambos para a Taça de África, eu em trabalho, ele convidado para assistir ao jogo de abertura. Depois, perante o meu tão visível desespero, disse-me para ir ter com ele, ao lugar 3 b. Fui. De bexiga já mitigada, claro. Com muitas dúvidas que as hospedeira me permitissem o upgrade. Permitir não permitiram, mas Pelé era Pelé e é Pelé e vai ser sempre Pelé. Com aquela voz rouca e convincente, apresentou-me como uma pessoa com a qual estava a estabelecer uma conversa da máxima importância. O que era verdade. Pelo menos para mim – todas as conversas que guardo com ele foram da maior importância. Acho que nenhuma das moças acreditou nele mas, por seu lado, também não souberam como dizer-lhe não. E, ao mesmo tempo que conversávamos e voávamos, lembrei-me da frase do defesa italiano Tarcisio Burgnich depois da final do Campeonato do Mundo de 1970, no México: “Ao entrar para o campo, pensei para comigo – afinal ele é de carne e osso, tal como eu. Só depois percebi quão enganado estava…”

Assento 3 b


Pelé era Pelé e é Pelé e vai ser sempre Pelé. Com aquela voz rouca e convincente, apresentou-me como uma pessoa com a qual estava a estabelecer uma conversa da máxima importância. 


A viagem entre Barcelona e Tunis é curta, mas a minha ligação de Lisboa chegou atrasada, embarquei a correr, e a bexiga, desleixada, começou a reclamar alto quinze minutos depois de estarmos a voar sobre o Mediterrâneo. Dei por mim aflitinho frente a duas portas trancadas dos lavabos de um bimotor mais estreito do que uma cigarrilha, quanto mais um charuto. Amaldiçoei devidamente os molengas dos ocupantes dos cubículos, resmunguei contra o tempo que demoravam nas suas necessidades até que um alívio indescritível me subiu dos pés à alma, supondo que a alma fica num lugar mais acima do que os pés, ao ouvir o ruído de uma das portas a ser destrancada. Em seguida um sujeito surgiu na minha frente e eu percebi que conhecia particularmente bem aquela cara. Era Edson. Esse mesmo, do Nascimento. Pelé, portanto. Começámos a conversar. Tinha estado com ele em Zurique, numa cerimónia da FIFA, um mês antes, íamos ambos para a Taça de África, eu em trabalho, ele convidado para assistir ao jogo de abertura. Depois, perante o meu tão visível desespero, disse-me para ir ter com ele, ao lugar 3 b. Fui. De bexiga já mitigada, claro. Com muitas dúvidas que as hospedeira me permitissem o upgrade. Permitir não permitiram, mas Pelé era Pelé e é Pelé e vai ser sempre Pelé. Com aquela voz rouca e convincente, apresentou-me como uma pessoa com a qual estava a estabelecer uma conversa da máxima importância. O que era verdade. Pelo menos para mim – todas as conversas que guardo com ele foram da maior importância. Acho que nenhuma das moças acreditou nele mas, por seu lado, também não souberam como dizer-lhe não. E, ao mesmo tempo que conversávamos e voávamos, lembrei-me da frase do defesa italiano Tarcisio Burgnich depois da final do Campeonato do Mundo de 1970, no México: “Ao entrar para o campo, pensei para comigo – afinal ele é de carne e osso, tal como eu. Só depois percebi quão enganado estava…”