O regresso ao pântano


Neste momento, o país vive de facto uma situação absolutamente pantanosa, e não é o acenar com verbas do PRR, ou a distribuição de pequenos subsídios às pessoas, que a permite resolver.  


O país inicia 2023 debaixo de uma série crise política, sendo claro que o epicentro da crise reside no Governo e mais propriamente no Primeiro-Ministro. Na verdade, a sucessão de casos e de demissões demonstra uma evidente falta de coordenação política do Governo, sendo que o triunfalismo de António Costa ter proclamado: “Vão ser quatro anos. Habituem-se”, espelhava afinal uma enorme fragilidade política interna.

Na verdade, qualquer observador minimamente atento já tinha percebido que Pedro Nuno Santos, tendo adquirido um claro controlo do aparelho do PS, e com apoios de peso no Parlamento e até no Governo, está na pole position para suceder a António Costa. Só que este não se conforma com esse cenário, pelo que tem ensaiado uma estratégia para barrar essa ascensão. Começou por no Congresso do PS António Costa ter integrado Pedro Nuno Santos num grupo de quatro possíveis sucessores, com Fernando Medina, Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva, ao qual à última hora ainda veio acrescentar Marta Temido. Depois, em Março, colocou todos esses pretensos sucessores no Governo, protocolarmente à frente de Pedro Nuno Santos, que era atirado para o antepenúltimo lugar da lista de Ministros. E em Junho, sem qualquer justificação aparente, António Costa revogou o despacho de Pedro Nuno Santos sobre o novo aeroporto de Lisboa, apesar de a solução por ele gizada ter sido muito bem recebida por todos os interessados e até pela opinião pública. Já na altura Pedro Nuno Santos esteve para sair do Governo, acabando apenas por o fazer agora, o que deixa António Costa sem um Ministro com um importante peso político. Curiosamente a resposta de António Costa foi dizer noutra entrevista, agora ao Expresso, que admitia ficar no Governo depois de 2026, como se isso pudesse levar Pedro Nuno Santos a desistir de lhe suceder.

Num sistema político parlamentar puro, era muito provável que esta crise no Governo pudesse levar o partido maioritário a escolher um novo Primeiro-Ministro, como tem ocorrido nos últimos tempos no Reino Unido. No nosso sistema político semipresidencial, em que é o Presidente que decide a dissolução do Parlamento, isso nunca ocorrerá, pois os deputados sabem que, se derrubassem o Governo, iriam eles próprios a seguir concorrer a eleições. Se há coisa que a experiência do Governo de Santana Lopes, com o qual a presente situação tem sido injustamente comparada, demonstrou é que em Portugal é um grande risco um partido escolher um Primeiro-Ministro para substituir aquele que disputou as eleições.

É por isso que a moção de censura apresentada pela Iniciativa Liberal está votada ao insucesso, aparentando ser mais um frete deste partido ao Governo, depois de já o ter apoiado no ataque às Ordens Profissionais. Não admira, por isso, que neste momento a Iniciativa Liberal surja nas sondagens abaixo do PAN. É evidente que todos os deputados do PS rejeitarão em bloco a moção de censura, permitindo assim a António Costa proclamar que tem a confiança do Parlamento e declarar encerrada a crise política. E para isso conta com a clara colaboração do Presidente da República que na sua mensagem de Ano Novo já declarou que só o Governo pode enfraquecer ou esvaziar a estabilidade política, o que na prática significa que por muito mal que as coisas corram no país, não haverá intervenção do Presidente. O Governo pode continuar assim cantando e rindo a caminho do abismo.

Eppur si muove. Neste momento temos o partido maioritário a viver um clima de paz podre, tendo o delfim anunciado abandonado o Governo e deixando o Primeiro-Ministro cada vez mais isolado. Por isso, se há comparação a fazer, é com o Governo de António Guterres que, quando anunciou finalmente a sua saída, reconheceu ter deixado o país num pântano. Neste momento, o país vive de facto uma situação absolutamente pantanosa, e não é o acenar com verbas do PRR, ou a distribuição de pequenos subsídios às pessoas, que a permite resolver. Como bem lembrou o saudoso Joaquim Silva Pinto, do pântano não se sai a nado…

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

O regresso ao pântano


Neste momento, o país vive de facto uma situação absolutamente pantanosa, e não é o acenar com verbas do PRR, ou a distribuição de pequenos subsídios às pessoas, que a permite resolver.  


O país inicia 2023 debaixo de uma série crise política, sendo claro que o epicentro da crise reside no Governo e mais propriamente no Primeiro-Ministro. Na verdade, a sucessão de casos e de demissões demonstra uma evidente falta de coordenação política do Governo, sendo que o triunfalismo de António Costa ter proclamado: “Vão ser quatro anos. Habituem-se”, espelhava afinal uma enorme fragilidade política interna.

Na verdade, qualquer observador minimamente atento já tinha percebido que Pedro Nuno Santos, tendo adquirido um claro controlo do aparelho do PS, e com apoios de peso no Parlamento e até no Governo, está na pole position para suceder a António Costa. Só que este não se conforma com esse cenário, pelo que tem ensaiado uma estratégia para barrar essa ascensão. Começou por no Congresso do PS António Costa ter integrado Pedro Nuno Santos num grupo de quatro possíveis sucessores, com Fernando Medina, Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva, ao qual à última hora ainda veio acrescentar Marta Temido. Depois, em Março, colocou todos esses pretensos sucessores no Governo, protocolarmente à frente de Pedro Nuno Santos, que era atirado para o antepenúltimo lugar da lista de Ministros. E em Junho, sem qualquer justificação aparente, António Costa revogou o despacho de Pedro Nuno Santos sobre o novo aeroporto de Lisboa, apesar de a solução por ele gizada ter sido muito bem recebida por todos os interessados e até pela opinião pública. Já na altura Pedro Nuno Santos esteve para sair do Governo, acabando apenas por o fazer agora, o que deixa António Costa sem um Ministro com um importante peso político. Curiosamente a resposta de António Costa foi dizer noutra entrevista, agora ao Expresso, que admitia ficar no Governo depois de 2026, como se isso pudesse levar Pedro Nuno Santos a desistir de lhe suceder.

Num sistema político parlamentar puro, era muito provável que esta crise no Governo pudesse levar o partido maioritário a escolher um novo Primeiro-Ministro, como tem ocorrido nos últimos tempos no Reino Unido. No nosso sistema político semipresidencial, em que é o Presidente que decide a dissolução do Parlamento, isso nunca ocorrerá, pois os deputados sabem que, se derrubassem o Governo, iriam eles próprios a seguir concorrer a eleições. Se há coisa que a experiência do Governo de Santana Lopes, com o qual a presente situação tem sido injustamente comparada, demonstrou é que em Portugal é um grande risco um partido escolher um Primeiro-Ministro para substituir aquele que disputou as eleições.

É por isso que a moção de censura apresentada pela Iniciativa Liberal está votada ao insucesso, aparentando ser mais um frete deste partido ao Governo, depois de já o ter apoiado no ataque às Ordens Profissionais. Não admira, por isso, que neste momento a Iniciativa Liberal surja nas sondagens abaixo do PAN. É evidente que todos os deputados do PS rejeitarão em bloco a moção de censura, permitindo assim a António Costa proclamar que tem a confiança do Parlamento e declarar encerrada a crise política. E para isso conta com a clara colaboração do Presidente da República que na sua mensagem de Ano Novo já declarou que só o Governo pode enfraquecer ou esvaziar a estabilidade política, o que na prática significa que por muito mal que as coisas corram no país, não haverá intervenção do Presidente. O Governo pode continuar assim cantando e rindo a caminho do abismo.

Eppur si muove. Neste momento temos o partido maioritário a viver um clima de paz podre, tendo o delfim anunciado abandonado o Governo e deixando o Primeiro-Ministro cada vez mais isolado. Por isso, se há comparação a fazer, é com o Governo de António Guterres que, quando anunciou finalmente a sua saída, reconheceu ter deixado o país num pântano. Neste momento, o país vive de facto uma situação absolutamente pantanosa, e não é o acenar com verbas do PRR, ou a distribuição de pequenos subsídios às pessoas, que a permite resolver. Como bem lembrou o saudoso Joaquim Silva Pinto, do pântano não se sai a nado…

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990