1. Depois de se conhecerem os detalhes dos terríveis espancamentos e outros maus tratos infligidos à pequena Jéssica, em Setúbal, por quem a sequestrava, somando-se a passividade e cumplicidade da mãe, apareça quem venha defender que os culpados não merecem prisão perpétua, em nome de uma possível reinserção ou lá o que seja. Aquilo a que a criança foi sujeita está para além de toda a maldade. Não há nada que possa ser invocado como atenuante. A prisão perpétua como castigo permanente, nas condições penais mais severas, é a pena adequada.
Lamentavelmente, não está inscrita no nosso código penal, mas deveria estar. Alguns defendem mesmo a introdução da pena de morte. Além de questões mais substanciais relacionadas com o direito à vida, a pena de morte traz sempre consigo a hipótese de se cometerem erros judiciais irreversíveis, como sucedeu várias vezes nos Estados Unidos.
Quanto à prisão perpétua, sem hipótese de revisão de pena, não vale a pena associar quem a preconize a um extremismo de direita ou de esquerda. A prisão perpétua é uma defesa da sociedade que deveria ser aplicável a crimes crapulosos, associações criminosas muito violentas e a atos terroristas praticados em democracia. Sem apelo nem agravo e sem remorsos.
2. Os portugueses andam pessimistas e cabisbaixos. Não é de estranhar, mesmo sabendo que o contexto internacional é negativo e deprimente, o que nos afeta mais do que à maioria dos povos europeus. Claro que estamos melhor do que muitos países do mundo fora da União Europeia, circunstância que não deve consolar-nos. Vivemos uma realidade chamada UE e não soubemos aproveitar a nossa periferia. Hoje, sabemos que nunca seremos a Califórnia da Europa que alguns preconizavam. Falhámos no planeamento infraestrutural, como aeroportos e rede ferroviária. A evidência quotidiana e os números apurados internacionalmente mostram que estamos cada vez mais longe da Europa Ocidental, nórdica e parte da do Leste em todos os parâmetros. A saúde, a educação, a criação de riqueza, o emprego (com estatísticas nitidamente falseadas), a capacidade de executar obras essenciais, o setor empresarial público, a banca supostamente nacional, o clima social degradado e o lucro pornográfico de setores como a distribuição e a energia (que exportam lucros) são fatores que nos empurram para baixo. Por mais otimista que o governo se mostre, esmorece o moral das nossas gentes. É logo meio caminho andado para continuarmos a afundar-nos. Por isso mesmo, o mais extraordinário da quadra foi o discurso de Natal de António Costa. Sem se desmanchar a rir, garantiu que estamos a enfrentar as dificuldades futuras, que estamos a caminho do pelotão da frente e que estamos imunes à repetição de problemas do passado (por sinal criados pelo seu amigo Sócrates). Costa serviu-se das dificuldades da conjuntura mundial para justificar todos os falhanços de proximidade, o que é demagógico e mesmo desonesto. O seu discurso não foi motivacional. Foi de vendedor de banha-da-cobra. Ao contrário de Costa e dos seus apaniguados, nós, os portugueses, estamos cinzentos, somos cada vez menos, estamos cansados e naturalmente angustiados. Numa certa medida, o que nos tem valido são os imigrantes que estabilizam minimamente a demografia (já são tantos como os lisboetas todos) e fazem o trabalho que já não conseguimos executar por excesso de qualificações, preguiça ou por idade. Essa circunstância levanta uma óbvia interrogação a prazo. Será que algum dia poderemos enfrentar cá problemas semelhantes aos que a França teve nos últimos dias com a revolta curda? A resposta é difícil. Por um lado, tirando uma comunidade recente vinda do Bangladesh, da Índia ou pontualmente de outras paragens, não temos ainda grandes clivagens culturais e religiosas. Em regra, os povos que nos demandam são cristãos e lusófonos, o que facilita a relação. Mas, por outro lado, não há integração na vida social, política e cultural. Existe, sim, uma crescente guetização dessas comunidades. E isso não é bom a longo prazo. Os portugueses que emigraram souberam normalmente integrar-se em todo o mundo, sem perder a identidade essencial. A inversa, porém, não é verdadeira.
Aqui, impomos barreiras de toda a espécie que começam numa burocracia gigantesca e incompetente, apesar de existirem instituições para evitar discriminação e facilitar a vinda de gente ativa e pobre que quer trabalhar e ficar por entre nós. Temos polícia própria para estrangeiros, governantes nacionais, autarcas, comissários, provedores, Misericórdias, voluntários laicos e católicos. Não falta nada. Basta dar uma volta pelos arredores de Lisboa para perceber que corremos o risco de, um dia, termos uma explosão de violência, resultante de não sabermos integrar quem merece e rejeitar quem não estiver à altura ou se recuse respeitar a nossa matriz civilizacional, mesmo mantendo a sua, desde que assente no respeito da Pessoa Humana, em valores democráticos e de tolerância.
Radicalismos, por exemplo, de natureza religiosa devem ser eliminados à nascença para evitar a contaminação que sucede em Espanha, França, Bélgica, Holanda e muitos países escandinavos. Ainda temos tempo, mas menos do que alguns pensam.
3. As recentes cheias de Lisboa afetaram sobretudo áreas muito sensíveis, como Alcântara e Algés, onde as coisas se repetem ciclicamente. Mesmo assim, há edifícios concretos onde nunca poderiam ter acontecido inundações, por serem recentes. É o caso da Fundação Champalimaud construída mesmo à beira rio e, como tal, sujeita a um número suplementar de acidentes. De notar que a inundação na fundação foi pouco mais do que um flash noticioso. Controlaram-se rapidamente os danos de imagem. Quanto aos materiais, nada se sabe. Um fenómeno estranho de silenciamento noticioso coletivo. Outro caso, menos que perdeu significativo, mas mais grave por ser público, é o do novo Centro de Saúde de Algés que foi inundado duas vezes em oito dias e teve de ser encerrado. Quem construiu ali, numa zona de cheia, devia ter tido uma capacidade mínima de antecipação. Mas não! Falhou redondamente! E quanto custou o erro, em apoio à população e em dinheiro?
4. Para desespero dos russos e dos seus escassos, mas fanáticos, apoiantes no mundo democrático, Zelensky foi aos Estados Unidos onde recebeu garantias de apoio à luta pela liberdade de que a Ucrânia é o símbolo e a primeira linha. Em consequência, Putin intensifica combates e ataques na tentativa de recuperar o terreno que invadiu, mas não manteve. A guerra está numa fase de escalada sistemática. É sobretudo feita de artilharia, com poucas ações no terreno dado o inverno. A um mês de completar um ano sobre a invasão, verifica-se que não ocorreu a vitória fácil de Putin que alguns previam (entre os quais o signatário). Moscovo nem consegue manter seguro o Leste e verifica-se que muitos russófonos fugiram para o oeste mais livre, o que é significativo. Até a Crimeia está menos segura para os russos do que há um ano. Putin já emprega o termo guerra. Não é um dislate. É um passo para legitimar o uso de mais força. É estranho como os russos, que souberam resistir a franceses e alemães, não perceberam que os seus irmãos-inimigos ucranianos partilham com eles esse ADN. É muito complicado subjugar um povo inteiro que quer ser independente. Podiam ter perguntado aos espanhóis se é fácil dominar um vizinho pela força. Teriam percebido muita coisa. A nossa guerra da restauração durou 28 anos. A dos ucranianos durará outros tantos, se necessário. Já pelo lado económico a anexação consegue-se com uma boa estratégia e músculo financeiro. Mas até nisso o regime oligárquico de Putin fracassou. A Rússia tem um potencial enorme, tem riquezas únicas, mas é incompetente e os seus líderes não se preocupam com a eficácia, mas apenas com a acumulação de riqueza. Querem safar tudo o que podem enquanto dura. Não sabem jogar nas regras económicas vigentes, como fazem os pragmáticos chineses. Como o seu antecessor Estaline e como Hitler, Putin e o seu regime só conhecem a via da força bruta, cuja vitória seria um retrocesso civilizacional.
Escreve à quarta-feira