Povos heroicos


Ucranianos e iranianos são referências de luta pela liberdade que devem ser referidos em tempo de balanço.


Nota prévia: O governo está a fazer uma regionalização encapotada, como o semanário Nascer do Sol noticiou. É um processo em curso que é grave e que carece de legitimidade. A transferência de poderes é feita para as CCDR, cujos membros não têm autoridade democrática, nem capacidade objetiva de gerir as suas responsabilidades. A regionalização está prevista na constituição desde sempre, mas nunca avançou. É uma matéria que deveria ser referendada, como o PSD reclama. Nos termos em que as coisas estão, esta regionalização sub-reptícia só vai tornar os nossos processos de decisão mais burocráticos, mais lentos e mais caros. Se é para fazer, faça-se às claras de uma ou de outra forma. Assim é que não porque o país não aguenta mais esta confusão.

 

1. Ucranianos e iranianos são povos habituados a sofrer e a lutar ferozmente pela sobrevivência contra ditaduras internas e/ou em conflitos com países vizinhos. A história foi inclemente para eles ao longo de gerações e séculos. Este ano, voltou a ser. Os ucranianos lutam contra o invasor russo, enquanto os iranianos tentam depor um regime xiita, teocrático e sanguinário. Entre a Nomenklatura de Moscovo e a Inquisição de Teerão, ambas apoiadas em fortes máquinas de repressão, não há muitas diferenças, desde logo porque dominam nações nevrálgicas que põem em causa o equilíbrio e a paz internacionais há muitos anos. As lutas dos ucranianos e dos iranianos merecem respeito e admiração pela determinação, a coragem e os ideais que lhes estão subjacentes e que não podem deixar indiferente quem preze a liberdade e a autonomia dos povos. Os ucranianos têm beneficiado do apoio de democracias face ao ataque russo. Já os iranianos estão sozinhos na revolta interna sem ajudas diretas e com escassa cobertura mediática. Há também um desequilíbrio manifesto na disponibilidade para acolher refugiados de cada nação, o que é injusto. Ambos são povos heroicos, exemplos para o mundo e para cada um de nós. Homenageá-los e apoiá-los nos seus combates pela liberdade é o mínimo dos tributos que se lhes pode render, esperando que o ano que chega seja o da vitória das suas causas, embora seja improvável. Sem esquecer outros perseguidos, como os curdos, o povo mais numeroso do mundo sem uma terra-pátria independente, ou os tibetanos que o mundo já esqueceu para não ofender a poderosa China.

 

2. António Costa está deslumbrado por ele próprio. Já não é novidade para ninguém que Costa ferve em pouca água e tem memória de elefante quanto a acertos de contas, embora em geral ostente um ar bonacheirão. A maioria absoluta que conquistou para o PS inesperadamente apurou ainda mais essas facetas. Tem mesmo dado azo a sucessivos excessos que vão para além do tradicional assalto a todos os lugares do Estado ou público-privados. Um desses excessos ficou patente na linguagem agressiva que usou relativamente à oposição e à forma como assegurou que vai manter-se no poder durante mais quatro anos. Numa entrevista/frete à Visão, Costa usa uma linguagem grosseira para aquela circunstância, embora seja aplicável em interjeições na retórica parlamentar, onde se dizem coisas do género diariamente. A outra, não evocada ali, tem a ver com a forma como o PS está a travar o regresso dos debates quinzenais, um elemento saudável quando o governo é maioritário e que se perdeu com o acordo subserviente de Rui Rio. No topo do Estado atual há dois socialistas, Costa e Santos Silva, que praticam a célebre frase do malogrado Jorge Coelho de que “quem se mete com o PS leva”, agora atualizada com o “habituem-se”. Quanto ao resto da entrevista nem vale a pena perder tempo com ela. Serviu para António Costa dar um justo mas insuficiente apoio aos mais pobres, fazer a sua autopropaganda, dar umas cacetadas na oposição, intimidar com uma permanência de quatro anos, a qual, a confirmar-se, nos trará inevitavelmente uma nova visita da troika. Serviu ainda para uma fotografia de capa que só se justifica por maldade ou falta de gosto editorial, mas que é extraordinariamente reveladora.

 

3. Quem não sabe inventa, diz o povo com razão. Vem isto a propósito da nova moda na Proteção Civil propagada pela boca de Patrícia Gaspar, a governante que tutela a área. Chama-se autoproteção. Quer dizer que cada um deve tomar medidas para se defender de potenciais catástrofes. Como dizem em Itália “…e bene trovato”, mas o passa culpas não resiste ao teste do algodão. Só há autoproteção quando há prevenção articulada entre diversas entidades, alertas atempados e campanhas nos média a ensinar procedimentos. Ora, em várias situações falharam os dois primeiros pontos. Quanto à pedagogia é coisa que só acontecia episodicamente na RTP3, por via do programa Risco e Prevenção, que desapareceu da grelha.

 

4. Onde anda o CDS? Quando Nuno Melo ganhou o partido havia quem admitisse ser possível conciliar a liderança e a cadeira de sonho de Bruxelas como eurodeputado. Santa ingenuidade! É impossível como se viu pelo facto de o líder ter limitado as suas aparições a uma ida a Belém para falar com Marcelo sobre a eutanásia. A manter-se o quadro qualquer dia não há CDS cá ou lá. Veremos, em 2024, nas europeias, se as previsões mais sombrias se concretizam. É de recordar que, nas primeiras legislativas, em 1976, ainda nos anos de brasa, o CDS obteve uns espantosos 15,98% dos votos e 42 deputados, ficando mesmo à frente do PCP que obteve 14,39% e 40 assentos.

 

5. Há uma nova tortura burocrática que se estende para além do razoável. Trata-se do regabofe dos agendamentos, designadamente nas repartições das finanças. Um cidadão que se confronte com um qualquer problema que tenha de resolver com urgência dá em regra com o nariz num funcionário que está à porta para o rechaçar ou, quando muito, para o reorientar para esse tal agendamento. Já quase não existe a liberdade de ir pela fresquinha tratar de um documento. A necessidade chegou em março de 2019 com a pandemia, mas transformou-se numa forma dos funcionários não sentirem a mínima pressão do povo utente que avalia ao vivo a eficácia (ainda que só gestual) de cada um. Ao agendamento soma-se o teletrabalho, método rei em quase todo o lado, público ou privado, erguendo barreiras intransponíveis contra lesados e enganados. O teletrabalho tem muitas vantagens, até ambientais. Mas não se deve poder aplicar a quem tem também a responsabilidade de dar a cara ao contribuinte ou ao cliente, se estes assim entenderem. A nova moda é sonsa, dificulta a vida e até permite a venda de senhas de atendimento. Já há legislação para evitar o agendamento sistemático, mas está-se tudo nas tintas. Tudo está feito para defender o Estado e as maiores empresas e não o cidadão. A reforma administrativa e a desburocratização deveriam agora impor um sistema de porta aberta das 9 às 16 com agendamento para uns e fila para outros. À vontade do freguês.

 

6. Na vigésima quinta hora ficou pronta a acusação contra Manuel Pinho e Ricardo Salgado, a quem, como este diz, foi atribuída doença de Alzheimer. Desengane-se quem ache que, ao fim de nove anos, o caso vai para julgamento. Ainda haverá contestação, instrução contraditória, recursos processuais. Talvez mais nove anos cheguem para fechar o caso. Isto se os arguidos sobreviverem até ao fim.

 

7. Na final mais emotiva de sempre, a Argentina conquistou o seu terceiro mundial, batendo uma gloriosa França nos penaltis. O jogo fica para a história e Leo Messi junta-se agora a dois deuses do Futebol: Maradona e Pelé. Numa longa carreira, Messi jogou, deu a jogar, festejou e chorou sempre com os seus companheiros nas derrotas e nas vitórias. Há muitas formas de ser grande no futebol, mas poucas para atingir o estatuto de lenda. Ele conseguiu!

 

Escreve à quarta-feira

Povos heroicos


Ucranianos e iranianos são referências de luta pela liberdade que devem ser referidos em tempo de balanço.


Nota prévia: O governo está a fazer uma regionalização encapotada, como o semanário Nascer do Sol noticiou. É um processo em curso que é grave e que carece de legitimidade. A transferência de poderes é feita para as CCDR, cujos membros não têm autoridade democrática, nem capacidade objetiva de gerir as suas responsabilidades. A regionalização está prevista na constituição desde sempre, mas nunca avançou. É uma matéria que deveria ser referendada, como o PSD reclama. Nos termos em que as coisas estão, esta regionalização sub-reptícia só vai tornar os nossos processos de decisão mais burocráticos, mais lentos e mais caros. Se é para fazer, faça-se às claras de uma ou de outra forma. Assim é que não porque o país não aguenta mais esta confusão.

 

1. Ucranianos e iranianos são povos habituados a sofrer e a lutar ferozmente pela sobrevivência contra ditaduras internas e/ou em conflitos com países vizinhos. A história foi inclemente para eles ao longo de gerações e séculos. Este ano, voltou a ser. Os ucranianos lutam contra o invasor russo, enquanto os iranianos tentam depor um regime xiita, teocrático e sanguinário. Entre a Nomenklatura de Moscovo e a Inquisição de Teerão, ambas apoiadas em fortes máquinas de repressão, não há muitas diferenças, desde logo porque dominam nações nevrálgicas que põem em causa o equilíbrio e a paz internacionais há muitos anos. As lutas dos ucranianos e dos iranianos merecem respeito e admiração pela determinação, a coragem e os ideais que lhes estão subjacentes e que não podem deixar indiferente quem preze a liberdade e a autonomia dos povos. Os ucranianos têm beneficiado do apoio de democracias face ao ataque russo. Já os iranianos estão sozinhos na revolta interna sem ajudas diretas e com escassa cobertura mediática. Há também um desequilíbrio manifesto na disponibilidade para acolher refugiados de cada nação, o que é injusto. Ambos são povos heroicos, exemplos para o mundo e para cada um de nós. Homenageá-los e apoiá-los nos seus combates pela liberdade é o mínimo dos tributos que se lhes pode render, esperando que o ano que chega seja o da vitória das suas causas, embora seja improvável. Sem esquecer outros perseguidos, como os curdos, o povo mais numeroso do mundo sem uma terra-pátria independente, ou os tibetanos que o mundo já esqueceu para não ofender a poderosa China.

 

2. António Costa está deslumbrado por ele próprio. Já não é novidade para ninguém que Costa ferve em pouca água e tem memória de elefante quanto a acertos de contas, embora em geral ostente um ar bonacheirão. A maioria absoluta que conquistou para o PS inesperadamente apurou ainda mais essas facetas. Tem mesmo dado azo a sucessivos excessos que vão para além do tradicional assalto a todos os lugares do Estado ou público-privados. Um desses excessos ficou patente na linguagem agressiva que usou relativamente à oposição e à forma como assegurou que vai manter-se no poder durante mais quatro anos. Numa entrevista/frete à Visão, Costa usa uma linguagem grosseira para aquela circunstância, embora seja aplicável em interjeições na retórica parlamentar, onde se dizem coisas do género diariamente. A outra, não evocada ali, tem a ver com a forma como o PS está a travar o regresso dos debates quinzenais, um elemento saudável quando o governo é maioritário e que se perdeu com o acordo subserviente de Rui Rio. No topo do Estado atual há dois socialistas, Costa e Santos Silva, que praticam a célebre frase do malogrado Jorge Coelho de que “quem se mete com o PS leva”, agora atualizada com o “habituem-se”. Quanto ao resto da entrevista nem vale a pena perder tempo com ela. Serviu para António Costa dar um justo mas insuficiente apoio aos mais pobres, fazer a sua autopropaganda, dar umas cacetadas na oposição, intimidar com uma permanência de quatro anos, a qual, a confirmar-se, nos trará inevitavelmente uma nova visita da troika. Serviu ainda para uma fotografia de capa que só se justifica por maldade ou falta de gosto editorial, mas que é extraordinariamente reveladora.

 

3. Quem não sabe inventa, diz o povo com razão. Vem isto a propósito da nova moda na Proteção Civil propagada pela boca de Patrícia Gaspar, a governante que tutela a área. Chama-se autoproteção. Quer dizer que cada um deve tomar medidas para se defender de potenciais catástrofes. Como dizem em Itália “…e bene trovato”, mas o passa culpas não resiste ao teste do algodão. Só há autoproteção quando há prevenção articulada entre diversas entidades, alertas atempados e campanhas nos média a ensinar procedimentos. Ora, em várias situações falharam os dois primeiros pontos. Quanto à pedagogia é coisa que só acontecia episodicamente na RTP3, por via do programa Risco e Prevenção, que desapareceu da grelha.

 

4. Onde anda o CDS? Quando Nuno Melo ganhou o partido havia quem admitisse ser possível conciliar a liderança e a cadeira de sonho de Bruxelas como eurodeputado. Santa ingenuidade! É impossível como se viu pelo facto de o líder ter limitado as suas aparições a uma ida a Belém para falar com Marcelo sobre a eutanásia. A manter-se o quadro qualquer dia não há CDS cá ou lá. Veremos, em 2024, nas europeias, se as previsões mais sombrias se concretizam. É de recordar que, nas primeiras legislativas, em 1976, ainda nos anos de brasa, o CDS obteve uns espantosos 15,98% dos votos e 42 deputados, ficando mesmo à frente do PCP que obteve 14,39% e 40 assentos.

 

5. Há uma nova tortura burocrática que se estende para além do razoável. Trata-se do regabofe dos agendamentos, designadamente nas repartições das finanças. Um cidadão que se confronte com um qualquer problema que tenha de resolver com urgência dá em regra com o nariz num funcionário que está à porta para o rechaçar ou, quando muito, para o reorientar para esse tal agendamento. Já quase não existe a liberdade de ir pela fresquinha tratar de um documento. A necessidade chegou em março de 2019 com a pandemia, mas transformou-se numa forma dos funcionários não sentirem a mínima pressão do povo utente que avalia ao vivo a eficácia (ainda que só gestual) de cada um. Ao agendamento soma-se o teletrabalho, método rei em quase todo o lado, público ou privado, erguendo barreiras intransponíveis contra lesados e enganados. O teletrabalho tem muitas vantagens, até ambientais. Mas não se deve poder aplicar a quem tem também a responsabilidade de dar a cara ao contribuinte ou ao cliente, se estes assim entenderem. A nova moda é sonsa, dificulta a vida e até permite a venda de senhas de atendimento. Já há legislação para evitar o agendamento sistemático, mas está-se tudo nas tintas. Tudo está feito para defender o Estado e as maiores empresas e não o cidadão. A reforma administrativa e a desburocratização deveriam agora impor um sistema de porta aberta das 9 às 16 com agendamento para uns e fila para outros. À vontade do freguês.

 

6. Na vigésima quinta hora ficou pronta a acusação contra Manuel Pinho e Ricardo Salgado, a quem, como este diz, foi atribuída doença de Alzheimer. Desengane-se quem ache que, ao fim de nove anos, o caso vai para julgamento. Ainda haverá contestação, instrução contraditória, recursos processuais. Talvez mais nove anos cheguem para fechar o caso. Isto se os arguidos sobreviverem até ao fim.

 

7. Na final mais emotiva de sempre, a Argentina conquistou o seu terceiro mundial, batendo uma gloriosa França nos penaltis. O jogo fica para a história e Leo Messi junta-se agora a dois deuses do Futebol: Maradona e Pelé. Numa longa carreira, Messi jogou, deu a jogar, festejou e chorou sempre com os seus companheiros nas derrotas e nas vitórias. Há muitas formas de ser grande no futebol, mas poucas para atingir o estatuto de lenda. Ele conseguiu!

 

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