A decisão instrutória da Operação Lex


A única iniciativa que ocorreu em consequência da Operação Lex foi a aprovação pelo Parlamento da Lei 55/2021, de 13 de Agosto, que estabeleceu mecanismos de controlo da distribuição electrónica de processos judiciais, prevendo a presença de um representante da Ordem dos Advogados para assegurar o controlo dessa distribuição.


Foi notícia esta semana que o Supremo Tribunal de Justiça considerou existirem indícios suficientes para levar a julgamento todos os 17 acusados na Operação Lex, nos precisos termos da acusação formulada pelo Ministério Público. Segundo foi na altura noticiado, estão em causa nesse processo crimes de corrupção passiva e activa para acto ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documentos, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Este processo, pelas suspeitas de corrupção que envolvem magistrados de um dos mais importantes tribunais superiores do país, o Tribunal da Relação de Lisboa, teve repercussões muito graves para a imagem da nossa Justiça, mas infelizmente não foram tiradas pelos poderes públicos as devidas consequências do mesmo, por forma a garantir que a confiança dos cidadãos na justiça não fosse prejudicada.

Logo que esta situação foi revelada, e que abrangia suspeitas de manipulação o sorteio dos processos, defendemos que deveria ter sido realizada pelo Conselho Superior de Magistratura uma sindicância ao Tribunal da Relação de Lisboa para averiguar em que termos as decisões foram tomadas, quem foi prejudicado pelas mesmas, e de que forma a situação poderia ser corrigida e os lesados indemnizados. Sem prejuízo da presunção de inocência, a que todos os arguidos têm direito, essa seria, a nosso ver, a melhor forma de corrigir e recuperar a imagem da nossa Justiça, tão afectada por esse caso. Na verdade, quando em qualquer serviço público se descobre irregularidades de funcionamento com esta gravidade, deve ser investigada a situação em toda a sua extensão e garantida a justa indemnização a quem tenha sido lesado. Ora, os Tribunais não podem constituir excepção neste domínio.

Infelizmente, no entanto, a única iniciativa que ocorreu em consequência da Operação Lex foi a aprovação pelo Parlamento da Lei 55/2021, de 13 de Agosto, que estabeleceu mecanismos de controlo da distribuição electrónica de processos judiciais, prevendo a presença de um representante da Ordem dos Advogados para assegurar o controlo dessa distribuição. A Ordem dos Advogados disponibilizou-se de imediato para assumir essa função, através da organização de um sistema de escalas de Advogados que assegurassem a sua presença em todas as distribuições de processos judiciais. Infelizmente, no entanto, o Governo recusou-se desde o primeiro momento a regulamentar essa lei, apesar de a lei prever um prazo de 30 dias para o efeito, inviabilizando assim a sua aplicação. Não sabemos, por isso, qual é hoje a fiabilidade da distribuição electrónica de processos e se não poderão continuar a ocorrer casos como aqueles que foram referidos na Operação Lex.

A corrupção é um crime muito grave, na medida em que desvia os poderes públicos dos seus deveres de actuar em defesa do interesse público, colocando-os ao serviço dos interesses particulares. Quando as suspeitas de corrupção atingem o poder político, é a própria democracia que é colocada em causa. Quando essas suspeitas atingem o poder judicial, a situação é, porém, ainda mais grave, uma vez que a realização da Justiça, enquanto valor fundamental do Estado, fica ameaçada. E essa situação mina totalmente a confiança dos cidadãos no Estado de Direito.

É por isso que um processo que envolveu suspeitas desta gravidade deveria ter desencadeado uma resposta muito mais eficaz por parte dos poderes públicos em ordem a que a confiança dos cidadãos fosse imediatamente restaurada. Infelizmente, no entanto, nenhumas consequências foram tiradas deste caso, pelo que permanece tudo por fazer nesta área, com graves prejuízos para a imagem da Justiça e para a confiança que nela devem ter os cidadãos.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

A decisão instrutória da Operação Lex


A única iniciativa que ocorreu em consequência da Operação Lex foi a aprovação pelo Parlamento da Lei 55/2021, de 13 de Agosto, que estabeleceu mecanismos de controlo da distribuição electrónica de processos judiciais, prevendo a presença de um representante da Ordem dos Advogados para assegurar o controlo dessa distribuição.


Foi notícia esta semana que o Supremo Tribunal de Justiça considerou existirem indícios suficientes para levar a julgamento todos os 17 acusados na Operação Lex, nos precisos termos da acusação formulada pelo Ministério Público. Segundo foi na altura noticiado, estão em causa nesse processo crimes de corrupção passiva e activa para acto ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documentos, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Este processo, pelas suspeitas de corrupção que envolvem magistrados de um dos mais importantes tribunais superiores do país, o Tribunal da Relação de Lisboa, teve repercussões muito graves para a imagem da nossa Justiça, mas infelizmente não foram tiradas pelos poderes públicos as devidas consequências do mesmo, por forma a garantir que a confiança dos cidadãos na justiça não fosse prejudicada.

Logo que esta situação foi revelada, e que abrangia suspeitas de manipulação o sorteio dos processos, defendemos que deveria ter sido realizada pelo Conselho Superior de Magistratura uma sindicância ao Tribunal da Relação de Lisboa para averiguar em que termos as decisões foram tomadas, quem foi prejudicado pelas mesmas, e de que forma a situação poderia ser corrigida e os lesados indemnizados. Sem prejuízo da presunção de inocência, a que todos os arguidos têm direito, essa seria, a nosso ver, a melhor forma de corrigir e recuperar a imagem da nossa Justiça, tão afectada por esse caso. Na verdade, quando em qualquer serviço público se descobre irregularidades de funcionamento com esta gravidade, deve ser investigada a situação em toda a sua extensão e garantida a justa indemnização a quem tenha sido lesado. Ora, os Tribunais não podem constituir excepção neste domínio.

Infelizmente, no entanto, a única iniciativa que ocorreu em consequência da Operação Lex foi a aprovação pelo Parlamento da Lei 55/2021, de 13 de Agosto, que estabeleceu mecanismos de controlo da distribuição electrónica de processos judiciais, prevendo a presença de um representante da Ordem dos Advogados para assegurar o controlo dessa distribuição. A Ordem dos Advogados disponibilizou-se de imediato para assumir essa função, através da organização de um sistema de escalas de Advogados que assegurassem a sua presença em todas as distribuições de processos judiciais. Infelizmente, no entanto, o Governo recusou-se desde o primeiro momento a regulamentar essa lei, apesar de a lei prever um prazo de 30 dias para o efeito, inviabilizando assim a sua aplicação. Não sabemos, por isso, qual é hoje a fiabilidade da distribuição electrónica de processos e se não poderão continuar a ocorrer casos como aqueles que foram referidos na Operação Lex.

A corrupção é um crime muito grave, na medida em que desvia os poderes públicos dos seus deveres de actuar em defesa do interesse público, colocando-os ao serviço dos interesses particulares. Quando as suspeitas de corrupção atingem o poder político, é a própria democracia que é colocada em causa. Quando essas suspeitas atingem o poder judicial, a situação é, porém, ainda mais grave, uma vez que a realização da Justiça, enquanto valor fundamental do Estado, fica ameaçada. E essa situação mina totalmente a confiança dos cidadãos no Estado de Direito.

É por isso que um processo que envolveu suspeitas desta gravidade deveria ter desencadeado uma resposta muito mais eficaz por parte dos poderes públicos em ordem a que a confiança dos cidadãos fosse imediatamente restaurada. Infelizmente, no entanto, nenhumas consequências foram tiradas deste caso, pelo que permanece tudo por fazer nesta área, com graves prejuízos para a imagem da Justiça e para a confiança que nela devem ter os cidadãos.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990