Qatar. Abriu a caça aos elefantes brancos

Qatar. Abriu a caça aos elefantes brancos


Há projetos de futuro para todos os estádios deste Mundial que não ficarão, como geralmente acontece, feitos monos numa sala de visitas. Um já está a ser desmanchado e vai para o Uruguai; o maior de todos, o Lusail, vai ser transformado num centro comercial e habitacional; todos os outros terão a sua capacidade reduzida…


AL-KHOR – Em Ras Abu Aboud a maquinaria já trabalha a todo o gás desde o momento em que o árbitro francês Clément Turpin apitou para o final do jogo entre Brasil e Coreia do Sul a contar para os oitavos de final deste Campeonato do Mundo. Não tarda, e no sítio onde se ergueu o mais o mais estrambótico de todos os estádios do Qatar, restará apenas um pedaço terraplanado que servirá para que aí cresçam os edifícios de uma zona habitacional com vista para o mar do Golfo. Entretanto, devidamente empacotados, numerados para que seja fácil saber qual o lugar exato de cada um, os pedaços do Estádio 974, o tal que era feito de contentores, viajarão através de África e do Atlântico para desembarcarem em Montevidéu, no Uruguai. E depois, reconstruído, retomará a sua função de receber jogos de futebol a mais de 13 mil quilómetros de distância.

Ao contrário do muito que se falou e se escreveu – e tanta, tanta asneira se falou e se escreveu sobre este Mundial, provando-se que muitos dos responsáveis por informar os seus ouvintes e leitores desembarcaram no Qatar carregados de ignorância e preconceitos – sobre a loucura de se construírem oito estádios novos e com capacidade para muitos milhares de espetadores num país com 11.571 hm2 e cerca de 2 900 milhões de habitantes, sublinhando-se o desperdício de dinheiro e a completa inutilidade dos recintos mal o torneio chegasse ao fim. Em primeiro lugar, há que dizer que já em 2023, a maioria destas novíssimas arenas servirá para receber a próxima edição da Taça da Ásia, pelo que não vão esgotar o seu prazo de validade de imediato. Em seguida houve sempre, da parte do Governo do Qatar e da organização da prova – constituiu-se uma empresa para-governamental que assumiu essas responsabilidades –, a convicção de que seria possível evitar um problema que se repete de cada vez que uma grande competição de futebol tem lugar, e está aí Portugal para o provar – não ficar com elefantes brancos no meio da sala de visitas. E, desta forma, há projetos em andamento.

 

O futuro Comecemos por Lusail e pelo maior estádio do Mundial, que tem lugar para 90 mil espetadores e receberá, no domingo, a final da competição. A sua transformação será radical. Deixará de ser um recinto desportivo para ver nascer, dentro da sua concha (tem a forma de um casco de dhow, os barcos típicos do Golfo), lojas, restaurantes, escolas, centros clínicos, enfim, um bairro inteiro com todo o tipo de facilidades que pos sa exigir. A ideia é ainda mais interessante se pensarmos que esta seria, definitivamente, a mais problemática de todas as estruturas, sobretudo por causa do seu gigantismo. Um pouco mais a norte de Lusail, em Al-Khor, onde me encontro à espera que se inicie o França-Marrocos, o Estádio de Al Bayt (60 mil lugares e tem forma de uma tenda beduína) terá um destino parecido: as bancadas serão retiradas e um hotel e um hospital vão nascer nas estruturas montadas. Nada foi, ao contrário do que se espalhou por aí como fogo em campo de palha seca, deixado ao acaso. Falei aqui de três dos estádios, mas há planos para todos os outros, embora, obviamente, haja aqueles que continuarão a cumprir o seu destino de campos de futebol. O Estádio da Cidade da Educação (45 mil lugares) vai ser reduzido em capacidade (20 mil apenas) e servirá de estádio universitário. O Al Thumama (45 mil), verá metade das bancadas serem retiradas para que surja uma unidade hoteleira e uma clínica de apoio ao seu futuro como edifício multidesportivo. O Khalifa, único que não foi construído de raiz – foi erguido em 1976 com o objetivo de passar a ser o estádio nacional, substituindo o velhinho Doha Stadium que, durante décadas, teve o privilégio de ser o único relvado do país –, continuará na sua função de grande recinto do futebol qatari, tal como o Ahmad Bin Ali, em Al Rayaan, que passará a ser a casa do Al-Rayaan Sports Club, um dos principais clubes do campeonato do Qatar, embora também vá ter a sua capacidade reduzida para cerca de 40 mil lugares. Acresce dizer que, no caso da remoção das bancadas, ela será feito igualmente em blocos reutilizáveis, e há duas empresas australianas interessadas na compra desses blocos de forma a revendê-los a clubes que pretendam aumentar o número de espetadores dos seus campos. Pela primeira vez a caça aos elefantes brancos parece ter sido aberta a tempo. E é, sem dúvida, um exemplo a seguir.