Triângulo da Tristeza. O sucesso de uma comédia nauseante

Triângulo da Tristeza. O sucesso de uma comédia nauseante


Com quatro prémios na cerimónia da Academia Europeia de Cinema, o filme do sueco Ruben Östlund está a afirmar-se como uma das melhores longas metragens do ano.


O grande vencedor dos prémios da Academia Europeia de Cinema foi a sátira do realizador sueco Ruben Östlund. Triângulo da Tristeza arrecadou o galardão de melhor filme, realizador, argumento e ator. Uma grande noite para uma longa-metragem que, apesar de ser aclamada pela crítica e fãs, levou algumas pessoas a abandonar a sala de cinema numa cena mais… sensível.

Na cerimónia, que teve lugar no sábado, em Reiquiavique, capital da Islândia, o filme de Östlund bateu a concorrência, que consistia em longas-metragens como Close, do realizador belga Lukas Dhont, Holy Spider, do dinamarquês Ali Abbasi, Alcarràs, da espanhola Carla Simón, e Corsage – Espírito Inquieto, da austríaca Marie Kreutzer.

Depois de Força Maior (2014), em que explorou a fragilidade masculina no seio de uma família que enfrenta uma avalanche durante umas férias nos Alpes franceses, tanto a sátira sobre o mundo da arte contemporânea, O Quadrado (2017) como o Triângulo da Tristeza acabaram por vencer a Palma de Ouro. Este último é também uma comédia sobre a vida de uma variada paleta de pessoas ricas, de diferentes gerações e contextos, que se juntam numa viagem de iate que não podia correr pior.

 

Uma comédia nauseante

O título Triângulo da Tristeza refere-se à zona do rosto onde se forma um “triângulo”, entre o nariz e as sobrancelhas – e onde muitos injetam botox, para que desapareça.

Quanto ao filme, divide-se em três partes. A primeira acompanha de forma mais direta Carl, interpretado por Harris Dickinson, um jovem modelo (podemos vê-lo numa hilariante sessão de casting onde, na sala de espera, é pedido aos modelos para imitar a inexpressiva cara de um modelo da Balenciaga e o sorriso que fariam numa campanha para a H&M), que tem de lidar com o facto de estar a envelhecer, apesar de ter apenas 24 anos, e da sua namorada, a influencer Yaya (Charlbi Dean, a atriz e modelo sul-africana que faleceu, aos 32 anos, em agosto deste ano) ter mais sucesso e dinheiro que ele, envolvendo-se numa tensa discussão sobre quem deveria pagar a conta do jantar.

Na segunda parte, o casal embarca num luxuoso iate, viagem oferecida a Yaya de forma a esta promovê-la no seu instagram. Encontramos aí uma colorida coleção de personagens, como Dimitry (Zlatko Burić, que venceu o Prémio de Melhor Ator da Academia Europeia de Cinema), um oligarca russo amante do capitalismo que criou a sua fortuna a vender estrume (“Sou o rei da merda”, anuncia ao jovem casal com orgulho) ou o capitão norte-americano e marxista do barco (Woody Harrelson).

Numa das cenas mais icónicas do filme, os passageiros do barco são convidados a jantar com o (embriagado) capitão, que insiste no banquete apesar das péssimas condições meteorológicas. Enquanto o barco balança devido à tempestade, os convidados começam a ficar enjoados – no entanto, a tripulação incentiva-os a continuarem a comer, explicando que o enjoo é apenas uma resposta ao facto de muitos estarem de “es`ômago vazio”.

Depois desta “má” decisão, os privilegiados convidados do iate chegam ao extremo da má disposição e, numa impressionante montagem levada a cabo pelo realizador Mikel Cee Karlsson, observamos os passageiros a vomitarem e a defecarem por todo o barco, uma cena que tanto teve de hilariante como de ofensivo, podendo ser possível observar em diversas sessões de cinema os espetadores a abandonarem a sala perante este espetáculo.

“Esta ideia surgiu quando estava a investigar sobre um cruzeiro de luxo”, disse Östlund numa entrevista à GQ. “Houve uma noite em que foi servido um buffet italiano enquanto o tempo ficava cada vez pior, o que fazia com que o barco estivesse a balouçar. As pessoas estavam cada vez mais silenciosas na sala de jantar e houve um momento em que se ouviu alguém a vomitar”, descreveu o realizador.

O sueco revelou que pretendia fazer esta cena de uma forma muito “precisa”, mas que também fosse o mais “exagerado” possível.

“Foi tão interessante ver como as pessoas reagiram. Elas diziam: ‘Tenho de sair’. Eu estava, claro, a comparar o que pretendia fazer com outras cenas de vómito da história do cinema e queria ir mais longe do que qualquer outro já havia feito”, explicou. “Todas as filmagens que ocorreram quando se tratava de vómitos aconteceram no estúdio. Construímos a sala de jantar numa tábua para que pudéssemos agitá-la. Passávamos oito horas por dia num set a balouçar. Parte da equipa de filmagem teve de tomar comprimidos para evitar ficar enjoada. Demorou quase meio ano para editar esta cena”, recordou.

Como se esta cena não fosse memorável o suficiente, a terceira parte do filme acontece depois do barco ser atacado por um grupo de piratas e alguns dos passageiros e membros da tripulação naufragarem numa ilha deserta, onde nos deparamos com a incapacidade para sobreviver em situações extremas entre os mais privilegiados e a capacidade para se desenrascar dos trabalhadores do barco, apoiado numa performance impressionante de Dolly de Leon, no papel de Abigail, que lhe está a valer um certo “burburinho” para uma possível nomeação para Óscar.

Além do sucesso de Triângulo da Tristeza nesta entrega de prémios da Academia Europeia de Cinema, o filme Fogo Fátuo, de João Pedro Rodrigues, foi um dos cinco finalistas do LUX – Prémio Europeu do Público para o Cinema, atribuído pelo Parlamento Europeu (PE) e pela Academia de Cinema Europeu.

Os filmes finalistas foram revelados durante o certame, com a longa-metragem portuguesa a contar com a concorrência de Alcarràs, Triângulo da tristeza, Close e Burning Days, de Emin Alpen.

É a primeira vez que foram nomeados cinco filmes finalistas a este galardão, que no ano passado foi atribuído a Quo vadis, Aida?, da realizadora bósnia Jasmila Zbanic.

O filme vencedor será anunciado a 14 de junho de 2023 no Parlamento Europeu, em Estrasburgo.

Nomeados para os Globos de Ouro Entretanto, numa altura em que a corrida aos prémios da indústria de cinema começa a aquecer, esta segunda-feira, saíram as nomeações para os Globos de Ouro, com o filme The Banshees of Inisherin do realizador londrino Martin McDonagh, protagonizado por Colin Farrell e Brendan Gleeson, a liderar as nomeações, estando na categoria de Melhor Filme, na categoria de Musical ou Comédia, Melhor Realização, Melhor Argumento de Cinema e Melhor Banda Sonora Original (para Carter Burwell).

Entre os melhores filmes de comédia ou musicais estão ainda o acima citado Triângulo de Tristeza, Babylon, de Damien Chazelle, Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, de Dan Kwan, e Glass Onion: A Knives Out Mystery, de Rian Johnson, enquanto na categoria de melhor filme dramático estão Avatar: O Caminho da Água, de James Cameron, Elvis, de Baz Luhrmann, Os Fabelmans,de Steven Spielberg, Tár, de Todd Field, e Top Gun: Maverick, de Joseph Kosinski.

Na televisão, a série mais nomeada foi Abbott Elementary, em cinco categorias, seguindo-se The Crown, Dahmer — Monster: The Jeffrey Dahmer Story e Only Murders in the Building, com quatro cada.