A Guerra dos Mundos


A espiral de aceleração tecnológica é uma das tendências com que podemos continuar a contar em 2023.


Embora o título se inspire no conhecido romance homónimo de Herbert George Wells esta não pretende ser uma crónica de ficção científica. Volto a uma preocupação que tem sido recorrente nesta coluna com as dicotomias e a fragmentação que magoam o mundo em que vivemos.

A espiral de aceleração tecnológica é uma das tendências com que podemos continuar a contar em 2023. No domínio digital os prognósticos sobre qual será a transformação mais disruptiva repartem-se entre a computação quântica, a robótica, a realidade aumentada e a realidade virtual. Todas são tecnologias que se interligam e são instrumentais por natureza. Está nas mãos da humanidade o sentido prevalecente na formação das dinâmicas que podem fazer delas uma ferramenta positiva na evolução sustentável e inclusiva da vida em sociedade ou uma alavanca negativa para continuar a cavar o fosso das desigualdades e da dissolução económica e social. 

Em particular, a nova vaga tecnológica no domínio da realidade virtual e aumentada, no designado metaverso, tem imensas potencialidades na criação de novos produtos e serviços, mas também pode amplificar em muito a dicotomia entre o mundo real e o mundo virtual em que habitam cada vez mais tribos radicalizadas, e muitas vezes manipuladas, para pôr em causa os valores universais das sociedades livres. 

No mundo tecno-virtual há grandes poderes que transcendem as fronteiras tradicionais dos sistemas sociopolíticos, mas o poder das massas, quando confluente, tem uma força que não pode nem deve ser ignorada. As dicotomias no mundo virtual precisam de ser cerzidas por redes embebidas de valores éticos e estratégias de desenvolvimento partilhado, se não quisermos assistir ao estilhaçar daquilo que nos tem trazido até aqui como espécie social e sociável. 

Para tornar o cenário ainda mais desafiante, a dicotomia entre o mundo dos que vivem sem o apoio das ferramentas tecnológicas e o mundo dos que sobrevivem por elas dominados e controlados, é agravada por outra fratura, a que podemos chamar ainda analógica, mas cada vez mais notória e influente. Os decisores, nos vários setores da sociedade e em particular na sua dimensão política, por pressão de tempo e vertigem comunicacional, são cada vez mais levados a decidir com base em informação a que acedem de forma indireta e têm cada vez menos disponibilidade para avaliar essas decisões mergulhando e vivenciando a realidade tal como ela é sentida e interpretada em concreto e no terreno pelos cidadãos em geral.

A falta de uma descodificação de proximidade, provoca fortes danos não apenas na confiança racional entre representantes e representados, como sobretudo na deterioração dos laços emocionais que são gerados pelo sentimento de pertença comum a um território, a um projeto, a uma partilha de espaços, de conversas, de histórias e de memórias.

Tal como a imersão no virtual deve ser feita indo deixando pelo caminho as marcas que permitem voltar a casa quando assim se desejar, também a imersão no real precisa das pequenas pedrinhas que largadas pelo caminho, permitem a quem decide não esquecer donde veio e para onde vai, sobretudo se tiver a responsabilidade e o mandato de representar e cuidar dos seus semelhantes. 

 

Eurodeputado do PS