“O senhor ministro tem o descaramento de dizer que estão apenas três urgências com problemas”

“O senhor ministro tem o descaramento de dizer que estão apenas três urgências com problemas”


“Ele vai reagindo às situações com afirmações de circunstância”, lamenta José Lourenço, da Comissão de Utentes da Saúde do Concelho do Seixal. 


Depois de as chefias dos Hospitais Garcia de Orta, Amadora-Sintra e do Divino Espírito Santo se terem demitido, o ministro da Saúde disse que “a situação dos serviços de urgência no nosso país é uma situação absolutamente crónica, não tem nada de novo”. Estas declarações não só caíram mal junto dos sindicatos dos médicos como revoltaram as comissões de utentes. Foi o caso da Comissão de Utentes da Saúde do Concelho do Seixal, representada por José Lourenço que, em declarações ao i, expressou aquilo que ele e os restantes companheiros de luta sentem.

“Temos contacto com o hospital. Já com a anterior administração tínhamos uma relação intensa e aberta. Sempre que era necessário reuníamos e falávamos. E parece que agora estamos também no bom caminho. Contactámos o Conselho de Administração no dia em que houve a reunião com os médicos e, depois, a Presidente do Conselho telefonou-me a dar uma justificação”, começa por afirmar. “Estamos satisfeitos porque há transparência”. 

“As situações que estão a aparecer são conjeturais: a consequência das medidas estruturais que deviam ter sido tomadas há muitos anos. Por exemplo, a tabela remuneratória dos profissionais de saúde está completamente desfasada das habilitações e exigimos que o Governo, de uma vez por todas, tome decisões que passam por se sentarem à mesa de forma séria com os Sindicatos e tenha abertura para negociar com os mesmos”, realça. Na quarta-feira, no Parlamento, Manuel Pizarro avançou: “Não me recordo de ano nenhum do meu exercício profissional como médico ou do meu exercício em funções políticas que não tenha havido dificuldades nas urgências no inverno”.

“Não nos parece, até agora, que algum português acredite que haja caprichos por parte dos profissionais de saúde e que estejam satisfeitos com aquilo que se passa. E prova disso é a saída do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para o privado e a emigração”, lembra José Lourenço, frisando, por outro lado, que a geração que formou o SNS e a escola pública está a reformar-se. “Por exemplo, temos cerca de 190 médicos e 60 vão reformar-se nos próximos três anos, no ACES Almada-Seixal. E a abrirem oito vagas por ano, que por vezes nem sequer são preenchidas…”, lamenta.

“Ele não pode refugiar-se em declarações avulsas” “Este ano houve 13 vagas abertas e foram todas preenchidas porque houve uma majoração. Estamos acima da média nacional em termos de utentes sem médico de família”, sublinha o responsável, acrescentando que “os tarefeiros saem muito mais caros e não têm a mesma qualidade interativa, digamos assim, dos profissionais que se conhecem, como equipa, e que conhecem os seus utentes”.

“E quando o senhor ministro diz que a situação é crónica… Incentiva às demissões, como o doutor Roque da Cunha disse anteriormente. O senhor ministro Manuel Pizarro tem o descaramento de dizer que estão apenas três urgências com problemas em 80 e tal que existem no país. É como dizer que se morreu uma pessoa em milhares está tudo bem. São justificações que não são aceitáveis”, considera. 

Há dois dias, o ministro reconheceu que fica “sempre infeliz e insatisfeito com todas as situações de insuficiência”, mas apontou que os problemas se resumem “a três ou quatro unidades hospitalares, nas quais estamos a trabalhar ativamente”.

“Ele não pode refugiar-se em declarações avulsas. Ele vai reagindo às situações com afirmações de circunstância e não há medidas estruturais e estruturantes para ultrapassar os problemas. Parece-nos que há uma intenção clara de não fazer nada e manter tudo igual”, lastima José Lourenço.

“Só podemos confiar no Executivo, mas a verdade é que a resolução dos problemas de um SNS que é de todos está nas mãos dos governantes e não nas nossas. Podemos lutar, mas eles têm de cumprir a Constituição: o privado é para quem pode, o SNS é para quem pode e não pode”, diz.

“Agora, sabe-se lá em que condições as pessoas pobres vão ao privado porque não conseguem ser atendidas no setor público. Há pessoas para as quais 50 ou 100 euros significa tirar comida da mesa. 25% da nossa população é pobre e outros 25% está no limiar da pobreza: não nos esqueçamos disto”.

E conclui com um aviso: “Se o caminho que a tutela pretende tomar for o do cumprimento da CRP e do fortalecimento do SNS, contará com a abnegada contribuição dos Utentes e o seu envolvimento para este bem comum. Se o caminho for outro, terá certamente, por parte dos Utentes, a mais intransigente oposição e de todos os que lutam diariamente pela dignificação e defesa do Serviço Nacional de Saúde”.