No dia 4 de dezembro de 1980 morreram, num “acidente” de aviação, o Primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro e o Ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, bem como as restantes pessoas que viajavam no Cessna 421, que tinha como destino a cidade do Porto.
O País ficou em choque. De uma só vez morriam de forma inesperada dois dos mais carismáticos políticos do pós-25 de abril. Não querendo secundarizar Adelino Amaro da Costa, antes pelo contrário, a morte de Sá Carneiro foi, por ser o líder do maior partido da coligação que compunha o Governo e um líder muito carismático, sentida de uma forma muito intensa pela generalidade dos portugueses.
Nos dias seguintes decorreram as cerimónias fúnebres onde marcaram presença milhares de portugueses e vários Chefes de Estado e de Governo de países amigos. Adelino Amaro da Costa foi sepultado numa pequena freguesia do concelho de Odemira e Francisco Sá Carneiro no cemitério do Alto de São João em Lisboa.
Iniciaram-se as investigações sobre as causas da queda do avião. Estranhamente a Polícia Judiciária divide a investigação em duas brigadas. Uma investigaria todos os acontecimentos desde a entrada dos tripulantes no aeroporto até à entrada no avião e uma outra desde a descolagem até à queda.
A primeiro facto curioso deste caso acontece quando o Inspetor Pedro Amaral, responsável pela segunda parte da investigação, entregou no dia 22 de dezembro de 1980, um relatório síntese ao seu superior hierárquico onde dá conta das diligências feitas até então e onde explana largamente a tese de acidente, não deixando de assinalar alguns factos que poderiam apontar para um atentado, nomeadamente, a existência de um “rasto” (detritos do avião e pertences dos tripulantes) ao longo da pista, onde curiosamente também foi encontrada a cabeça de uma granada.
Passado alguns dias, o Inspetor foi confrontado com o que tinha escrito pelo Subdiretor da PJ de então, sendo que o inspetor terá respondido que não retirava nem uma linha do que constava naquele relatório. Após uma longa discussão é-lhe retirado o caso.
Mais tarde, o Inspetor foi chamado a depor em diversas Comissões Parlamentares de Inquérito, onde teve oportunidade de referir, que a partir do momento em que lhe foi retirado o caso, o ambiente foi-lhe sempre hostil, e por isso, em 1984 pediu para ir em Comissão de Serviço para Macau – pedido aceite sem reservas. Não se compreende o porquê da PJ não querer investigar um possível atentado e de ter retirado a investigação a alguém que estava empenhado em fazê-lo.
Outro facto questionável nesta tragédia é a morte, em 1983, do Engenheiro José Moreira e da sua companheira. José Moreira era amigo de Adelino Amaro da Costa e tinha colocado o seu avião ao serviço da campanha do General Soares Carneiro e após a tragédia de Camarate, contratou detetives privados para investigar o caso. A morte de José Moreira acontece uns dias antes deste ir ao Parlamento depor numa das Comissões Parlamentares de Inquérito e de ter feito declarações públicas onde afirmou que iria dizer tudo o que sabia sobre o caso de Camarate.
Os corpos são encontrados sem sinais de violência. A PJ foi chamada ao local e após várias diligências e de ter acesso à autopsia concluiu que a morte de ambos foi causada por inalação de monóxido de carbono, produto de má queima de um esquentador.
Foram muitas as pessoas que se questionaram sobre as circunstâncias destas mortes, era demasiada coincidência, duas pessoas morrem em simultâneo por inalação de monóxido de carbono. De frisar que esta causa de morte era, nos anos 80, muito frequente, mas as circunstâncias não eram semelhantes.
Perante tantas questões e dúvidas, a X Comissão Parlamentar de Inquérito solicitou ao Instituto de Medicina Legal a reapreciação da documentação e de todo o material da autopsia e espante-se, os novos factos apontam para mão criminosa nas mortes.
Descobriu-se que os dois cadáveres tinham ruturas nos alvéolos pulmonares – facto que na maioria das vezes acontece em situações muito específicas (afogamento, enforcamento ou injeção mecânica de ar pelas vias respiratórias). Tendo em conta as circunstâncias em que os corpos se encontravam, prevalece a teoria de que tinha havido intervenção de terceiros e não de forma acidental, estávamos perante mais um crime. Fica a interrogação, porque é que o Eng. José Moreira foi morto dias antes de ir depor. Nunca saberemos, permanecerá para sempre a dúvida.
Os factos relatados pela Comissão Interdisciplinar de Peritos, que foi designada pela VIII Comissão Parlamentar de Inquérito, composta por pessoas sem qualquer ligação partidária, todas elas com um excelente curriculum e especialistas em diversas áreas do saber, esclarecem as dúvidas – Camarate não foi um acidente.
No relatório final, de 2004, a referida Comissão concluiu que houve uma explosão a bordo, provocada por causas exteriores ao avião, não há dúvida de que foi colocado um engenho explosivo, tendo este causado o desgoverno da aeronave, levando à sua queda. As dúvidas acabavam. O que aconteceu em Camarate foi um crime político, resta apenas saber se o alvo era Sá Carneiro e se Adelino Amaro da Costa foi um dano colateral ou vice-versa.
Quatro décadas depois, Francisco Sá Carneiro, continua presente na política portuguesa, não só pelo seu pensamento político, mas também pelas suas célebres frases, esta é a minha favorita – “A política sem risco é uma chatice, mas sem ética é uma vergonha”, hoje, corremos pouco risco e a ética, essa já há muito que não existe.