DOHA – Estive a ler durante muito tempo e adormeci bem para lá da hora em que o muezzin cantou a primeira das orações. No segundo dia ainda reclamei com o meu caseiro, Atef Hedli, o homem que me alugou o apartamento onde vivo, no bairro de Meshreib, para me pôr no quarto a televisão que tinha prometido.
Ele é um bocado lento. E teimoso. Talvez lhe corra nas veias sangue de camelo. Mas também é simpático e diz que sim a tudo. Entretanto, agora é ele que me liga a perguntar quando quero que traga o aparelho e eu a responder-lhe que já não quero. Senti-o confuso na última conversa que tivemos. Mas, vendo bem, para que quero eu o diabo da pantalha? Vejo os jogos nas salas de imprensa ou ao vivo, e já marquei presença em 15 partidas o que é futebol que bonda.
Recordo-me que, da última vez que cá estive, a programação televisiva não era entusiasmante se exceptuarmos a Al Jazeera que é assim como a CNN, a autêntica, mas para melhor. Além disso, vim carregado com livros e estou decidido a lê-los, todos os doze que trouxe. Quatro já foram e ainda só estamos no dia 1. Vou a bom ritmo.
Às tantas ainda terei de comprar um ou dois para compor o fim do mês. Geralmente a televisão não me deixar dormir por causa do meu oponível polegar direito. Eu explico, eu explico! Estou com o comando à mão de semear (a direita) e de cada vez que as pálpebras começam a ficar pesadas o polegar tem tendência para carregar num botão que muda o canal.
O novo programa que surge à minha frente desperta-me nem que seja por uns minutos. E assim sucessivamente. Nada como estar sem televisão se a vontade é ler. E como não se pode escrever sem se ler, o refrescar nocturno de vocabulário sabe-me a tâmaras, que aqui não há ginjas. Adormeço com o sol já no céu e saio de casa pelas quatro e meia da tarde, ou seja, já noite. Gosto da noite mas isto é um exagero. Passam-se dias inteiros em que não vejo o sol e o sol faz-me mais falta do que uma cerveja bem tirada. A escuridão pesa-me. Fico com um sentimento de culpa, como se tivesse a conta da luz da vida ainda por pagar.