Para mim o golo é do puto!


DOHA – São duas e tal da manhã e mantenho-me naturalmente desperto. Desenrolo no nervo ótico a fita do primeiro golo de Portugal em Lusail. Cada vez vejo pior ao perto, mas ao longe vejo com uma nitidez até incomodativa.


DOHA – São duas e tal da manhã e mantenho-me naturalmente desperto. Desenrolo no nervo ótico a fita do primeiro golo de Portugal em Lusail. Cada vez vejo pior ao perto, mas ao longe vejo com uma nitidez até incomodativa. Na lufa-lufa do jornal a fechar e a seguir para a máquina estive à conversa com Lisboa, afinal são os meus queridos Francisco Alves e João Sena que suportam o trabalho que vou fazendo aqui, no arame, eles confirmaram-me que o golo era do Bruno Fernandes, a FIFA também fez a mesmíssima leitura, era o que faltava não confiar nos companheiros que me carregam às costas durante este tempo todo de Mundial! Fizemos a retificação, excluiu-se o Ronaldo como marcador e ficou o bis do Bruno, siga a marinha que hoje e amanhã e depois de amanhã e até dia 19 de Dezembro há páginas para encher com tudo o que se passa aqui no Qatar. Mas confesso que adormeci com esta convicção: “O golo é do puto!” E mandei mesmo mensagem ao meu mano António Gaspar, lá envolto no quotidiano da seleção, com ele a suportar a minha opinião. Não levem a mal esta do puto que ele também não. Conheço o Ronaldo desde menino, era o assessor de imprensa quando ele surgiu nos convocados de Scolari, estive a seu lado e de todos aqueles nossos irmãos com quem vivemos juntos as irrepetíveis sensações de 2004 e 2006, ele chorou soluçante no meu ombro depois da maldita derrota da Luz, frente à Grécia, pude dizer-lhe, à laia de consolo: “Ainda tens tudo a ganhar, no futebol e na vida!” Por isso ele sabe o carinho que nutro por ele, para alguns de nós ficou o puto, era um puto nessa altura, olho sempre para ele como um rapazinho inquieto, insatisfeito, com uma pressa inconfundível no olhar. Fico a saber que a FIFA vai ter um grupo de técnicos a ver o lance, confirmar se ele tocou na bola ou não, se finalmente, ao fim de cinco Mundiais, atingiu os nove golos de Eusébio em Inglaterra, em 1966, com a camisola de Portugal. Por mim, tirei-lhe ontem o golo, pouco convicto. Decida-se o que se decidir, devolvo-lho hoje pela manhã. O golo é dele. Fica aqui entregue com um abraço de quase vinte anos. Irra! Como cresceste!