Na ribalta do mundial, os portugueses Ferreira de Castro (1898-1974) , e António Carreira, falecido nos anos de 1990, o argentino Jorge Luís Borges (1899-1986) e o norte-americano Clint Eastwood (hoje com 92 anos) , são os grandes ausentes simbólicos. De braços feitos ao trabalho consta a vibração ética da obra de Ferreira de Castro, coroada justamente, com A Epopeia do Trabalho, livro ilustrado com desenhos de Roberto Nobre e editado pela remota livraria Renascença-J.Cardoso, numa Lisboa que dispensava polícias e semáforos. No Qatar, a construção dos estádios remete-nos para a infinita plangência das companhias pombalinas de navegação, comércio e tráfico de escravos entre a costa africana e o nordeste brasileiro, que um dos grande ausentes na tribuna do mundial, António Carreira, ousou dissecar em Bissau nos anos de 1960. Porque a “polémica” gerada pelo mundial-2022 se centra na monstruosidade, na contradição e também na hipocrisia – a escravatura desfralda bandeiras lá onde Manuel da Fonseca no Alentejo, García Lorca na vizinha Andaluzia, e Graciliano Ramos nos sertões brasileiros, moldaram em prosa e verso os seus testemunhos – inevitável se torna a co-integração crítica de Borges, o das pampas argentinas, que escreveu a memorável História Universal da Infâmia. O que de facto evidenciam os dados expostos sobre a mesa do descaminho dos direitos no Qatar como na Arábia Saudita, é a mundialização liberticida dos esvaziamentos calculados. Se o jogo da bola inspira um conclave mundial, o areópago agendaria o debate proposto pelo francês Max Derruau, especialista em nosografia – a classificação das enfermidades e sua distribuição metódica por classes, ordens, géneros e espécies. E Clint Eastwood, o realizador de A Bandeira dos Nossos Pais (Guerra do Japão), instruiria agora, no Qatar-2022, os norte-americanos que tacham de curiosice a retumbante vitória dos samurais sobre o poderoso esquadrão germânico.
*Jornalista. Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990