As redes de tráfico humano em Portugal


Portugal não pode ser notícia no estrangeiro pelas piores razões, tendo os direitos humanos dos migrantes que ser adequadamente defendidos por todas as nossas instituições.


Foi notícia nos últimos dias a realização de uma mega-operação policial em Portugal para desmantelamento de uma rede criminosa que se dedicava ao tráfico de seres humanos. Em consequência da mesma foram detidas trinta e cinco pessoas por indícios de crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. A informação é a de que essa rede atraía trabalhadores estrangeiros de países como a Roménia, Moldávia, Marrocos, Argélia, Senegal, Índia ou Paquistão para trabalharem em explorações agrícolas no Baixo Alentejo, prometendo-lhes bons salários, casa e condições de trabalho dignas. Esses migrantes vinham assim ao nosso país, seduzidos pela promessa de uma vida melhor, mas acabavam por trabalhar em condições próximas da escravidão.

Infelizmente esta notícia não surpreende, uma vez que esta realidade é de há muito conhecida e tem sido até potenciada por falta de controlo dos fluxos migratórios e das condições de trabalho nas explorações agrícolas. 

Na verdade determinou-se precipitadamente a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras sem assegurar a sua substituição por uma estrutura adequada. E neste momento o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras encontra-se totalmente inoperacional, sendo que as vagas para atendimento desaparecem logo que são criadas, o que torna praticamente impossível aos imigrantes obter a legalização da sua situação, sendo altamente dificultado o trabalho dos Advogados que lhes dão apoio. Um país que deixa totalmente inoperacional o serviço público que deveria cuidar da imigração legal potencia naturalmente o surgimento de redes de imigração ilegal.

Falta, para além disso, um controlo adequado das condições de trabalho nas explorações agrícolas, sendo que o próprio Estado tem favorecido essa situação. Através da Resolução do Conselho de Ministros 179/2019, de 24 de Outubro, foi criado um regime especial de instalações de alojamento aplicável ao Aproveitamento Hidroagrícola do Mira, que permite durante dez anos a instalação dos trabalhadores agrícolas em unidades de alojamento temporárias, com uma lotação de 16 pessoas em cada unidade de alojamento, e tendo cada trabalhador apenas uma área de referência de 3,43 m2 no dormitório. Por outro lado, existe uma absoluta escassez de inspectores da Autoridade para as Condições de Trabalho no Baixo Alentejo, o que naturalmente leva a que as empresas infractoras acreditem que nunca irão ser fiscalizadas, por muito más condições de trabalho que possuam nas suas explorações.

A Ordem dos Advogados, através da sua Comissão de Direitos Humanos, encontra-se a acompanhar desde há muito estas situações, procurando assegurar que as vítimas destas redes criminosas disponham de apoio jurídico eficaz, incluindo para poderem ser adequadamente indemnizadas. Aquando do afluxo de refugiados de guerra ucranianos ao nosso país, avisámos do enorme risco de esses refugiados poderem ser explorados por redes de tráfico de seres humanos e criámos uma estrutura de Advogados que se voluntariou para prestar apoio jurídico pro bono aos cidadãos ucranianos chegados ao nosso país. Recentemente, perante a emergência social criada pelo enorme fluxo migratório de cidadãos timorenses para Portugal, igualmente vítimas de redes de tráfico humano, muitos dos quais a viver na rua, reunimos com a Embaixadora de Timor-Leste para a CPLP, em ordem a poder dar todo o apoio de que estes cidadãos carecem. 

É necessário que o Estado Português adopte uma política rigorosa de combate às redes de tráfico humano, não apenas repressiva mas também preventiva, mas para isso as suas instituições têm que funcionar de forma adequada. É essencial termos uma imigração legal e uma fiscalização adequada das condições de trabalho dos estrangeiros no nosso país. Portugal não pode ser notícia no estrangeiro pelas piores razões, tendo os direitos humanos dos migrantes que ser adequadamente defendidos por todas as nossas instituições.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

As redes de tráfico humano em Portugal


Portugal não pode ser notícia no estrangeiro pelas piores razões, tendo os direitos humanos dos migrantes que ser adequadamente defendidos por todas as nossas instituições.


Foi notícia nos últimos dias a realização de uma mega-operação policial em Portugal para desmantelamento de uma rede criminosa que se dedicava ao tráfico de seres humanos. Em consequência da mesma foram detidas trinta e cinco pessoas por indícios de crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. A informação é a de que essa rede atraía trabalhadores estrangeiros de países como a Roménia, Moldávia, Marrocos, Argélia, Senegal, Índia ou Paquistão para trabalharem em explorações agrícolas no Baixo Alentejo, prometendo-lhes bons salários, casa e condições de trabalho dignas. Esses migrantes vinham assim ao nosso país, seduzidos pela promessa de uma vida melhor, mas acabavam por trabalhar em condições próximas da escravidão.

Infelizmente esta notícia não surpreende, uma vez que esta realidade é de há muito conhecida e tem sido até potenciada por falta de controlo dos fluxos migratórios e das condições de trabalho nas explorações agrícolas. 

Na verdade determinou-se precipitadamente a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras sem assegurar a sua substituição por uma estrutura adequada. E neste momento o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras encontra-se totalmente inoperacional, sendo que as vagas para atendimento desaparecem logo que são criadas, o que torna praticamente impossível aos imigrantes obter a legalização da sua situação, sendo altamente dificultado o trabalho dos Advogados que lhes dão apoio. Um país que deixa totalmente inoperacional o serviço público que deveria cuidar da imigração legal potencia naturalmente o surgimento de redes de imigração ilegal.

Falta, para além disso, um controlo adequado das condições de trabalho nas explorações agrícolas, sendo que o próprio Estado tem favorecido essa situação. Através da Resolução do Conselho de Ministros 179/2019, de 24 de Outubro, foi criado um regime especial de instalações de alojamento aplicável ao Aproveitamento Hidroagrícola do Mira, que permite durante dez anos a instalação dos trabalhadores agrícolas em unidades de alojamento temporárias, com uma lotação de 16 pessoas em cada unidade de alojamento, e tendo cada trabalhador apenas uma área de referência de 3,43 m2 no dormitório. Por outro lado, existe uma absoluta escassez de inspectores da Autoridade para as Condições de Trabalho no Baixo Alentejo, o que naturalmente leva a que as empresas infractoras acreditem que nunca irão ser fiscalizadas, por muito más condições de trabalho que possuam nas suas explorações.

A Ordem dos Advogados, através da sua Comissão de Direitos Humanos, encontra-se a acompanhar desde há muito estas situações, procurando assegurar que as vítimas destas redes criminosas disponham de apoio jurídico eficaz, incluindo para poderem ser adequadamente indemnizadas. Aquando do afluxo de refugiados de guerra ucranianos ao nosso país, avisámos do enorme risco de esses refugiados poderem ser explorados por redes de tráfico de seres humanos e criámos uma estrutura de Advogados que se voluntariou para prestar apoio jurídico pro bono aos cidadãos ucranianos chegados ao nosso país. Recentemente, perante a emergência social criada pelo enorme fluxo migratório de cidadãos timorenses para Portugal, igualmente vítimas de redes de tráfico humano, muitos dos quais a viver na rua, reunimos com a Embaixadora de Timor-Leste para a CPLP, em ordem a poder dar todo o apoio de que estes cidadãos carecem. 

É necessário que o Estado Português adopte uma política rigorosa de combate às redes de tráfico humano, não apenas repressiva mas também preventiva, mas para isso as suas instituições têm que funcionar de forma adequada. É essencial termos uma imigração legal e uma fiscalização adequada das condições de trabalho dos estrangeiros no nosso país. Portugal não pode ser notícia no estrangeiro pelas piores razões, tendo os direitos humanos dos migrantes que ser adequadamente defendidos por todas as nossas instituições.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990