Jejua o preto


Eu não tenho orgulho em não almoçar. Só não me calha. Também agradeço que não me convidem: é como se me puxassem por um braço. Não almoço porque gosto de trabalhar em jejum. Se trabalhar à noite, não janto.


DOHA – Calma lá! Nesta história, o preto sou eu. Não se ponham com coisas. É um suponhamos. Como “jejuar o preto” é um aforismo. Esta minha recente versão muçulmana de mim que anda a fazer testes aqui pelas Arábias tem jejuado mais do que é costume. Quero dizer, eu jejuo muito por hábito. Em princípio não almoço. Um amigo de outros tempos, muito género papa-tachos, que andava sempre a ser convidado para tudo e mais alguma coisa e não olhava a cores nem a feitios (quase chegou a ministro), explicou-me uma vez o motivo porque nunca me convidavam, a mim, para nada: “Sabes qual é o teu problema? Tu não almoças…” Pois. Tinha toda a razão. Continuo a não almoçar – às vezes, ao domingo, com o Fernando e com a Dália, no Porto Santana, em Alcácer, lá para as três da tarde, – e a não ser convidado. Havia um personagem do divino Eça, do qual, agora assim, de repente, não me recordo o nome, que exclamava com orgulho: “Eu cá não lhes vou às ceias!” Eu não tenho orgulho em não almoçar. Só não me calha. Também agradeço que não me convidem: é como se me puxassem por um braço. Não almoço porque gosto de trabalhar em jejum. Se trabalhar à noite, não janto. Gosto muito de jejuar, mas aqui tenho jejuado por falta de pachorra e por preguiça. Quando volto para casa, pela uma e meia da manhã, geralmente, os dois restaurantes da minha rua até têm umas luzes chamativas. Mas, enfim, não me tem apetecido e jejuo. Além de gostar de jejuar, gosto do verbo jejuar. Eu jejuo, tu jejuas… Ah! Verbozinho catita! Os brasileiros, que são mais malandros do que nós, até a brincar com a língua que lhes demos, em vez de pequeno-almoço dizem desjejum. Outra palavra com piada. Estou a imaginar o Maomé a vir lá da montanha, ou talvez depois de a montanha ter ido a ele, a aplicar o imperativo negativo perante os seu fiéis seguidores: “Atenção! Esta semana, ordeno que não jejuais, vós!” Digo o Maomé só porque aqui faz um certo sentido e jejuar, têm Ramadão e tudo, é o período em que ficam sem comer do nascer ao pôr-do-sol. Vendo bem, é como eu, por agora. O Ramadão não tem data certa mas querem ver que entrei no meu Ramadão?

É quase certo. Mas amanhã como qualquer coisa.

Jejua o preto


Eu não tenho orgulho em não almoçar. Só não me calha. Também agradeço que não me convidem: é como se me puxassem por um braço. Não almoço porque gosto de trabalhar em jejum. Se trabalhar à noite, não janto.


DOHA – Calma lá! Nesta história, o preto sou eu. Não se ponham com coisas. É um suponhamos. Como “jejuar o preto” é um aforismo. Esta minha recente versão muçulmana de mim que anda a fazer testes aqui pelas Arábias tem jejuado mais do que é costume. Quero dizer, eu jejuo muito por hábito. Em princípio não almoço. Um amigo de outros tempos, muito género papa-tachos, que andava sempre a ser convidado para tudo e mais alguma coisa e não olhava a cores nem a feitios (quase chegou a ministro), explicou-me uma vez o motivo porque nunca me convidavam, a mim, para nada: “Sabes qual é o teu problema? Tu não almoças…” Pois. Tinha toda a razão. Continuo a não almoçar – às vezes, ao domingo, com o Fernando e com a Dália, no Porto Santana, em Alcácer, lá para as três da tarde, – e a não ser convidado. Havia um personagem do divino Eça, do qual, agora assim, de repente, não me recordo o nome, que exclamava com orgulho: “Eu cá não lhes vou às ceias!” Eu não tenho orgulho em não almoçar. Só não me calha. Também agradeço que não me convidem: é como se me puxassem por um braço. Não almoço porque gosto de trabalhar em jejum. Se trabalhar à noite, não janto. Gosto muito de jejuar, mas aqui tenho jejuado por falta de pachorra e por preguiça. Quando volto para casa, pela uma e meia da manhã, geralmente, os dois restaurantes da minha rua até têm umas luzes chamativas. Mas, enfim, não me tem apetecido e jejuo. Além de gostar de jejuar, gosto do verbo jejuar. Eu jejuo, tu jejuas… Ah! Verbozinho catita! Os brasileiros, que são mais malandros do que nós, até a brincar com a língua que lhes demos, em vez de pequeno-almoço dizem desjejum. Outra palavra com piada. Estou a imaginar o Maomé a vir lá da montanha, ou talvez depois de a montanha ter ido a ele, a aplicar o imperativo negativo perante os seu fiéis seguidores: “Atenção! Esta semana, ordeno que não jejuais, vós!” Digo o Maomé só porque aqui faz um certo sentido e jejuar, têm Ramadão e tudo, é o período em que ficam sem comer do nascer ao pôr-do-sol. Vendo bem, é como eu, por agora. O Ramadão não tem data certa mas querem ver que entrei no meu Ramadão?

É quase certo. Mas amanhã como qualquer coisa.