Geopolítica do clima


A descarbonização da economia tem de fazer sentido, já hoje, para a carteira dos cidadãos, para o balanço das empresas e para a balança de transacções correntes dos Estados.


Na luta permanente pela atenção dos humanos o tema “clima” surge na comunicação social no capítulo das desgraças e tragédias (incêndios florestais, inundações, secas, fomes, migrações em massa,…) e dos faits divers (manifestações com colagens humanas, banhos de sopa Campbell dados a pinturas célebres, jovens adultos que fecham escolas,…). Uma vez por ano acrescem à agenda mediática os rituais discursivos da Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, UNFCCC-COP no acrónimo anglo-saxónico, COP para os iniciados. A COP é um circo com mais de 40 000 actores que assenta arraiais durante três semanas por ano, estando em digressão durante as restantes semanas, em actividades preparatórias e pós-operatórias. Almas desapiedadas calcularam a pegada ecológica do circo e dos respectivos artistas mas o espectáculo continua em cartaz.

A par do circo há a política, com os interesses dos Estados a conduzirem a estranhas alianças. A União Europeia, campeã mundial em título (e em custos para os seus cidadãos menos abonados e para uma indústria moribunda) do combate às alterações climáticas juntou-se em 2015 à China (o maior emissor mundial de gases com efeito de estufa) para dar à luz o Acordo de Paris. Os pobres do mundo, que são maioria, acreditaram na promessa de 100 000 milhões de dólares por ano (novos, ou seja adicionais em relação aos donativos existentes), dados pelos ricos, para actividades de mitigação dos e adaptação aos efeitos das alterações climáticas. A mitigação implica redução de emissões, o que se consegue com modificação das tecnologias empregues para produzir energia, começando pela redução dos combustíveis fósseis mais poluentes (carvão, diesel pesado) e aumentando a produção e o consumo de energias renováveis. A mudança para as novas tecnologias seria em grande medida financiada pelos doadores que, generosos, forneceriam as tecnologias. Por esta razão os candidatos a doadores incluiriam não só os países ocidentais mas também a China que se tornou o maior exportador mundial de painéis fotovoltaicos e está a ganhar posições nos aerogeradores.

Ainda antes do Covid os signatários do Acordo de Paris faltaram ao compromisso e os donativos ficaram muito aquém dos prometidos 100 000 milhões, ao mesmo tempo que se reciclavam prendas antigas e se juntavam à contabilidade das prendas vindas de Paris os financiamentos do sector privado e os empréstimos concedidos pelas Instituições Financeiras Internacionais.

Os Estados mais ameaçados pelas alterações climáticas, com destaque para aqueles que já sofrem os efeitos da subida das águas do mar, decidiram apostar na reivindicação da compensação para as perdas e danos, presentes e futuros, separando-a do financiamento das medidas de adaptação aos efeitos das alterações climáticas. Com esta proposta os “mais pobres” cativaram a atenção dos “ex-pobres” (a China e, num futuro próximo, a Índia) interessados em não terem de pagar pelas causas pretéritas (desde a I revolução industrial) das desgraças climáticas presentes.

A COP 27 que terminou na semana passada decidiu criar um novo fundo para compensar as perdas e danos. Por decidir ficaram o montante do capital, a chave de repartição das contribuições, os critérios de alocação das verbas e a eventual condicionalidade (no que é que se gastará o dinheiro?). Há quem, sem se rir e também sem chorar, considere que este foi o melhor resultado do circo montado em Sharm El-Sheikh.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

Geopolítica do clima


A descarbonização da economia tem de fazer sentido, já hoje, para a carteira dos cidadãos, para o balanço das empresas e para a balança de transacções correntes dos Estados.


Na luta permanente pela atenção dos humanos o tema “clima” surge na comunicação social no capítulo das desgraças e tragédias (incêndios florestais, inundações, secas, fomes, migrações em massa,…) e dos faits divers (manifestações com colagens humanas, banhos de sopa Campbell dados a pinturas célebres, jovens adultos que fecham escolas,…). Uma vez por ano acrescem à agenda mediática os rituais discursivos da Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, UNFCCC-COP no acrónimo anglo-saxónico, COP para os iniciados. A COP é um circo com mais de 40 000 actores que assenta arraiais durante três semanas por ano, estando em digressão durante as restantes semanas, em actividades preparatórias e pós-operatórias. Almas desapiedadas calcularam a pegada ecológica do circo e dos respectivos artistas mas o espectáculo continua em cartaz.

A par do circo há a política, com os interesses dos Estados a conduzirem a estranhas alianças. A União Europeia, campeã mundial em título (e em custos para os seus cidadãos menos abonados e para uma indústria moribunda) do combate às alterações climáticas juntou-se em 2015 à China (o maior emissor mundial de gases com efeito de estufa) para dar à luz o Acordo de Paris. Os pobres do mundo, que são maioria, acreditaram na promessa de 100 000 milhões de dólares por ano (novos, ou seja adicionais em relação aos donativos existentes), dados pelos ricos, para actividades de mitigação dos e adaptação aos efeitos das alterações climáticas. A mitigação implica redução de emissões, o que se consegue com modificação das tecnologias empregues para produzir energia, começando pela redução dos combustíveis fósseis mais poluentes (carvão, diesel pesado) e aumentando a produção e o consumo de energias renováveis. A mudança para as novas tecnologias seria em grande medida financiada pelos doadores que, generosos, forneceriam as tecnologias. Por esta razão os candidatos a doadores incluiriam não só os países ocidentais mas também a China que se tornou o maior exportador mundial de painéis fotovoltaicos e está a ganhar posições nos aerogeradores.

Ainda antes do Covid os signatários do Acordo de Paris faltaram ao compromisso e os donativos ficaram muito aquém dos prometidos 100 000 milhões, ao mesmo tempo que se reciclavam prendas antigas e se juntavam à contabilidade das prendas vindas de Paris os financiamentos do sector privado e os empréstimos concedidos pelas Instituições Financeiras Internacionais.

Os Estados mais ameaçados pelas alterações climáticas, com destaque para aqueles que já sofrem os efeitos da subida das águas do mar, decidiram apostar na reivindicação da compensação para as perdas e danos, presentes e futuros, separando-a do financiamento das medidas de adaptação aos efeitos das alterações climáticas. Com esta proposta os “mais pobres” cativaram a atenção dos “ex-pobres” (a China e, num futuro próximo, a Índia) interessados em não terem de pagar pelas causas pretéritas (desde a I revolução industrial) das desgraças climáticas presentes.

A COP 27 que terminou na semana passada decidiu criar um novo fundo para compensar as perdas e danos. Por decidir ficaram o montante do capital, a chave de repartição das contribuições, os critérios de alocação das verbas e a eventual condicionalidade (no que é que se gastará o dinheiro?). Há quem, sem se rir e também sem chorar, considere que este foi o melhor resultado do circo montado em Sharm El-Sheikh.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990