Espanha. O touro branco entrou morto na arena

Espanha. O touro branco entrou morto na arena


Poucas vezes será possível assistir a algo como se viu na noite de ontem no Espanha-Costa Rica: depois de três golos marcados de dez em dez minutos terem posto os espanhóis à beira de uma goleada histórica, o público distraiu-se do jogo, caiu no desinteresse e até se podiam ouvir conversas misturadas.


DOHA – Vou cumprindo como um mantra: saio de casa, meto-me no metropolitano – já não me lembrava de andar assim de metro desde há 20 anos quando, com o meu irmão José Vidal, em Seul, no Mundial 2002, íamos do hotel para o centro da cidade passando para tomar o pequeno-almoço num café que tinha croissants que pareciam acabados de chegar de Paris –, dirijo-me aos estádios, passo pela zona de imprensa para escrever umas linhas, sento-me no meu lugar da bancada e vou descrevendo os jogos que se desenrolam à minha frente, neste caso um Espanha-Costa Rica que foi espicaçado pela surpreendente derrota da Alemanha, uma hora antes, perante o Japão (1-2), o que promete algo de especial para o Espanha-Alemanha que vem já aí a seguir, no próximo domingo, no longínquo Al Bayat (40 km, sem paragens pelo caminho). Prometo lá estar!

A Costa Rica é um país lindíssimo de florestas e de praias, perfurado a vulcões, quase todos fumegantes, mas o seu futebol não tem história, ou pelo menos é um bocado como dizia o Eça quando lhe pediram uma biografia: “É igual à da República de Andorra”. Ou seja, não existe.

No Estádio Al Thumama fez questão de não existir logo desde o primeiro minuto, de tal ordem que, quando Dani Olmo fez o 1-0, aos 11m, podemos afirmar que já veio tarde. Sabemos como a velha Fúria, primeiro cognome dado à seleção espanhola pela forma como enfrentava os seus adversários, passou Mundiais atrás de Mundiais a prometer muito e a cumprir zero. Depois, trocou de estilo. Passou a ser menos touro e mais toureiro. Deixou de marrar a direito contra o que lhe aparecia pela frente para se dedicar a chicuelinas e manoletinas, rabiando adversários até ao momento elegante de, com a sua espada de aço de Toledo, os golpear fatalmente no cachaço com um gesto próprio de Dominguín. Foi exatamente assim que apareceu o 2-0, por Asensio, dez minutos depois. Perceberia logo qualquer saloio que El Matador não estava ali para brincadeiras embora as movimentações contínuas e os pormenores técnicos e dançantes de Ferrán Torres, Gavi, Olmo, Pedri e Asensio – com Busquet no seu papel impassível de metrónomo – fossem francamente divertidas para todos os que iam assistindo ao bailado, exceptuando, naturalmente, umas centenas de costa-riquenhos que também não devem ter vindo para este torneio carregados de expectativas. Depois do 3-0, num penálti convertido por Ferrán Torres (31m) – a Espanha parecia fazer questão de ir marcando de dez em dez minutos – a única expectativa de toda a gente sem excepção – embora os latino-americanos tenham fama de otimistas – era a de saber até onde iria o exagero da ‘fiesta’. A coisa chegou ao ponto de estarmos no centro do silêncio. Ou quase. Quero dizer, ouvia-se o som de conversas misturadas, um ou outro som de buzina, mas nem cantos nem gritos nas bancadas. Poucas vezes assisti a um jogo tão calado, talvez só na Índia, mas noutros tempos… Nem do lado dos espetadores espanhóis havia som ou movimento. Uma quietude estranha e vermelha…

 

Ah! Pobre Costa Rica!

Estivéssemos nós em Pamplona em vez de Doha e, pelo meio do silêncio, haveria de estralejar o famoso Txupinazo – aquelo som impressionante do estalar de dedos, concatenado, toda a gente de trajes encarnados ou com algo de encarnado sobre o corpo, seguidos de gritos em honra de San Fermín. Só que, decididamente, não há muito espaço para meter Pamplona no Qatar. Isto sou eu a dizer. Ao fim ao cabo também não há espaço para touradas no Qatar e ontem assistimos a uma. Ou a uma imitação de uma tourada. Afinal o touro – que veio de branco – entrou na arena praticamente morto. Enfadado, o toureiro foi espetando o cadáver. Mas, francamente! Nem “Olés!”??? Se a equipa de Luis Enrique cumpriu aquilo a que estava obrigada, a rapaziada que a segue – agora já sem o grande Manolo a bater no bombo como se disso dependesse a existência de toda a família – foi uma desilusão. O segundo golo de Torres (54m) não mereceu mais do que umas palmas desprezíveis. O quinto, lindo!, de Gavi (74m), o sexto, de Soler (90m), e o sétimo, de Morata (90+2m) ligeiras ovações. Ah! Pobre Costa Rica! Nem um remate. Nem um esboço de revolta. Um cadáver de língua de fora estendido no chão.