Muitos argumentaram que o caminho da globalização era o travão máximo para o isolacionismo e, consequentemente, a impossibilidade de nacionalismos extremados, tal seria a evidência de que a aproximação e a interdependência dos povos retirava qualquer espaço para um conflito global.
E depois a Rússia invadiu a Ucrânia.
A incerteza da guerra na Ucrânia tem gerado em muitos o pânico do alargamento do conflito à dimensão mundial, arrastando o mundo inteiro para um período negro da sua história, coartando sonhos de prosperidade e harmonia.
Essa ansiedade ganhou intensidade no passado dia 15 de novembro, quando dois mísseis de fabrico russo caíram na Polónia, destruindo e matando.
Rapidamente os arautos da desgraça encontraram terreno fértil para promoverem mensagens apocalípticas, procurando incutir o medo da aproximação do dia do juízo final.
Porém, exige-se mais responsabilidade. Exige-se mais humanidade.
Exige-se, sobretudo, clareza no esclarecimento público e inteligência na decisão política.
Por isso urge olhar para esse trágico episódio ocorrido na Polónia e explicar que o dia 15 de novembro não é o início do fim do mundo.
E porquê?
Já no início do século XIX Carl von Clausewitz, importante estratega militar, mas também filósofo, escreveu uma obra fantástica chamada “Vom Kriege” (“Da Guerra”), onde associava guerra e política, ficando célebre uma das suas frases: “A guerra é a continuação da política por outros meios”.
O desenvolvimento da guerra é, na sua essência, uma tentativa de alcançar objetivos concretos através da execução de movimentos militares precisos. Porém, a guerra também é incerteza, também é caos.
Carl Von Clausewitz identificou nessa incerteza o que mais tarde veio a ser designado como “Fog of War”, escrevendo que “A guerra é o reino da incerteza; três quartos dos fatores em que se baseia a ação na guerra estão envoltos em uma névoa de maior ou menor incerteza. É por isso fundamental um julgamento sensível e discriminador, bem como uma inteligência hábil para farejar a verdade.”
E “farejar a verdade” sobre o que se passou na localidade polaca de Przewodów é fundamental para evitar arrastar o mundo para um conflito global.
É por isso que temos de saber impor contenção e verdade aos decisores políticos que influem diretamente neste processo, mas também a alguns órgãos de comunicação social que na sede de captar audiências propagam medo e ansiedade.
Todos os líderes mundiais têm de compreender que, neste caso, não existiu intenção russa de atacar território polaco, tornando desnecessárias as palavras de Biden: nenhum centímetro quadrado de território da NATO foi alvo de agressão.
E se se confirmar que a queda desses mísseis foi um resultado da incerteza que resulta da sua interseção por defesas ucranianas, então por muito que queiramos castigar Putin pela barbárie que está a impor à Ucrânia e ao Mundo, não o façamos com base em falsos argumentos ou imprecisões factuais.
Se o fizermos estamos a usar a mesma narrativa pela qual condenámos Putin aquando da invasão da Ucrânia e não estaremos a cumprir com a elevação moral que nos dá a força para tentar sanar este conflito.
E sobretudo porque não queiramos ignorar Carl von Clausewitz, permitindo que o “Fog of War” seja motivo para que a ação ocidental na Ucrânia consubstancie a ideia de que esgotámos a nossa capacidade política de promover a paz, dando oportunidade a que, uma vez mais, “a guerra seja a continuação da política por outros meios”.
Presidente da concelhia do PSD/Lisboa e presidente da Junta de Freguesia da Estrela