Arooj Aftab. “Com a minha música quero tecer uma malha com todas as músicas que eu amo”

Arooj Aftab. “Com a minha música quero tecer uma malha com todas as músicas que eu amo”


Nascida há 37 anos na histórica cidade de Lahore, no Paquistão, estudou jazz e sente-se “uma esponja” por absorver todo o tipo de influências musicais que a rodeiam. Arooj Aftab regressou a Portugal depois de já ter estado no Rock in Rio.


Depois do concerto no Rock in Rio Lisboa conseguiu muitos novos fãs em Portugal e, agora, poucos meses depois, está de regresso a este país. Quais são as suas memórias favoritas desse primeiro espetáculo?
Foram uns tempos incríveis. O Rock in Rio, em Lisboa, foi muito divertido. Ainda tive a oportunidade de ver o Omar Souleyman depois do meu concerto e foi um espetáculo muito animado. Acho que ele é uma grande personagem, um grande homem e tem um som muito arrojado. É impressionante como ele consegue animar todas as pessoas nos seus concertos. Ainda agora é uma loucura imaginar que tive a oportunidade de partilhar os bastidores com ele e vê-lo ao vivo. 

Como foi a sua passagem por Portugal?
Não ficámos muito tempo aqui, mas ainda tivemos oportunidade de ir a Sintra. Fiquei absolutamente surpreendida, é um sítio tão bonito e com uma energia muito mágica. Quando estava no jardim do palácio senti que estava num conto de fadas. Foi uma experiência que me roubou o coração. Sintra foi um sítio mesmo muito bonito, completamente arrebatador. Também gostei das latas de atum, o vinho e o fado. E ainda fomos a Braga onde tivemos uma experiência muito boa. No geral, sinto que em Portugal existe uma entrega muito grande do público. É notório como amam a música. São tão carinhosos e entregam-se aos músicos de braços abertos. Os portugueses também são muito simpáticos e não existe uma grande tensão. Vocês são pessoas fantásticas, com uma arquitetura e história fascinante. É um país maravilhoso e quero continuar a regressar aqui. 

A sua música é uma interpretação interessante de diferentes formas de arte e sons do Paquistão. Quando começou a demonstrar interesse por estas expressões artísticas?
Desde que me lembro, sempre me interessei por música. Apesar de não ter uma formação ligada a estilos de música clássicos ou tradicionais do Paquistão, sempre tive um grande amor por este tipo de sons. Durante toda a minha vida, independentemente do lugar onde estivesse, estava sempre rodeada por música. Às vezes sinto-me uma esponja porque consigo absorver todas estas influências. Mesmo sem esse tipo de treino formal, gosto de estudar música com os meus próprios ouvidos, ouvindo atentamente todos os sons. Tenho ouvido com muita atenção diversos estilos de música paquistanesa desde que me recordo, por isso, com a minha música, pretendo tecer uma malha com todas as músicas que eu amo.

Quando lhe surgiu a ideia de fundir estes estilos mais tradicionais com sons mais contemporâneos como a eletrónica ou a música indie?
Como não tinha uma formação rígida, existia muita informação que apenas compreendia por aquilo que chegava aos meus ouvidos ou através da minha herança cultural. Eu e a minha família somos naturais de Lahore, um sítio com muitas melodias e com muita influência de poesia e romances. É uma cidade de jardins, de literatura e de dança. Esta cidade fez parte do império Mogol, que se inclinava bastante para as artes, poesia e em interpretações que fossem graciosas, dignas e belas, com especial foco na geometria, simetria, minimalismo. Apesar de não estudares ou compreenderes estas expressões artísticas, elas fazem parte de ti. É aquilo que carregamos e que os nossos antecessores nos ofereceram. Aquilo que eu estudei foi jazz e vivo em Nova Iorque há cerca de 15 anos, por isso, esta mistura aconteceu de uma forma bastante natural e orgânica.

O disco que veio apresentar em Portugal, Vulture Prince, pode ser descrito como eclético, tendo inclusive espaço para deixar brilhar a música reggae. Qual é a sua ligação a este estilo de música em particular?
Quando estava na faculdade costumava fumar marijuana com bastante frequência. Essa não é a única explicação (risos), mas é um estilo que sempre gostei e ainda aprecio. Costumávamos ouvir muita música diferente, porque tínhamos de estudar jazz e era bom ter um certo escape, algo que era oferecido por estilos como o reggae, dub ou drum ‘n’ bass. Também ouvia muito fado e flamenco nessa altura.

Last Night é a música onde se sente mais estas influências, pode falar um pouco desta faixa?
Essa música foi inspirada nesta fase da minha vida. Foi composta há uma década atrás, ou mais, mas nunca tinha lançado porque sentia que não tinha o direito de me estar a apropriar da música reggae. Contudo, quando estava a trabalhar no Vulture Prince, reconciliei esse sentimento, porque a música parece um momento de improviso entre músicos reggae e de jazz e, além disso, conta com a letra de um poema do poeta persa Jalaluddin Rumi e é cantada na linguagem urdu, por isso, não estou a tentar fazer uma apropriação direta, existe um cunho pessoal bem vincado. 

Apesar de ser uma honra estar a prestar um tributo às suas raízes ao fazer esta música de tanta qualidade inspirada nos sons do seu país, é também importante mostrar ao resto do mundo esta parte da sua vida e cultura?
Acredito que é importante. A Europa e os Estados Unidos às vezes têm uma visão do resto do mundo como algo exótico e não muito desenvolvido. O que é estranho, especialmente em lugares como Portugal e Espanha, que têm uma história tão rica e antiga. Acho surpreendente a existência desta perspetiva que parece diminuir as outras culturas. Mas, ao mesmo tempo, por exemplo, o português é uma língua muito bonita e sinto que é esquecida pelos vizinhos europeus, como o francês, que é muito mais romantizado. 

Sente que a sua cultura está a ser ignorada?
No final do dia, apesar de o urdu ser uma linguagem muito bonita e as tradições do império Mogol e do domínio muçulmano, que deixaram pinturas em miniaturas, poesia e vários tipos de dança, serem muito interessantes e até existirem pessoas que podem estar a par, o “marketing” não se inclina tanto para a beleza desta arte, mas sim para nos acusarem de sermos terroristas ou para a opressão das mulheres. Infelizmente, é assim que o mundo é, o meu trabalho não é acordar todos os dias de manhã e combater esse tipo de opressão, eu só quero fazer música que considero bonita. Se nesse processo conseguir ajudar a tornar a minha cultura “fixe” outra vez ficarei muito feliz, é uma grande conquista. Muito do mundo ocidental está interessado no meu trabalho e a responder bem ao que tem ouvido, não tem sido xenófobos ou racistas e isso é algo muito positivo e necessário. Acredito que o trabalho que estou a fazer é importante.

Acha que este tipo de partilha de culturas pode ajudar a mudar algumas visões estereotipadas do seu país?
Acredito que muitas das visões estereotipadas destes países tem tudo a ver com a forma como são publicitados e devido ao pensamento conservador do ocidente. Tudo isto é velho e estúpido e gostava que as pessoas deixassem de ser tão ignorantes e pudessem observar como as novas gerações se estão a comportar. Eles têm uma mentalidade tão fluente e poderosa e desejam a inclusão das diferentes culturas. Eles querem paz, harmonia, acabar com as emissões de dióxido de carbono. Querem todas as coisas certas para o mundo. Acredito que muitas das pessoas mais velhas deviam aproveitar para ler o que está a ser escrito no livro da juventude. 

Acha que enquanto mulher paquistanesa sente mais dificuldades em criar música?
Sinto que esse é o olhar do ocidente para certos países e lugares. Acho que estas não são as únicas mulheres oprimidas do mundo. O patriarcado está vivo e de boa saúde e oprime todas as pessoas. Neste momento, nos Estados Unidos, diversos estados estão a tirar os direito às mulheres de poderem fazer o que quiserem com os seus corpos.

Foi a primeira artista paquistanesa a vencer um Grammy. Isso foi uma honra para si?
Significa muito para mim. Estive na Islândia e percebi que a Bjork fez muito pela Islândia. Às vezes somos aquele tipo de artistas que colocam o nosso país no mapa, tal como ela fez e os Sigur Ros, e sinto que Nusrat Fateh Ali Khan também já tinha feito isso pelo Paquistão. Um Grammy é o maior prémio que um músico pode vencer por isso quando somos os primeiros a ganhar um desses prémios é uma grande conquista e sinto que pode oferecer mais poder às pessoas. É muito bom saber que se acreditarmos que podemos criar muitas mudanças positivas no mundo.