Tanto como punir, ou talvez mais, importa prevenir a corrupção


O alerta para as situações mais estranhas da gestão pública parte, em geral, dos media e muito raramente dos organismos estatais destinados a controlar, advertir e informar os decisores públicos.


Os media vão-nos dando conhecimento regularmente dos pouco claros negócios que o Estado e as autarquias vão realizando com agentes económicos privados e, em consequência de tais notícias, informam depois os cidadãos da abertura de investigações judiciais a eles respeitantes.

O que importa salientar neste processo de desvendamento dos bastidores e da forma como são geridos os interesses públicos e investigados, depois, os seus responsáveis, é a primazia que quase sempre os media têm sobre o conhecimento dos casos.

Quer isto dizer que o alerta para as situações mais estranhas da gestão da coisa pública parte, em geral, dos media e muito raramente dos organismos estatais destinados a controlar, advertir e informar os decisores públicos que são responsáveis pela aprovação de tais iniciativas.

Por tal razão, quando um destes casos é noticiado, a forma de aferir da sua legalidade e da correção das determinações tomadas pelos que nelas participaram acaba, quase sempre, por revestir a natureza de uma investigação criminal.

Isto significa que tal controlo é, frequentemente, feito a posteriori e não por via de mecanismos preventivos e corretivos que a Administração Pública – central ou local – deveria manter ativos, antes de decidir.

Se esse controlo preventivo existisse de facto, então muitos dos casos noticiados nunca teriam acontecido e, por essa razão, nunca se teriam verificado prejuízos avultados para o Estado e as autarquias.

Na verdade, a atuação do MP e dos tribunais criminais corre, a maior parte das vezes, atrás dos prejuízos e nunca consegue compensar totalmente aqueles que já se verificaram, fruto de decisões anómalas, quer elas revistam, ou não, natureza criminal.

Importa ainda salientar que muitas dessas decisões anómalas, tomadas aos mais variados níveis da administração e mormente aquelas tomadas por responsáveis de autarquias pequenas e pouco habilitadas com serviços de apoio jurídico eficazes, não resultam sempre de uma intenção criminosa, mas de algum desconhecimento das mais elementares regras legais que ordenam a contratação pública.

Por essas razões, mesmo sem especificar que mecanismos poderiam ser mais adequados ao controlo do funcionamento da Administração Pública, o Conselho para a Prevenção da Corrupção apontou em duas resoluções, uma de 1/2009 e outra de 2/2015 para a necessidade evidente de serem criados e acionados mecanismos eficazes de prevenção da corrupção e das ilegalidades financeiras e administrativas no seio da Administração Pública.

Hoje, as grandes empresas têm vindo a integrar no seu funcionamento e organigrama os chamados oficiais de compliance.

Destinam-se tais agentes a prevenir as más condutas das empresas e, a um nível interno, ao desvendar das responsabilidades dos que as assumiram, procurando, deste modo, evitar que elas sucedam ou se multipliquem.

Se repararmos no que sucede na Administração Pública – central e local –, constataremos que os pareceres jurídico-económicos internos que justificam os processos mais anómalos são, quase sempre, assumidos por funcionários dependentes hierarquicamente dos decisores, ou solicitados a juristas e outros técnicos exteriores aos serviços expressamente contratados, muitas vezes, para darem cobertura legal aos procedimentos que, de antemão, se decidiu pôr em prática.

Com tais pareceres os decisores pretendem, as mais das vezes, justificar apenas a correção das suas opções e alijar a responsabilidade que, efetivamente têm, pelas decisões que tomam ou pretendem tomar à revelia da lei e do interesse público que lhe incumbe executar.

Raramente, porém, se consegue provar a responsabilidade dos que assim informam os decisores, tanto mais que, como acontece em alguns casos, os referidos pareceres nem sempre se dirigem, verdadeiramente, ao objeto do ato que, depois, se realiza e se pretende justificar.

Acontece, ainda, que vários desses pareceres versam apenas sobre a legalidade formal do procedimento que se quer concretizar, sendo mais raros os que combinam a apreciação da legalidade formal com a da legalidade substancial: e é nesta que, em geral, se situam os problemas que o MP e os tribunais têm, depois, de analisar.

Poucos foram, por isso, os autores de tais pareceres que a nível financeiro ou criminal foram demandados em Tribunal e muitos foram os decisores que escaparam, também, a uma condenação, já que conseguiram provar que procuraram aconselhar-se juridicamente antes de decidir.

Descobrir e concretizar no seio da Administração Pública mecanismos semelhantes aos da compliance já existentes, em algumas empresas privadas, poderá ser o caminho para a redução de alguma criminalidade económica e financeira motivada, no nosso sistema político-económico, pela constante necessidade de executar o interesse público através de empresas privadas, cujo fim é, no essencial, o do lucro.

Se assim acontecer, poder-se-á, porventura, prevenir a má gestão, a corrupção, muitos outros crimes económicos e inúmeras irregularidades administrativas e financeiras.

Se assim acontecer, talvez as notícias constantes sobre factos anómalos e a responsabilização criminal dos decisores públicos possa diminuir.

Mais, a imagem do Estado como defensor do bem comum e do interesse público não seria tantas vezes manchada pelo comportamento dos que o servem.

 

 

 

 

 

Tanto como punir, ou talvez mais, importa prevenir a corrupção


O alerta para as situações mais estranhas da gestão pública parte, em geral, dos media e muito raramente dos organismos estatais destinados a controlar, advertir e informar os decisores públicos.


Os media vão-nos dando conhecimento regularmente dos pouco claros negócios que o Estado e as autarquias vão realizando com agentes económicos privados e, em consequência de tais notícias, informam depois os cidadãos da abertura de investigações judiciais a eles respeitantes.

O que importa salientar neste processo de desvendamento dos bastidores e da forma como são geridos os interesses públicos e investigados, depois, os seus responsáveis, é a primazia que quase sempre os media têm sobre o conhecimento dos casos.

Quer isto dizer que o alerta para as situações mais estranhas da gestão da coisa pública parte, em geral, dos media e muito raramente dos organismos estatais destinados a controlar, advertir e informar os decisores públicos que são responsáveis pela aprovação de tais iniciativas.

Por tal razão, quando um destes casos é noticiado, a forma de aferir da sua legalidade e da correção das determinações tomadas pelos que nelas participaram acaba, quase sempre, por revestir a natureza de uma investigação criminal.

Isto significa que tal controlo é, frequentemente, feito a posteriori e não por via de mecanismos preventivos e corretivos que a Administração Pública – central ou local – deveria manter ativos, antes de decidir.

Se esse controlo preventivo existisse de facto, então muitos dos casos noticiados nunca teriam acontecido e, por essa razão, nunca se teriam verificado prejuízos avultados para o Estado e as autarquias.

Na verdade, a atuação do MP e dos tribunais criminais corre, a maior parte das vezes, atrás dos prejuízos e nunca consegue compensar totalmente aqueles que já se verificaram, fruto de decisões anómalas, quer elas revistam, ou não, natureza criminal.

Importa ainda salientar que muitas dessas decisões anómalas, tomadas aos mais variados níveis da administração e mormente aquelas tomadas por responsáveis de autarquias pequenas e pouco habilitadas com serviços de apoio jurídico eficazes, não resultam sempre de uma intenção criminosa, mas de algum desconhecimento das mais elementares regras legais que ordenam a contratação pública.

Por essas razões, mesmo sem especificar que mecanismos poderiam ser mais adequados ao controlo do funcionamento da Administração Pública, o Conselho para a Prevenção da Corrupção apontou em duas resoluções, uma de 1/2009 e outra de 2/2015 para a necessidade evidente de serem criados e acionados mecanismos eficazes de prevenção da corrupção e das ilegalidades financeiras e administrativas no seio da Administração Pública.

Hoje, as grandes empresas têm vindo a integrar no seu funcionamento e organigrama os chamados oficiais de compliance.

Destinam-se tais agentes a prevenir as más condutas das empresas e, a um nível interno, ao desvendar das responsabilidades dos que as assumiram, procurando, deste modo, evitar que elas sucedam ou se multipliquem.

Se repararmos no que sucede na Administração Pública – central e local –, constataremos que os pareceres jurídico-económicos internos que justificam os processos mais anómalos são, quase sempre, assumidos por funcionários dependentes hierarquicamente dos decisores, ou solicitados a juristas e outros técnicos exteriores aos serviços expressamente contratados, muitas vezes, para darem cobertura legal aos procedimentos que, de antemão, se decidiu pôr em prática.

Com tais pareceres os decisores pretendem, as mais das vezes, justificar apenas a correção das suas opções e alijar a responsabilidade que, efetivamente têm, pelas decisões que tomam ou pretendem tomar à revelia da lei e do interesse público que lhe incumbe executar.

Raramente, porém, se consegue provar a responsabilidade dos que assim informam os decisores, tanto mais que, como acontece em alguns casos, os referidos pareceres nem sempre se dirigem, verdadeiramente, ao objeto do ato que, depois, se realiza e se pretende justificar.

Acontece, ainda, que vários desses pareceres versam apenas sobre a legalidade formal do procedimento que se quer concretizar, sendo mais raros os que combinam a apreciação da legalidade formal com a da legalidade substancial: e é nesta que, em geral, se situam os problemas que o MP e os tribunais têm, depois, de analisar.

Poucos foram, por isso, os autores de tais pareceres que a nível financeiro ou criminal foram demandados em Tribunal e muitos foram os decisores que escaparam, também, a uma condenação, já que conseguiram provar que procuraram aconselhar-se juridicamente antes de decidir.

Descobrir e concretizar no seio da Administração Pública mecanismos semelhantes aos da compliance já existentes, em algumas empresas privadas, poderá ser o caminho para a redução de alguma criminalidade económica e financeira motivada, no nosso sistema político-económico, pela constante necessidade de executar o interesse público através de empresas privadas, cujo fim é, no essencial, o do lucro.

Se assim acontecer, poder-se-á, porventura, prevenir a má gestão, a corrupção, muitos outros crimes económicos e inúmeras irregularidades administrativas e financeiras.

Se assim acontecer, talvez as notícias constantes sobre factos anómalos e a responsabilização criminal dos decisores públicos possa diminuir.

Mais, a imagem do Estado como defensor do bem comum e do interesse público não seria tantas vezes manchada pelo comportamento dos que o servem.