A discussão da cultura no Orçamento do Estado passa habitualmente por uma constatação: a cultura está à direita do zero. Ou seja, o objetivo dos 1% para a cultura, reivindicada por tantos há tanto tempo, fica sempre por atingir.
Muito longe de ser 1% do PIB, não é sequer o 1% do Orçamento do Estado. A despesa com a cultura é 0,28% despesa do Orçamento do Estado, ou 0,44% se incluirmos a RTP. O Governo, no entanto, escolheu para a cultura um método comparativo que não existe em nenhuma outra área: fala em 2% da despesa discricionária, uma verdadeira inovação do ministro Pedro Adão e Silva.
Seja como for, o Governo pode dizer este ano, como em anos anteriores, que o Orçamento para a cultura aumentou. O problema, na verdade, são dois. Por um lado, alguns destes aumentos dependem de fundos europeus que um dia terminarão e deixarão à vista a insustentabilidade do Orçamento para a cultura; por outro, muitos destes aumentos não têm saído do papel. Entre 2018 e 2022, a cultura acumula 300 milhões de euros por executar (uma soma que corresponde a praticamente meio orçamento de um ano). O orçamento para 2023 é efetivamente maior do que o do ano passado, mas o setor da cultura só pode temer que em 2023 as cativações continuem a adiar a cultura. O exemplo de 2022 é claro: a despesa realmente executada está ao nível do orçamento para 2018. (1)
Atravessamos uma pandemia sem que este padrão fosse alterado e para muitos trabalhadores da cultura, os últimos anos foram uma travessia no deserto.
É por isso que os resultados do Programa de Apoio Sustentado causaram tanta indignação. Num ano em que se promete a concretização do reforço de 114% no valor dos apoios sustentados face ao ciclo anterior, há companhias com pontuação suficiente e projetos estruturados que ficam de fora. Para essas, lá se foi a “estabilidade, confiança e compromisso”.
A mudança de critérios para financiar a totalidade do apoio concedido é positiva, mas qualquer critério se torna questionável quando a desvalorização das propostas bienais (2023-2024) face às candidaturas para o quadriénio 2023-2026 deixa de fora companhias “em virtude de ter sido esgotado o montante global disponível para a área artística e/ou modalidade de apoio”.
Uma das entidades concorrentes a financiamento bianual na área da dança foi a Companhia Clara Andermatt, uma companhia com 30 anos que fica pela primeira vez sem financiamento.
“Fica patente a desigualdade na sustentabilidade e desenvolvimento de estruturas estabelecidas e na consolidação de estruturas mais recentes, que ficaram de fora dos apoios”, lê-se na carta da Comissão de Coordenação da riZoma – Plataforma de Intervenção e Investigação para a Criação Musical, subscrita por 32 entidades.
Segue-se a divulgação dos resultados do concurso de Teatro. A angústia prossegue.
(1) https://www.esquerda.net/dossier/porque-e-que-o-ministerio-da-cultura-nao-gasta-os-seus-orcamentos/83362 e https://www.publico.pt/2022/10/10/culturaipsilon/noticia/orcamento-cultura-cresce-23-peso-bolo-total-despesa-mantemse-aquem-05-2023482
Deputada do Bloco de Esquerda