Nota prévia: Sem alarde, de forma discreta e muito eficaz, está a correr a atual campanha de vacinação a cargo do Coronel Penha Gonçalves e da sua equipa de militares e civis. Trata-se de uma operação gigantesca que envolve milhares de profissionais e de voluntários, longe dos holofotes da atualidade e de vedetismos personalistas. Ninguém se evidencia, ninguém parece querer tirar louros do trabalho, sejam eles merecidos ou imerecidos. Até mesmo o novo ministro da saúde tem tido algum decoro ao não utilizar sistematicamente a operação para ganhar minutos de televisão. Nesta campanha é administrada a dose de reforço da covid e facultativamente a da gripe. Tudo numa altura em que o arrefecimento tem potenciado de forma evidente a circulação dos vírus pandémico e gripal.
1. É impressionante a forma como a máquina do PS vive anestesiada por António Costa, que dela põe e dispõe, conforme lhe dá jeito. Costa tem um grupo de incondicionais que controla o partido. Tudo se decide nesse núcleo onde também existem rivalidades que o líder gere. Há, portanto, uma espécie de casta top e depois o resto do aparelho que tem tentáculos por todo o Estado e em muitos negócios privados ou para-privados. O núcleo ligado a António Costa montou uma teia que faz lembrar o México há uns anos. Com a diferença de que a rotatividade interna do chefe não existe cá. Costa pode até ficar quase 20 anos no poder se avançar e ganhar eleições presidenciais, o que não é impossível. O PS tornou-se um instrumento do costismo.
Deixou de ser um partido vivo, com correntes de pensamento diferentes e altamente plural. Mesmo com Mário Soares, o PS nunca foi um partido unanimista, conformado e uma máquina de mera conservação do poder, como é agora. Quer Costa vire à esquerda ou à direita, o rebanho político-militante segue atrás dele, juntando supostos independentes. No tempo de Soares houve um Manuel Serra. Depois houve o ex-secretariado e mais tarde Zenha. No de Constâncio houve Guterres. No de Guterres houve Sampaio. No de Sampaio houve Jaime Gama. No de Sócrates houve Seguro. No de Seguro houve Costa. No de Costa não há uma alternativa nenhuma. Há Pedro Nuno Santos que, à esquerda, mostra não ser um “yes man” e à direita subsiste Sérgio Sousa Pinto que é mais um ideólogo, com um verbo notável e uma ironia rara eivada de cinismo, do que alguém capaz de liderar seja o que for.
Recentemente apareceu Alexandra Leitão que não hesita em divergir, para o que contribuiu o facto de ter sido chutada inesperadamente do Governo onde se achava uma “star”. Isabel Moreira é outra figura que ganha espaço em crises e temas fraturantes. Ambas já vieram a público manifestar incómodo pela manutenção de Miguel Alves no governo, depois de se saber que é arguido em dois casos gravíssimos. Ana Gomes e Cravinho pai, ela a braços com um estranho caso de construção ilegal na Serra de Sintra, e ele um impulsionador das desastrosas PPP rodoviárias que nos arruínam, também aproveitaram para bitaites moralistas em vez de atos de contrição. Por mais que pareçam posições extremas, todas estas afirmações dão jeito a Costa.
Abrem caminho à inevitável saída do seu braço direito operacional que está politicamente morto. Costa não ficou de certeza surpreendido com as posições de Leitão e de Moreira. Provavelmente contava que surgissem e abrem lhe vias, depois de se ter entalado ao segurar desajeitadamente o seu colaborador. Apesar de mais este episódio, Costa continuará a pôr e dispor no partido. Prova disso é a notícia do Nascer do SOL de que o líder tem uns trunfos na manga para as autárquicas, tal como tem Santos Silva para Belém, caso dê jeito. Segundo o jornal, trata-se de Siza Vieira, Adalberto Campos Fernandes, Marta Temido e o impagável Matos Fernandes. Uma verdadeira caderneta de cromos raros e bons para a troca! O aparelho lá estará para colar os cartazes e sobreviver. Em síntese: no PS está tudo controlado. O caso Miguel Alves terá o percurso habitual: incha, desincha e passa. Mesmo que ele fique mais um tempo no Governo não há crise. Pior do que o folhetim Cabrita não será de certeza. Afinal não foi Cabrita que impediu uma simpática maioria absoluta que é um maná para muita gente.
2. Augusto Santos Silva é a típica figura cujo ADN extremista nunca desapareceu apesar de ter aderido ao PS e de usar falinhas mansas e eruditas. Saiu dos campos radicais trotskistas e marxistas, mas o bicho está nele. Vem isto a propósito de Santos Silva e de o parlamento terem recusado que fosse cedido espaço na Assembleia da República para uma exposição sobre os crimes cometidos por regimes fascistas e comunistas na Europa. A recusa veio do PCP, Bloco, Livre (o que não surpreende dada a ligação ideológica destes partidos aos regimes torcionários comunistas) e surpreendentemente do PS, que era suposto ser fiel ao seu combate histórico contra as ditaduras sanguinárias de esquerda ou de direita. A exposição tem percorrido Portugal e já esteve em 19 países, mas não cabe na nossa casa da democracia. É sinal de que ela não está nada saudável!
3. Falando em extremistas, o PCP anunciou a substituição relâmpago de Jerónimo de Sousa, um ortodoxo da linha dura com falas e cara de avozinho querido e afável. Jerónimo, apesar da geringonça que ele apadrinhou, foi a figura que conseguiu evitar o desmoronamento total do partido. De supetão apareceu muito democraticamente um substituto totalmente desconhecido do povo comunista e dos jornalistas especializados. Só o Nascer do Sol antecipou, sábado passado, a saída de Jerónimo, através de uma cacha notável que fez manchete. O novo líder dá pelo nome de Paulo Raimundo. É vendido como se fosse operário, mas na prática foi sempre funcionário do PCP (um género afim à líder da CGTP, Isabel Camarinha, que é empregada de um sindicato). Paulo Raimundo é o primeiro líder do PCP nascido após o 25 de Abril. Tem a missão impossível de recuperar a pujança eleitoral dos comunistas. Mais provável é tornar-se no gestor da massa política falida do partido e ser ele a quem vai caber apagar a luz da sede quando ela fechar.
4. A mudança de líderes na oposição está a ser uma espécie de fruta da época. Começou no PSD, seguiu para o CDS, varreu o PCP e está em curso na Iniciativa Liberal, onde não era previsível e onde não se esperava que, de repente, surgissem tantas clivagens e rivalidades. Assistiu-se a uma espécie de abrir da tampa de uma panela de pressão que contraria a ideia “punhos de renda” que Cotrim de Figueiredo emanava. Os liberais parecem uma espécie de PSD júnior, o que não surpreende. Talvez a crise permita a Luís Montenegro recuperar parte do eleitorado da IL, que afinal já foi do PPD/PSD.
5. Hoje, quarta-feira, vão conhecer-se os resultados das eleições intercalares norte-americanas, que renovam parte do senado, a Câmara dos Representantes e 36 governadores. Uma análise fina dos eleitos permitirá saber se de facto Trump tem mesmo hipótese de voltar a ocupar a Casa Branca daqui por dois anos. Estas são assim as eleições mais importantes do mundo neste ano. Comparativamente, as do Brasil foram “peanuts” e, feitas as contas, os brazucas aceitaram democraticamente a derrota à justa de Bolsonaro, que o próprio reconheceu. A questão agora é ver o que a justiça vai fazer com Bolsonaro e se Lula consegue governar sem que haja uma corrida para pôr a mão no pote, como anteriormente.
Escreve à quarta-feira