Cada um é livre de ter as suas convicções, perceções e prioridades, desde que o exercício das suas esferas de liberdade, no quadro de um Estado de Direito Democrático, desde que não conflitue com as dos outros. Ao longo dos últimos anos têm emergido na sociedade portuguesa, pelas circunstâncias, por moda ou por fragilização do foco das prioridades dos protagonistas políticos, impulsos intrusivos de violação das esferas individuais de liberdade, pela imposição generalizada de opções de gosto, à boleia de alegados avanços civilizacionais.
O impulso e a anuência resultam da convergência de interesses particulares, sem grande expressão eleitoral e social, com os estados de necessidade dos grandes partidos políticos, também reféns das pressões mediáticas de perspetivas sem adesão em boa parte do território.
A verdade é que atenção dispensada aos nichos é desproporcionada face à grandeza dos problemas estruturais e dos desafios que persistem ao fim de quase meio século de Democracia, da pobreza à desigualdade social, da desertificação do Interior à demografia.
E, no entanto, há quem persista em atender aos nichos, sem dedicar a atenção sustentada e os recursos às respostas que a maioria da população e do território precisam.
Sendo certo que os anteriores quadros de solução governativa eram marcados pela ausência de uma maioria para governar, assente num programa eleitoral com mínimos de coerência, a atualidade é bastante diversa ou, pelo menos, deveria ser.
Os desvios do acervo histórico do Partido Socialista, dos seus valores e princípios, por razões de manutenção de uma solução governativa, depois de um resultado eleitoral aquém do expectável, em 2014, deixaram de fazer sentido. É certo que não há pandemia com a relevância que teve, mas há guerra e inflação com impactos negativos, mas deixaram de existir desculpas para que se cumpra o programa eleitoral sem receios de arremessos de abusos de maioria absoluta.
Não desculpa para não fazer. O normal em democracia sempre foi que quem ganha, governe de acordo com as propostas que submeteu ao voto dos portugueses, em eleições democráticas e livres. Não que possa distorcer o seu posicionamento histórico para corresponder a necessidades de sobrevivência política, de tendências de segmentos particulares ou de alegadas modas de perceção geral.
Em cada um dos últimos orçamentos de Estado, o PAN, agora reduzido a uma representante parlamentar, tem assumido uma face de moderação. Abstém-se na generalidade, para negociar na especialidade umas convergências com a maioria em defesa dos seus nichos temáticos, mas, no resto do ano, radicaliza-se, em especial, em tudo o que tem a ver com os animais e a natureza.
Foi essa convergência do PS com esses nichos do PAN que gerou margem de implantação para o CHEGA em diversos territórios do interior do país e no setor agrícola. Por regra, diversos supostos avanços civilizacionais em relação ao Mundo Rural, aos Animais e às Tradições converteram-se em insultos intolerantes a quem pensa diferente e a territórios que não têm tido a atenção e os recursos adequada dos governos centrais.
Uma vez mais, por ocasião do Orçamento de Estado para 2023, a narrativa de encantamento da narrativa do PAN foi retomada com a abstenção na generalidade e o respetivo caderno de encargos, em que propõe a redução do IVA para 6% nos serviços médico-veterinários e na alimentação dos animais, a criação de uma linha extraordinária de apoio para a proteção animal, a criação de hospitais públicos para animais, entre outras propostas, que são interlúdio para ideias e propostas mais radicais e intolerantes, por exemplo, nas tradições tauromáquicas e nas esferas de liberdade individuais e comunitárias em muitos territórios do país.
A questão central é a de que quando falta tanto, a tantos seres humanos, confrontados com os problemas estruturais e com os novos impactos da pandemia, da guerra e da inflação, faz sentido ceder a nichos particulares? Faz sentido criar hospitais públicos para animais quando os dos humanos funcionam com tantas disrupções, falhas e omissões? Faz sentido querer avançar para o que é acessório para a maioria da população quando não se responde ao básico em muitas áreas?
Julgamos que não, mas ainda que o fizesse, um partido com maioria absoluta não procura desculpas nem está à espera de que outros apresentem propostas só para dar um ar de abertura democrática à oposição, quando essa deriva é geradora de oportunidades para a extrema-direita no Mundo Rural, no Interior e junto de comunidades associadas a atividades agroalimentares fundamentais para o país.
Sem maioria absoluta, o orçamento é um leilão entre as disponibilidades e a aceitação das necessidades imprescindíveis para a viabilização da proposta. Com maioria absoluta, o orçamento será o espelho das opções da maioria e o seu programa, porque foi assim que os eleitores quiseram, o que não implica não manter espírito aberto para o melhorar em relação ao interesse geral ou ao bem comum.
Neste quadro, ceder ao registo orçamental de mansidão do PAN é abrir a porta ao reforço de posições e de implantação do Chega no território nacional e junto de determinados setores, como se pode constatar durante as últimas eleições junto do Mundo Rural. Por muito que custe a políticos de alcatifa, não é por afrontar a extrema-direita no parlamento que se consegue mitigar a sua relevância. É combatendo as causas e as oportunidades que geram narrativas atrativas para alguns. Não perceber isso é persistir num erro que, infelizmente, será mais resolvido pela inconsistência das propostas políticas radicais do que pela ação dos democratas.
O Orçamento de Estado para 2023 é mais uma oportunidade para corrigir ou persistir em derivas de intolerância a toque de nichos particulares, geradores de oportunidades de mercado para a extrema-direita.
É bom que o PS não se deixe levar pelas mansidões que contrariam a sua histórica matriz de tolerância com a diversidade e com as marcas de identidade do país, algo que não deve ser transigível no mercado político eleitoral. Não troquem o Mundo Rural por uma convergência de circunstância supérflua com o PAN.
NOTAS FINAIS
A MORTE QUE PERSISTE SAIR À RUA A PARTIR DAS CASAS. As disrupções das circunstâncias não podem ser desculpa para a tragédia da violência doméstica que persiste, ano após ano. Nos primeiros nove meses deste ano morreram mais mulheres do que nos doze meses de 2021. É miserável!
FOI-SE A EXCLUSIVIDADE, ESTÁ DE VOLTA A WEB SUMMIT. A Web Summit é um ecossistema à parte. Paddy Cosgrave acordou exclusividade com Lisboa e Portugal, sacou financiamentos, e vai expandir a Web Summit para o Rio de Janeiro, em maio de 2023. Saca aqui, saca acolá, sem explicar a golpada e perante a complacência do uso de dinheiros públicos nacionais, que até foram reforçados. Quem disse que a chicoespertice era um exclusivo nacional?
LULA LÁ. Espera-se que a polarização, o ódio e o radicalismo não impeçam o desenvolvimento de uma nova oportunidade de poder para Lula da Silva, a normalização civilizacional e afirmação do potencial de u