Foi recentemente notícia de que o inquérito criminal ao surto de legionella, ocorrido em Outubro e Novembro de 2020 em Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa do Varzim se encontra há dois anos no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto sem que haja qualquer indicação de quando estará concluído. Apesar de estarmos habituados a estes atrasos, devido ao estado lamentável em que se encontra a nossa investigação criminal, trata-se de um caso em que o alarme social causado nas populações deveria ter determinado uma resposta muito mais célere da nossa Justiça. Afinal de contas esse surto provocou 88 infectados e 15 mortos, sendo que mesmo as vítimas que sobreviveram ficaram com sequelas graves. Deveria ter sido por isso rapidamente concluída a investigação criminal, para dar uma resposta adequada ao sofrimento das vítimas e dos seus familiares.
A resposta, no entanto, que foi dada pela Procuradoria-Geral da República é a de que a investigação prossegue e o processo se encontra em segredo de justiça. Já sabe que o destino das vítimas em Portugal é aguardar pacientemente que a Justiça, muitas vezes sob o manto adiáfano do segredo de justiça, acabe de realizar a tarefa de que está incumbida. E muitas vezes a Justiça chega tarde de mais para as vítimas, depois de um enorme período de espera.
Há muito que esta situação de absoluta falta de meios é conhecida dos responsáveis pela nossa Justiça. Em Outubro de 2021 o anterior Director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Dr. Albano Pinto, criticou a situação num encontro reservado a procuradores e membros da Autoridade Tributária dizendo que “o DCIAP não tem meios: não tem pessoas para trabalhar na área informática e não tem peritos económicos, financeiros e de outras áreas. Existe há 20 anos e nem instalações tem”. O mesmo referiu que o combate ao crime económico e financeiro só estava a ocorrer devido à colaboração da AT, uma vez que o DCIAP não tinha meios para o fazer. E lamentou que o investimento do PRR atribuído ao DCIAP fosse apenas de um milhão de euros.
A resposta que teve do então Secretário de Estado da Justiça foi a de comparar no Facebook as críticas do Director do DCIAP a “queixumes de sectores sindicais e de responsáveis por estruturas redundantes que consomem muitos recursos e produzem insuficientemente”. No entender do Secretário de Estado “o nosso sistema legal não prevê um modelo de MP megalómano e hipertrofiado, a desempenhar as funções que cabem aos órgãos de polícia criminal”, acrescentando que os procuradores não devem ser “polícias”.
Relativamente aos polícias, temos de facto o Director Nacional da Polícia Judiciária, que, em Abril passado já tinha rejeitado o “discurso miserabilista de falta de meios”, e agora em entrevista recente acha que tem os meios necessários à investigação criminal. Por isso, a seu ver, a culpa dos atrasos na Justiça é dos Advogados que praticam “terrorismo judiciário” nos processos, quando exercem as garantias que o Estado de Direito concede aos arguidos, designadamente o recurso.
Neste caso do surto de legionella de 2020 não há resultados de uma investigação criminal que dura há dois anos, sem que haja qualquer acto praticado por Advogados neste período. Seria por isso preferível que os responsáveis pela nossa investigação criminal assumam as suas responsabilidades e deixem de considerar os Advogados como bodes expiatórios dos atrasos inaceitáveis da nossa Justiça.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990