A busca da eternidade também passa pelas obras, com a humana arrogância no desafio lançado ao tempo, querendo que as obras sejam eternas. Ainda mais do que as obras físicas, as obras morais são temporalmente frágeis. Quando revestem a forma de normas jurídicas a prometida eternidade vacila desde o primeiro dia da criação.
A 17 de Dezembro de 1994 gozou-se o último dia de Lisboa Capital Europeia da Cultura e, também por Lisboa, foi assinado o Tratado da Carta Europeia da Energia (TCE). O fim da Guerra Fria trouxera a possibilidade de acesso directo do investimento estrangeiro (leia-se ocidental) aos depósitos de recursos energéticos (gás natural e petróleo) nos territórios da ex-URSS e aos mercados de energia carentes de investimento em infra-estruturas e novas tecnologias de produção (toda a Europa de Leste mas também Portugal cujo crescimento económico exigia então novas centrais termoeléctricas). De forma pragmática verteram-se numa convenção internacional (o TCE) os princípios básicos do project finance, assegurando a protecção dos investimentos, podendo os investidores demandar os Estados onde colocassem os seus capitais, recorrendo aos tribunais desses Estados (via infréquentable…) ou a tribunais arbitrais sujeitos, à escolha, às regras processuais mais populares (UNCITRAL, ICSID, Câmara de Comércio de Estocolmo). As ambições de para-federalização dos Estados-membros por via da criação de um direito de acesso às infra-estruturas de transporte de energia ficaram, à semelhança da conclusão do mercado interno da energia no seio da hoje denominada União Europeia, a aguardar melhores dias.
Ainda que amputado desta componente o TCE foi um enorme sucesso e permitiu uma significativa modernização das infra-estruturas energéticas europeias, garantiu à Europa central e de Leste gás natural e petróleo baratos, deu à Federação Russa um sustento e fez florescer muitas empresas ligadas à economia da energia.
Os Estados parte no TCE descobriram rapidamente a eficácia das arbitragens internacionais. A Federação Russa, com o propósito de atrair investimento estrangeiro, aplicou a título provisório o TCE mas desvinculou-se em 2009. Como o TCE tem uma survival clause que mantém por 20 anos o direito de acesso à arbitragem internacional a Federação Russa acabou em 2014 condenada a pagar 50 000 milhões de dólares aos accionistas da Yukos por uma expropriação de facto, violadora das garantias previstas no TCE.
O Reino de Espanha também se viu condenado em inúmeras arbitragens decididas a favor de investidores estrangeiros em energias renováveis a quem foi reconhecida a tutela das legítimas expectativas de estabilidade do regime jurídico em que basearam os respectivos investimentos.
O Tribunal de Justiça da UE, possuído pelo ciúme em relação a outras jurisdições, proibiu o recurso às arbitragens com base no TCE nas relações entre Estados-membros da UE.
Pelos dias de hoje está na moda a denúncia do TCE. A Itália já o fez em 2016, invocando o direito a proibir a prospecção no Adriático. A França acabou de anunciar o recesso e a Espanha, compreensivelmente, quer fazer o mesmo. As razões não são todas as mesmas e nem todas são verdes. Mas a denúncia mantém a eficácia da survival clause pelo que seria necessário que todos os Estados parte se entendessem para eliminar tal cláusula, produzindo a mesma efeitos até à entrada em vigor da modificação do TCE.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990