Traficante de sapatos


Cá para mim, se faz tráfico de alguma coisa, é de sapatos e não de cocaína. Também se me convidasse para cheirar uma linha não teria sorte nenhuma. Ando com o nariz arreliadoramente entupido. Nem cocaína nem simples chulé…


Guayaquil – O meu hotel fica no 6 Paseo, Ciudadela Vernaza Norte, bairro tranquilo, de casas rasteiras, não longe do aeroporto que o separa das águas castanhas do rio Guayas e quase na margem da Avenida de Las Americas que conduz ao centro da cidade. Tem um pátio mal amanhado cheio de cactos e, logo ao lado, um restaurante que serve qualquer coisa como dez pratos diferentes de frango grelhado e “cervecitas para ahora e para ahorita”, lugar ideal para me sentar a escrever quando a hora o exige. De Quito a Guayaquil é sempre a descer. Afinal entramos no avião a 2850 metros de altitude e saímos dele a 4 metros do nível do mar. É como se o aeroplano entrasse num escorrega. Um amigo de outros tempos, que era da Polícia Judiciária, não conseguia deixar de se fascinar como era fácil detetar nos aeroportos os correios de droga que vinham dos países da América Latina – gente recrutada no meio dos camponeses, não resistia a gastar os primeiros tostões que recebia em sapatos novos. Longe de suspeitar do jovem mal enfarpelado que viajou a meu lado de Madrid até Quito. Cabelos que pareciam um ninho de urubus, um casaquito a imitar napa, calças ao pendurão mas, meus caros, os sapatos cegavam de um brilho intenso engraçados e polidos no seu magnífico tom de merda de menino em tempo de aleitamento. Encantei-me: bicudos, com uns arrebiques, ficavam de tal forma deslocados nas patas do dono (imagino que não tenham sido emprestados) que me deixaram a pensar na teoria do meu amigo judite, admito-o sem rebuço. O moço roncou largas horas, atirou os fiapos do ninho de urubus para cima do meu ombro, descalçou os calcantes e guardou-os dentro de um saquinho de pano como preciosidade que eram e não lhe ouvi uma palavra. Cá para mim, se faz tráfico de alguma coisa, é de sapatos e não de cocaína. Também se me convidasse para cheirar uma linha não teria sorte nenhuma. Ando com o nariz arreliadoramente entupido. Nem cocaína nem simples chulé…

Traficante de sapatos


Cá para mim, se faz tráfico de alguma coisa, é de sapatos e não de cocaína. Também se me convidasse para cheirar uma linha não teria sorte nenhuma. Ando com o nariz arreliadoramente entupido. Nem cocaína nem simples chulé…


Guayaquil – O meu hotel fica no 6 Paseo, Ciudadela Vernaza Norte, bairro tranquilo, de casas rasteiras, não longe do aeroporto que o separa das águas castanhas do rio Guayas e quase na margem da Avenida de Las Americas que conduz ao centro da cidade. Tem um pátio mal amanhado cheio de cactos e, logo ao lado, um restaurante que serve qualquer coisa como dez pratos diferentes de frango grelhado e “cervecitas para ahora e para ahorita”, lugar ideal para me sentar a escrever quando a hora o exige. De Quito a Guayaquil é sempre a descer. Afinal entramos no avião a 2850 metros de altitude e saímos dele a 4 metros do nível do mar. É como se o aeroplano entrasse num escorrega. Um amigo de outros tempos, que era da Polícia Judiciária, não conseguia deixar de se fascinar como era fácil detetar nos aeroportos os correios de droga que vinham dos países da América Latina – gente recrutada no meio dos camponeses, não resistia a gastar os primeiros tostões que recebia em sapatos novos. Longe de suspeitar do jovem mal enfarpelado que viajou a meu lado de Madrid até Quito. Cabelos que pareciam um ninho de urubus, um casaquito a imitar napa, calças ao pendurão mas, meus caros, os sapatos cegavam de um brilho intenso engraçados e polidos no seu magnífico tom de merda de menino em tempo de aleitamento. Encantei-me: bicudos, com uns arrebiques, ficavam de tal forma deslocados nas patas do dono (imagino que não tenham sido emprestados) que me deixaram a pensar na teoria do meu amigo judite, admito-o sem rebuço. O moço roncou largas horas, atirou os fiapos do ninho de urubus para cima do meu ombro, descalçou os calcantes e guardou-os dentro de um saquinho de pano como preciosidade que eram e não lhe ouvi uma palavra. Cá para mim, se faz tráfico de alguma coisa, é de sapatos e não de cocaína. Também se me convidasse para cheirar uma linha não teria sorte nenhuma. Ando com o nariz arreliadoramente entupido. Nem cocaína nem simples chulé…