E de repente tudo muda


A alteração súbita do projeto das interconexões energéticas a Espanha e à Europa foi Costa no seu melhor. 


Nota prévia: Morreu o Professor Adriano Moreira, um príncipe da nossa República e um Homem Bom. A academia, a política e o sentimento cristão em Portugal ficaram mais pobres.

1. A capacidade de mudança de António Costa face às circunstâncias não para de surpreender. Costa é o rei do taticismo e da oportunidade política, mesmo que isso tenha impactos negativos no país. O esquerdista da “geringonça” é, agora, um fã da austeridade à moda da troika, apenas mais burilado e sem excesso de brutalidade na mensagem, contrastando com Passos. Estamos na fase “soft troika”, em nome do equilíbrio das contas, com recurso a cortes e cativações. António Costa é assim. De um dia para o outro, vira o bico ao prego, ao ponto de nos fazer crer que faz o que sempre disse.

Exemplo disso foi a garantia de que não cortaria nas pensões, o que objetivamente vai fazer ao ralenti e para sempre, contrastando com cortes provisórios anteriores. Há outro caso recentíssimo. Trata-se da súbita evolução do projeto das ligações de Portugal e Espanha à Europa para o fornecimento de gás natural e eletricidade resultante de energias renováveis.

Num passe de mágica, fala-se também em transportar, pelo equipamento de gás, hidrogénio verde (seja lá o que isso for), o que credenciados especialistas asseguram ser muito difícil de fazer dada a porosidade da tubagem. A questão é, portanto, altamente complexa, sendo verdade que havia um acordo desde 2014 que envolvia os países ibéricos, a França e a Europa que estava parado. Possivelmente, nunca iria para a frente por bloqueio de Macron em defesa da sua energia nuclear.

Mas o facto é que, de repente, António Costa mudou tudo e parece ter aceitado uma solução revolucionária que além de favorecer a Espanha, de satisfazer a França, pode prejudicar as potencialidades portuguesas, uma vez que no projeto deixa de se mencionar a interconexão para a eletricidade pelos Pirenéus que nos permitiria exportar energia oriunda de fontes renováveis. P

erante um projeto tão estratégico, o primeiro-ministro nem se deu ao trabalho de acertar posições com o PSD, ao contrário do que fez na procura de uma solução para o aeroporto de Lisboa. Logo que o acordo foi firmado, na quinta-feira, a máquina de propaganda governamental cilindrou os média com a solução milagre. Até que, sábado, Paulo Rangel pôs os pés à parede e exigiu esclarecimentos.

Vem aí, portanto, um folhetim político do tipo “jamais” que nos vai custar muitos novos estudos, vastos bitaites políticos e uma espécie de versão subterrânea da obra de Santa Engrácia. Não há paciência! Não há ciência! Não há método! Não há estratégia nacional concertada! E, possivelmente, também não há dinheiro para nada daquilo!

2. Tão surpreendente como a negociação de Costa sobre as interconexões energéticas, foi a anunciada saída de Cotrim de Figueiredo da liderança da Iniciativa Liberal. Das duas uma: ou a história está mal contada ou é um tremendo erro político. Cotrim é um político de referência e a IL vem em crescendo, fundamentalmente graças a ele. Embora de direita, a IL é um partido com quem todos dialogam.

O argumento usado por Cotrim de que poderia ter de ficar 11 anos à frente do partido cairia sempre pela base perante um mau resultado, porque os partidos renovam-se nas derrotas eleitorais. Além disso, perdem com as crises internas, como é o caso. São precisos mais elementos para perceber o que se passa. Para já, tudo aponta para um tiro no pé.

Um partido liberal em Portugal dificilmente deixará de ser uma organização de nicho social, o que aliás sucede noutros países europeus. A ideia de um partido abrangente e popular que Cotrim defende não bate certo com a matriz da IL. Para já o que há a concluir é que a desestabilização da IL pode ser boa para o PSD, o Chega ou o CDS, mas é má para a construção de uma alternativa ao PS.

3. A Fome! Eram oito e picos da manhã de quinta-feira quando Paulo Macedo, o presidente da Caixa Geral, entrava sereno na Versailles, em Lisboa, provavelmente para um cafezinho. Mal imaginava ele que, mais ou menos ao mesmo tempo, milhões de portugueses acordavam com outra preocupação: ver se já tinham na conta os dinheiros que António Costa prometeu para ajudar a combater a inflação. Foi tal a corrida que os sistemas bancários foram abaixo. Mais do que muitas sondagens esta corrida à consulta diz muito sobre Portugal e a fome que leva também a que empresas retalhistas coloquem alarmes em latas de atum para evitar roubos. Tuga não rouba Beluga! Rouba atum, coitado!

4. Segundo o Público, há juízes do Tribunal Constitucional que ganham o direito a uma pensão vitalícia, em resultado do seu processo de substituição por cooptação se arrastar, mantendo-os dez anos e mais no lugar. Teoricamente, o tempo limite de mandato seria nove anos, mas o arrastamento permite facilmente ir aos dez. Basta isso e ter mais de 40 anos para poder aceder à pensão, nos termos da lei orgânica do TC. Ao que parece, esta generosa interpretação é acompanhada pela Caixa Geral de Aposentações, a quem compete pagar. Alguns juristas referem que os juízes deveriam recorrer ao dever moral de demissão ao fim de nove anos, forçando a substituição e evitando este aproveitamento. “Siga a cega-rega só não dança quem não quer. É encher a saca, chupar na teta da vaca, enquanto houver”, cantava sabiamente Raul Solnado.

5. Gouveia e Melo não sai das manchetes, o que se percebe num putativo candidato a Belém, precisamente o que mais apoios soma em sondagens a mais de quatro anos da meta. Esperemos que, até lá, se descubra quem são os criminosos que têm vindo a ameaçá-lo, a ele e à mulher, seja por tentar fazer uma limpeza no corpo de fuzileiros, seja por estar a pôr ordem em negociatas.

No meio dos perigos, Gouveia e Melo fez saber recentemente que teve tempo para inventar o conceito de “porta-drones” (uma espécie de porta-aviões pequenino, mas absolutamente revolucionário, segundo o informado Expresso). Dizia ainda a notícia que o Almirante convenceu muita gente de topo para inscrever 130 milhões no PRR para que este navio revolucionário veja a luz do dia. Pode ser que sim, mas uma consulta aos projetos PRR não permite detetar a verba, o que, porventura, pode significar que o navio terá também capacidades submarinas. Para já, quem está sempre à tona de água é o próprio Gouveia e Melo.

6. Manuel Coelho da Silva, presidente do conselho de Opinião (CO) da RTP, faleceu inesperadamente na passada sexta-feira. Ao longo de anos, foi sendo confirmado como presidente daquele órgão, onde conseguiu reunir consensos sobre matérias complexas e controversas sempre com o propósito de melhorar a qualidade do serviço público de rádio e de televisão. Advogado de profissão, era “um homem de princípios e valores, de causas e convicções humanistas”, como, muito bem, acentuaram os restantes membros do CO na nota de pesar que emitiram.

7. Na China, o congresso do partido comunista entronizou Xi Jinping. Já não é o presidente, mas o monarca do Império do Meio. O momento alto foi a evacuação escoltada e vigorosa do ex-Presidente Hu Jintao, que estava sentado ao lado de Xi. Nenhum dos congressistas piou, enquanto Xi assistiu impassível a uma humilhação provavelmente preparada para servir de exemplo. Por cá, também ninguém piou. Nem os partidos da esquerda marxista, nem no vasto grupo de quadros e políticos que a China por cá agenciou. O silêncio é ouro. E o respeitinho é muito bonito.

8. Na semana passada identificou-se nesta coluna o vereador Ângelo Pereira como sendo vice-presidente da Câmara de Lisboa, o que é incorreto. Essas funções são exercidas por Filipe Anacoreta Correia. 

E de repente tudo muda


A alteração súbita do projeto das interconexões energéticas a Espanha e à Europa foi Costa no seu melhor. 


Nota prévia: Morreu o Professor Adriano Moreira, um príncipe da nossa República e um Homem Bom. A academia, a política e o sentimento cristão em Portugal ficaram mais pobres.

1. A capacidade de mudança de António Costa face às circunstâncias não para de surpreender. Costa é o rei do taticismo e da oportunidade política, mesmo que isso tenha impactos negativos no país. O esquerdista da “geringonça” é, agora, um fã da austeridade à moda da troika, apenas mais burilado e sem excesso de brutalidade na mensagem, contrastando com Passos. Estamos na fase “soft troika”, em nome do equilíbrio das contas, com recurso a cortes e cativações. António Costa é assim. De um dia para o outro, vira o bico ao prego, ao ponto de nos fazer crer que faz o que sempre disse.

Exemplo disso foi a garantia de que não cortaria nas pensões, o que objetivamente vai fazer ao ralenti e para sempre, contrastando com cortes provisórios anteriores. Há outro caso recentíssimo. Trata-se da súbita evolução do projeto das ligações de Portugal e Espanha à Europa para o fornecimento de gás natural e eletricidade resultante de energias renováveis.

Num passe de mágica, fala-se também em transportar, pelo equipamento de gás, hidrogénio verde (seja lá o que isso for), o que credenciados especialistas asseguram ser muito difícil de fazer dada a porosidade da tubagem. A questão é, portanto, altamente complexa, sendo verdade que havia um acordo desde 2014 que envolvia os países ibéricos, a França e a Europa que estava parado. Possivelmente, nunca iria para a frente por bloqueio de Macron em defesa da sua energia nuclear.

Mas o facto é que, de repente, António Costa mudou tudo e parece ter aceitado uma solução revolucionária que além de favorecer a Espanha, de satisfazer a França, pode prejudicar as potencialidades portuguesas, uma vez que no projeto deixa de se mencionar a interconexão para a eletricidade pelos Pirenéus que nos permitiria exportar energia oriunda de fontes renováveis. P

erante um projeto tão estratégico, o primeiro-ministro nem se deu ao trabalho de acertar posições com o PSD, ao contrário do que fez na procura de uma solução para o aeroporto de Lisboa. Logo que o acordo foi firmado, na quinta-feira, a máquina de propaganda governamental cilindrou os média com a solução milagre. Até que, sábado, Paulo Rangel pôs os pés à parede e exigiu esclarecimentos.

Vem aí, portanto, um folhetim político do tipo “jamais” que nos vai custar muitos novos estudos, vastos bitaites políticos e uma espécie de versão subterrânea da obra de Santa Engrácia. Não há paciência! Não há ciência! Não há método! Não há estratégia nacional concertada! E, possivelmente, também não há dinheiro para nada daquilo!

2. Tão surpreendente como a negociação de Costa sobre as interconexões energéticas, foi a anunciada saída de Cotrim de Figueiredo da liderança da Iniciativa Liberal. Das duas uma: ou a história está mal contada ou é um tremendo erro político. Cotrim é um político de referência e a IL vem em crescendo, fundamentalmente graças a ele. Embora de direita, a IL é um partido com quem todos dialogam.

O argumento usado por Cotrim de que poderia ter de ficar 11 anos à frente do partido cairia sempre pela base perante um mau resultado, porque os partidos renovam-se nas derrotas eleitorais. Além disso, perdem com as crises internas, como é o caso. São precisos mais elementos para perceber o que se passa. Para já, tudo aponta para um tiro no pé.

Um partido liberal em Portugal dificilmente deixará de ser uma organização de nicho social, o que aliás sucede noutros países europeus. A ideia de um partido abrangente e popular que Cotrim defende não bate certo com a matriz da IL. Para já o que há a concluir é que a desestabilização da IL pode ser boa para o PSD, o Chega ou o CDS, mas é má para a construção de uma alternativa ao PS.

3. A Fome! Eram oito e picos da manhã de quinta-feira quando Paulo Macedo, o presidente da Caixa Geral, entrava sereno na Versailles, em Lisboa, provavelmente para um cafezinho. Mal imaginava ele que, mais ou menos ao mesmo tempo, milhões de portugueses acordavam com outra preocupação: ver se já tinham na conta os dinheiros que António Costa prometeu para ajudar a combater a inflação. Foi tal a corrida que os sistemas bancários foram abaixo. Mais do que muitas sondagens esta corrida à consulta diz muito sobre Portugal e a fome que leva também a que empresas retalhistas coloquem alarmes em latas de atum para evitar roubos. Tuga não rouba Beluga! Rouba atum, coitado!

4. Segundo o Público, há juízes do Tribunal Constitucional que ganham o direito a uma pensão vitalícia, em resultado do seu processo de substituição por cooptação se arrastar, mantendo-os dez anos e mais no lugar. Teoricamente, o tempo limite de mandato seria nove anos, mas o arrastamento permite facilmente ir aos dez. Basta isso e ter mais de 40 anos para poder aceder à pensão, nos termos da lei orgânica do TC. Ao que parece, esta generosa interpretação é acompanhada pela Caixa Geral de Aposentações, a quem compete pagar. Alguns juristas referem que os juízes deveriam recorrer ao dever moral de demissão ao fim de nove anos, forçando a substituição e evitando este aproveitamento. “Siga a cega-rega só não dança quem não quer. É encher a saca, chupar na teta da vaca, enquanto houver”, cantava sabiamente Raul Solnado.

5. Gouveia e Melo não sai das manchetes, o que se percebe num putativo candidato a Belém, precisamente o que mais apoios soma em sondagens a mais de quatro anos da meta. Esperemos que, até lá, se descubra quem são os criminosos que têm vindo a ameaçá-lo, a ele e à mulher, seja por tentar fazer uma limpeza no corpo de fuzileiros, seja por estar a pôr ordem em negociatas.

No meio dos perigos, Gouveia e Melo fez saber recentemente que teve tempo para inventar o conceito de “porta-drones” (uma espécie de porta-aviões pequenino, mas absolutamente revolucionário, segundo o informado Expresso). Dizia ainda a notícia que o Almirante convenceu muita gente de topo para inscrever 130 milhões no PRR para que este navio revolucionário veja a luz do dia. Pode ser que sim, mas uma consulta aos projetos PRR não permite detetar a verba, o que, porventura, pode significar que o navio terá também capacidades submarinas. Para já, quem está sempre à tona de água é o próprio Gouveia e Melo.

6. Manuel Coelho da Silva, presidente do conselho de Opinião (CO) da RTP, faleceu inesperadamente na passada sexta-feira. Ao longo de anos, foi sendo confirmado como presidente daquele órgão, onde conseguiu reunir consensos sobre matérias complexas e controversas sempre com o propósito de melhorar a qualidade do serviço público de rádio e de televisão. Advogado de profissão, era “um homem de princípios e valores, de causas e convicções humanistas”, como, muito bem, acentuaram os restantes membros do CO na nota de pesar que emitiram.

7. Na China, o congresso do partido comunista entronizou Xi Jinping. Já não é o presidente, mas o monarca do Império do Meio. O momento alto foi a evacuação escoltada e vigorosa do ex-Presidente Hu Jintao, que estava sentado ao lado de Xi. Nenhum dos congressistas piou, enquanto Xi assistiu impassível a uma humilhação provavelmente preparada para servir de exemplo. Por cá, também ninguém piou. Nem os partidos da esquerda marxista, nem no vasto grupo de quadros e políticos que a China por cá agenciou. O silêncio é ouro. E o respeitinho é muito bonito.

8. Na semana passada identificou-se nesta coluna o vereador Ângelo Pereira como sendo vice-presidente da Câmara de Lisboa, o que é incorreto. Essas funções são exercidas por Filipe Anacoreta Correia.