TAP. 1,2 milhões por mês por 2 aviões parados

TAP. 1,2 milhões por mês por 2 aviões parados


Companhia aérea comprou 8 ATR-72, devolveu seis mas continua a ser penalizada e dois estão parados na pista. Perdas vão-se somando, numa altura, em que afasta a White Airways.


por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

A polémica em torno da gestão da TAP_continua. Ainda antes de ter sido alvo de reversão de privatização por parte do Governo de António Costa – em que 61% do capital da companhia aérea estava nas mãos do consórcio Atlantic Gateway (Humberto Pedrosa com 51% e David Neeleman com 49%) – a empresa renovou a sua oferta com aeronaves ATR-72 e Embraer 190 – transferidos da Azul. Ao que o Nascer do SOL apurou, dos oito ATR-72 adquiridos, seis foram entregues com a empresa a ser penalizada todos os meses em 270 mil dólares por aparelho e manteve dois, prolongando o leasing até 2029. No entanto, estes dois continuam parados na Portela, o que representa um prejuízo de 1,2 milhões de euros por mês.

«Com seis aeronaves que paga, mas não utiliza, sabe-se que a TAP afasta a companhia nacional White para contratar a Xfly da Estónia para operar os dois ATR que restam e mais um que será objeto de contratação complementar», diz fonte ouvida pelo Nascer do SOL, lembrando que, «para serem entregues aos proprietários, os aparelhos precisam de ser intervencionados, num processo que não é rápido».

Ainda esta semana, a TAP revelou que vai lançar «um pedido de proposta a vários operadores de ATR, a fim de otimizar a frota a operar ao seu serviço, aumentar a fiabilidade e reduzir os custos», disse em comunicado.

O ATR-72 é uma aeronave comercial bimotora com capacidade para transportar até 72 passageiros em voos regionais. Tendo sido desenvolvida e fabricada em larga escala na França, a partir da década de 1980, pela ATR – Avions de Transport Régional.

Estes problemas não são novos. Já o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) tinha alertado que continuam parados os dois aviões A330 ‘convertidos’ em cargueiros, o que, de acordo com a estrutura sindical, representa um prejuízo um milhão de euros por mês. «Um prejuízo acumulado a ultrapassar os 21 milhões de euros. Assumido o falhanço da conversão, serão agora reconvertidos para aviões de passageiros, com o inerente custo adicional de material, mão de obra especializada e homologações, com custos que representam mais alguns milhões de euros perdidos, neste processo inútil de converte/desconverte», salienta.

A questão ganha novos contornos depois de o SPAC ter revelado que, em 2022, «depois de ter dispensado aviões e pilotos, a TAP quase triplicou a contratação externa com contratos de ACMI a várias companhias aéreas, algumas com sede em paraísos fiscais. As contas deste ano vão refletir a profundidade desta ação com bastante mais que os 200 milhões de euros pagos em 2018».

 

Futuro incerto

A mudança de posição do Governo em relação à TAP não deixou ninguém indiferente, principalmente a Oposição. Um dos primeiros passos de António Costa, assim que assumiu o seu primeiro mandato, foi reverter o processo de privatização levado a cabo pelo Governo de Passos Coelho. E cinco anos depois passou totalmente para a esfera pública depois de o Executivo ter considerado que os acionistas privados tinham falhado os seus compromissos. E, numa altura em que o tema privatização volta a estar em cima da mesa, Pedro Nuno Santos garante que a salvação da companhia aérea passa por integrar a companhia aérea num grande grupo. «Foi sempre claro para nós [Governo] que, num mercado tão fortemente globalizado e competitivo, a TAP não conseguiria sobreviver, a médio prazo, sozinha. A integração da TAP num grupo criaria sinergias importantes e traria resiliência para enfrentar a volatilidade tão característica da aviação. Esta pode ser mesmo a única maneira de assegurar a viabilidade de uma empresa estratégica para o país», afirmou o ministro das Infraestruturas.

O assunto tem dado pano para mangas e Pedro Nuno Santos voltou ao Parlamento para o defender e garantir que o processo de privatização ainda não teve início. «Não tenho nada para vos dizer sobre um processo que não se iniciou», disse o ministro no Parlamento.

O governante acrescentou ter sempre defendido que a companhia aérea devia estar integrada num grande grupo de aviação, garantindo que essa intenção «não é nenhuma novidade». E acrescentou: «Não se iniciou nenhum processo de privatização, neste momento, e portanto não tenho nada para dizer sobre um processo que não se iniciou. A única coisa que foi sempre assumida foi a de que entendíamos que a TAP é uma companhia aérea que num setor altamente globalizado e consolidado não deve ficar sozinha, a melhor forma de garantir a viabilidade a médio e longo prazo é estar integrada num grande grupo de aviação».

Para o ministro, «esta é a posição do Governo. Ao contrário do que o maior partido da oposição tem tentado transmitir, não há nenhuma cambalhota, há uma coerência ao longo do tempo». E voltou ainda a falar sobre os problemas da TAP que, «infelizmente, enfrenta muitos desafios, tem muitas dificuldades». Mas, apesar dos problemas, Pedro Nuno Santos destaca que «está a fazer um caminho de recuperação bem-sucedido», tendo até já começado «a pagar ao povo português. Paga em exportações, em passageiros e turistas que transporta, em impostos que o Estado paga, paga à economia e foi pela economia que nos intervencionámos a TAP».

E diz que «sem plano de reestruturação, sem o enorme esforço dos trabalhadores», o Estado teria de «injetar mais 1,3 mil milhões de euros na TAP», além dos 3,2 mil milhões aprovados por Bruxelas. O ministro disse também não perceber «como é que algum dia o PSD vai reunir as condições para governar Portugal», lembrando que os sociais-democratas continuam «com debates atrás de debates a não dizer o que faria de diferente», e aproveitando para criticar o processo de privatização, em 2015, do Governo de Pedro Passos Coelho. «O PSD quando foi Governo vendeu a TAP por dez milhões, responsabilizando-se por dívidas passadas e futuras», disse, acrescentando que foram enviadas aos bancos financiadores da companhia cartas de conforto em que o Estado se comprometia a recomprar ações da TAP, se a transportadora entrasse em incumprimento. «Se o negócio correr mal, nós estamos aqui».

E continuou: «Em vez de vender a um acionista que capitalizasse a empresa, vendeu a um acionista que a endividou». Nessa altura, a TAP «suspeitou que estaríamos apagar mais pelos aviões do que os concorrentes».

 

Cronologia

A reversão da privatização da TAP foi uma das principais bandeiras do primeiro Governo de António Costa, com a justificação de que a companhia era estratégica para o país e que, por essa razão, devia ser pública. E, desde aí, «os portugueses já gastaram mais de 3 mil milhões de euros na companhia aérea», acusou o Chega.

Em 2015, António Costa garantiu que a companhia aérea ia voltar a ser pública num debate na Assembleia da República.

Nessa altura, Jerónimo de Sousa denunciava um «saque» na empresa com a entrada de acionistas privados e o primeiro-ministro garantia então que só existia uma saída: «Negociar a aquisição pelo Estado dos 51% do capital» da companhia aérea, o que considerava «vital».

«O Estado deve manter a maioria do capital da TAP» uma vez que «não é só uma companhia de aviação, é a garantia da independência nacional, da ligação do nosso território descontínuo e as comunidades emigrantes e um instrumento fundamental para economia portuguesa e para a afirmação da plataforma atlântica de Portugal», disse, acrescentando que «esse é o instrumento que é a TAP e em circunstância alguma o Estado poderá perder a maioria do capital da TAP».

E foi o que fez. Mas três anos mais tarde, a Parpública, holding do Estado que controla a participação pública no capital da TAP, lançou um alerta no relatório e contas, considerando que, «apesar de deter 50% dos direitos de voto na TAP, SGPS, SA não detém o controlo, mas uma influência significativa».

Um mês mais tarde, uma auditoria do Tribunal de Contas ao processo de reversão de privatização dizia que o processo «não conduziu ao resultado mais eficiente», porque «não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa».

Em 2020 assistimos a outra reviravolta. Com a pandemia e com os consequentes prejuízos, a companhia aérea não viu outro destino se não entrar para as mãos do Estado. Em outubro, o Estado tornou-se dono de 72,5% do capital da TAP SGPS, com a concretização da compra dos 22,5% que estavam nas mãos de David Neeleman e da Azul, por via da Atlantic Gateway. E viu-se obrigado a pedir ajuda a Bruxelas que em troca de injeção de capital exigiu um plano de reestruturação.

O discurso volta a mudar no início deste ano. Em janeiro, António Costa, num debate televisivo com o então líder do PSD, Rui Rio, disse disse que a companhia estaria «em condições de, assim que possível, podermos alienar 50% do capital», acrescentando que, «felizmente, há já outras companhias interessadas em adquirir».

Já em setembro deste ano, o primeiro-ministro admitia que o Estado poderá perder dinheiro com a privatização da TAP, que António Costa quer que ocorra nos próximos doze meses, havendo a expectativa de que a Lufthansa concorresse.