Hoje é o Dia Europeu do Advogado, no qual as diversas Ordens de Advogados da Europa comemoram o papel insubstituível dos Advogados na defesa do Estado de Direito e dos direitos fundamentais dos cidadãos. Em Portugal os Advogados desempenharam nos últimos anos uma função absolutamente essencial para a defesa dos cidadãos, perante as sucessivas medidas inconstitucionais que foram decretadas pelo Governo durante a pandemia, sem que nenhuma das entidades com competência para o fazer tivesse procedido à fiscalização da sua constitucionalidade. Os direitos dos cidadãos só puderam ser defendidos no nosso país porque houve Advogados que corajosamente recorreram aos Tribunais em defesa dos seus constituintes, os quais quase sempre lhes deram razão.
Por esse motivo, durante a Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial 2022, que teve lugar no passado dia 20 de Abril, tive ocasião, enquanto Bastonário da Ordem dos Advogados, de apelar a que fosse elaborado um relatório sobre a violação dos direitos fundamentais ocorrida durante a pandemia, em ordem a que violações semelhantes não se voltassem a repetir. Infelizmente parece que ninguém quis assumir essa tarefa, mas o Tribunal Constitucional acaba de publicar uma compilação das suas mais importantes decisões que se relacionam com o impacto da pandemia Covid-19 na sociedade e nos direitos fundamentais dos cidadãos (acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/file/dossier_covid_outubro2022.pdf?src=1&mid=6909&bid=5516). Dessa compilação resultou ter havido inconstitucionalidade das medidas decretadas no âmbito da pandemia Covid-19 em 23 dos 32 casos que foram submetidos à sua apreciação, uma média impressionante de 72% de decisões decretando a inconstitucionalidade das medidas, o que demonstra ter o país vivido completamente à margem da Constituição durante este período pandémico, com a sistemática e grosseira violação dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Entre as medidas julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional verifica-se a criação de crimes de desobediência por resolução do Conselho de Ministros (acórdãos 921/2021, 350/2022 e 617/2022) ou por decreto do Governo (acórdãos 477/2022, 557/2022, 619/2022); a instituição de períodos de confinamento obrigatório ou de isolamento profilático a passageiros de determinados vôos (acórdãos 424/2020, 687/2020, 729/2020, 769/2020, 173/2021, 90/2022, 352/2022, 464/2022, 465/2022 e 510/2022); a instituição de períodos de confinamento obrigatório a cidadãos por decisão administrativa das autoridades de saúde (acórdãos 88/2022, 89/2022, 334/2022, 336/2022, 351/2022, 353/2022 e 466/2022); e a proibição, também por decisão administrativa, de frequência escolar a alunos quando surgisse um caso positivo na turma (acórdãos 489/2022 e 490/2022).
Todas estas decisões do Tribunal Constitucional só se verificaram porque houve Advogados que corajosamente apresentarem nos Tribunais pedidos de “habeas corpus” em defesa dos cidadãos lesados. O problema é que apenas se aplicam a estes poucos casos, uma vez que, como se disse, ninguém solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta da constitucionalidade destas medidas. É por isso que há muito defendemos que deve ser atribuída à Ordem dos Advogados essa competência, como aliás sucede no Brasil.
Em qualquer caso, torna-se imperiosa a elaboração de um relatório sobre a violação dos direitos fundamentais durante a pandemia. O artigo 22º da Constituição estabelece que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”. É mais do que tempo de essas responsabilidades serem assumidas.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990