Crispação


Os elevadores sociais estão cada vez mais enferrujados e a realização em comunidade ou em família é cada vez mais insuficiente para compensar obstáculos individuais ou coletivos que vão surgindo.


Que as coisas andam crispadas pela nossa terra, num estado de espírito transversal que cobre todas as dimensões da nossa vida em sociedade, de há muito que não era segredo para mim, embora alguns alargamentos bruscos a certas instituições normalmente mais recatadas, me tenham apanhado de surpresa.

No contexto da União Europeia, vou também notando essa crispação, embora o meu menor nível de proximidade às agendas nacionais e locais me façam sentir uma maior calma aparente, mas que só pode ser fruto do distanciamento e do desconhecimento. O que vou vendo acontecer nas ações e manifestações de rua nas cidades em que vou exercendo o meu mandato, indiciam também o fervilhar de uma enorme crispação política, económica e social.   

Nos últimos tempos tive também a oportunidade de realizar algumas missões no Continente Africano. Sendo mais difícil penetrar no tecido social para além dos contactos de carater oficial ou oficioso, uma visão panorâmica complementada com uma atenção especial aos media locais e às interações esporádicas com as comunidades, permite-me concluir que à sua maneira, a parte do continente que está interconectado com o que se passa no mundo, também sofre de elevados níveis de crispação e disso emerge uma maior conflitualidade, por vezes desembocando mesmo em Golpes de Estado fundamentados numa alegada interpretação do sentimento popular.

Não é difícil perceber os fatores que potenciam a crispação. Depois da pandemia, das consequências cada vez mais visíveis das alterações climáticas e da ação corrosiva dos propagadores de falsas notícias, uma guerra com impacto global tornou ainda mais expostas as fraturas da sociedade, exibiu a riqueza escandalosa de muito poucos e a pobreza inumana de biliões e fez cair em situações difíceis e frustrantes de vida outros muitos milhões da designada classe média remediada. A acrescentar a este cenário, as perspetivas e cenários propalados castram a esperança. Os elevadores sociais estão cada vez mais enferrujados e a realização em comunidade ou em família é cada vez mais insuficiente para compensar obstáculos individuais ou coletivos que vão surgindo.   

O quadro que tracei é fortemente potenciado pela aceleração da comunicação e pela demonstração clara em todos os barómetros e estudos de audiências, que num quadro de ansiedade as massas preferem uma comunicação que os conforta porque “ao fim e ao cabo ainda há quem esteja pior”, do que uma comunicação focada naquilo que corre bem e pode ser replicado em nome de um mundo melhor. 

Não pretendo culpar os media de nada. Eles aliás são o fruto do mundo que juntos construímos e podemos modificar.  A comunicação social privada vive de vender aos seus públicos o que eles desejam. A pública deveria ser diferente, mas salvo raras exceções, embarca na onda e esvazia a dimensão cívica e pedagógica que lhe dá sentido.

Tal como aqueles filmes ou livros que nos cortam a respiração até ao fim para depois concluírem que nada se pode concluir, tenho consciência que este meu texto é mais um reflexo de um estado de alma. Resolver os problemas é o caminho. Comunicar mais o lado bom da vida ajudaria a torná-lo possível e a diminuir a crispação.  

Eurodeputado do PS

Crispação


Os elevadores sociais estão cada vez mais enferrujados e a realização em comunidade ou em família é cada vez mais insuficiente para compensar obstáculos individuais ou coletivos que vão surgindo.


Que as coisas andam crispadas pela nossa terra, num estado de espírito transversal que cobre todas as dimensões da nossa vida em sociedade, de há muito que não era segredo para mim, embora alguns alargamentos bruscos a certas instituições normalmente mais recatadas, me tenham apanhado de surpresa.

No contexto da União Europeia, vou também notando essa crispação, embora o meu menor nível de proximidade às agendas nacionais e locais me façam sentir uma maior calma aparente, mas que só pode ser fruto do distanciamento e do desconhecimento. O que vou vendo acontecer nas ações e manifestações de rua nas cidades em que vou exercendo o meu mandato, indiciam também o fervilhar de uma enorme crispação política, económica e social.   

Nos últimos tempos tive também a oportunidade de realizar algumas missões no Continente Africano. Sendo mais difícil penetrar no tecido social para além dos contactos de carater oficial ou oficioso, uma visão panorâmica complementada com uma atenção especial aos media locais e às interações esporádicas com as comunidades, permite-me concluir que à sua maneira, a parte do continente que está interconectado com o que se passa no mundo, também sofre de elevados níveis de crispação e disso emerge uma maior conflitualidade, por vezes desembocando mesmo em Golpes de Estado fundamentados numa alegada interpretação do sentimento popular.

Não é difícil perceber os fatores que potenciam a crispação. Depois da pandemia, das consequências cada vez mais visíveis das alterações climáticas e da ação corrosiva dos propagadores de falsas notícias, uma guerra com impacto global tornou ainda mais expostas as fraturas da sociedade, exibiu a riqueza escandalosa de muito poucos e a pobreza inumana de biliões e fez cair em situações difíceis e frustrantes de vida outros muitos milhões da designada classe média remediada. A acrescentar a este cenário, as perspetivas e cenários propalados castram a esperança. Os elevadores sociais estão cada vez mais enferrujados e a realização em comunidade ou em família é cada vez mais insuficiente para compensar obstáculos individuais ou coletivos que vão surgindo.   

O quadro que tracei é fortemente potenciado pela aceleração da comunicação e pela demonstração clara em todos os barómetros e estudos de audiências, que num quadro de ansiedade as massas preferem uma comunicação que os conforta porque “ao fim e ao cabo ainda há quem esteja pior”, do que uma comunicação focada naquilo que corre bem e pode ser replicado em nome de um mundo melhor. 

Não pretendo culpar os media de nada. Eles aliás são o fruto do mundo que juntos construímos e podemos modificar.  A comunicação social privada vive de vender aos seus públicos o que eles desejam. A pública deveria ser diferente, mas salvo raras exceções, embarca na onda e esvazia a dimensão cívica e pedagógica que lhe dá sentido.

Tal como aqueles filmes ou livros que nos cortam a respiração até ao fim para depois concluírem que nada se pode concluir, tenho consciência que este meu texto é mais um reflexo de um estado de alma. Resolver os problemas é o caminho. Comunicar mais o lado bom da vida ajudaria a torná-lo possível e a diminuir a crispação.  

Eurodeputado do PS