A linha de uma vida no setor público e agora no privado, permite um distanciamento que os submergidos nas dinâmicas do Estado e das suas especificidades não beneficiam. Por incompetência, incapacidade ou burrice vislumbra-se um traço, quiçá congénito, de falta de defesa do que é nosso e do que conta para modelar e estabelecer as dinâmicas individuais, comunitárias e dos territórios, em demasiados processos.
Não é um problema de Bruxelas, porque, mesmo observando a teia burocrática das instituições europeias, a Espanha ou a França, entre o poder central e o poder regional, conseguem agilizar essa proteção nacional na concretização de ideias, projetos e iniciativas.
Não é um problema dos discursos políticos, mais ou menos inflamados de algum nacionalismo ou populismo, em que se reafirma o compromisso com o que é nacional, no quadro das vivências europeias. Ainda há pouco, a TAP era uma prioridade essencial para a salvaguarda da economia nacional e agora está à beira de uma nova privatização, depois do basculante estatal ter despejado milhões de euros do erário público na empresa.
O problema vem de trás, mas permanece perene às mudanças de governo, às esquerdas e às direitas, aos bons e maus momentos. Cada quadro comunitário é um embrulho burocrático que nunca está orientado para a concretização, conciliando agilização com escrutínio e transparência. É claro que pode haver valores mais altos que se levantam, mas não são os da defesa do que é nosso, do interesse geral e do bem comum. Basta recordar que por ocasião da privatização dos CTT, o país sobressaltou-se por não haver uma identificação dos ativos estratégicos nacionais.
Estávamos em 2012 e, apesar das privatizações promovidas pelo Governo PSD/CDS, abrangendo a EDP, a REN, a GALP, a CP Carga, a ANA, a TAP, os CTT e considerando, igualmente, a possível venda de um dos canais da RTP e das Águas de Portugal, Portugal não tinha definido o que importava para o interesse geral. O regime de salvaguarda dos ativos estratégicos nacionais deveria ter sido publicado até dezembro de 2011.
Numa proposta de alteração à proposta de lei do Orçamento do Estado para 2013 entregue à Assembleia da República, o PS defendeu a suspensão das vendas de ativos em curso (ANA e da TAP) até que o governo publicasse o “regime extraordinário para salvaguarda de ativos estratégicos em setores fundamentais para o interesse nacional”. O diploma de salvaguarda dos ativos estratégicos no sentido de permitir que o Governo possa intervir, nos casos de privatizações, em setores estratégicos como os da energia e telecomunicações para salvaguardar o interesse nacional, só foi aprovado em conselho de ministros em novembro de 2013, depois de quase tudo desbaratado.
Pode ser um problema de sobreposição do interesse das quintinhas, dos pequenos poderes da estrutura do Estado ou da captura do bem comum por interesses particulares, mas os anos passam neste quase meio século de democracia e a saga prossegue.
A TAP é palco fértil deste delapidar de ativos nacionais em que se trocam empresas nacionais por empresas estrangeiras, com riscos para a sua sustentabilidade, o emprego e as receitas do Estado, mas há mais.
Como é possível não conseguir a salvaguarda do que é nosso, fiável e comprovado em compromisso com as comunidades.
Como é possível essa total ausência de proteção aos interesses dos nacionais em concursos tão díspares como a prestação de serviços de radioterapia a doentes oncológicos do Algarve a prestar por clínica espanhola de Sevilha a 400 quilómetros de distância para cada tratamento ou na inacreditável atribuição da concessão de jogo para os Casinos de Estoril e Lisboa, em que os critérios de adjudicação permitem a uma frágil casa de apostas espanhola a apresentação da melhor proposta quantitativa?
Como pode o Estado ser tão displicente e leviano na salvaguarda do que é nosso?
Como podemos, como cidadãos e comunidade de destinos, permitir este claudicar na defesa do que é de todos?
Bem sei que temos um mercado comum e que há regras de concorrência comunitárias, mas além da questão da escala das empresas, quantos casos existem de empresas portuguesas que ganham grandes concursos internacionais em Espanha, em França ou noutras latitudes europeias?
Ser resiliente é também ter esta noção de que é necessário encontrar novos pontos de equilíbrio nas nossas opções individuais e comunitárias, sem perder noção do compromisso europeu, da dimensão lusófona e da globalização que, mais ou menos amarfanhada pelas limitações, vão continuar a ter uma relevância considerável.
Num país de escassez de recursos, as opções tendem a estar condicionadas pelas disponibilidades. Que ao menos saibamos individual e coletivamente optar por defender o que é nosso, no consumo, nos concursos, na salvaguarda do que é estratégico para gerar dinâmicas positivas ao nível local, regional e nacional.
Não o fazer, é persistir numa deriva de tansos em que, na falta de visão e sentido estratégico, parece que os outros são mais inteligentes e espertos que nós, sem deixarem de ser europeístas convictos.
Não o fazer, é nem servir para defender o que é nosso. É poucochinho.
NOTAS FINAIS
BELÉM COMO PARTE DO PROBLEMA. O país tem muitos problemas. O país mitiga muito e resolve pouco. O país que já tinha muitos problemas, percebeu que tem um problema na Presidência em Belém. É muito mais que a verborreia, que é do domínio da forma, tal como as selfies, é um drama de conteúdo. Marcelo quer ser parte do jogo, contrabalanço político e partidário, com margem de autonomia, depois da convergência decisiva na AutoEuropa. Marcelo é parte do problema, mais fala, menos fala. Mais desculpa, menos desculpa.
O BAILADO DA CULPA SOLTEIRA. A novela do Khamov está quase a acabar. É mais um bailado de irresponsabilidade das opções do exercício político, de desastre financeiro e de total ausência de utilidade sustentada dos recursos públicos em que ninguém assume a culpa pelo desastre. Ide para a Ucrânia que já demonstraram um espírito de sobrevivência com aproveitamento das disponibilidades.
A CONSAGRAÇÃO DO ALARME SOCIAL. Há falta de consciência, de noção. Os BMW da TAP recuaram pelo alarme social. Esta consagração sublinha a importância do instituto, que é de uma enorme geometria variável, mas é um incentivo à contestação pública. É fazer barulho que talvez dê reversão.