1. Há provas inequívocas de que Portugal está bem melhor do que alguns pensam. Não há, pois, razão para acreditar nos viperinos Velhos do Restelo. O progresso está em todo o lado, como se vê logo por uma casual recolha de notícias. A ministra Vieira da Silva anunciou que vai haver uma experiência piloto para implantar a semana de quatro dias na função pública. É uma medida essencial e progressista! Vai tornar ainda mais eficaz a nossa Administração central, regional e afim. Fica já a sugestão de que dois dos quatro dias efetivos sejam em teletrabalho, um poderoso meio de progresso da preguiça.
Ao nível da internacionalização e da saúde soube-se que uma empresa de Sevilha ganhou o concurso para tratamentos de radioterapia a doentes oncológicos do Algarve. E assim haverá doentes que farão idas e voltas de 400 km num dia! Vá lá que a empresa ganhadora assegura o transporte. Como é possível!? Enquanto isto, Portugal vai entregar os seus seis helicópteros Kamov – inoperacionais – aos ucranianos. Parece que eles sabem como arranjar os monos comprados quando António Costa tinha a pasta da Administração Interna.
Era interessante um estudo custo/benefício dos Kamov. Na Justiça, dois casos marcantes: não há papel para imprimir mandados de captura ou outras notificações. Há também magistrados e funcionários que levam o seu papel higiénico para o trabalho. Tudo efeitos da guerra, explica o ministério numa nota. Simultaneamente, sabia-se que há uma lei que permite que um preso se afirme homem ou mulher e seja dirigido para a cadeia correspondente. E assim um transgénero que ainda mantinha os apêndices masculinos optou por uma prisão feminina. Tal levou a que as guardas se recusassem longo tempo a passar-lhe a revista corporal obrigatória.
Ao fim de horas e diligências, lá cederam, mas sob protesto. Inopinadamente, veio, entretanto, à estampa a notícia de que Gouveia e Melo tem sido ameaçado desde que disse querer correr com arruaceiros dos fuzileiros. Oportunamente, a informação coincidiu com uma cerimónia da Armada, o que permitiu ao garboso Almirante dizer que não tem medo. Pinheiro de Azevedo tem finalmente um sucessor! No meio disto soube-se que a nossa emblemática marca de sabonetes Ach.
Brito, uma referência mundial, foi vendida por um euro… a um grupo chinês. Já tinham marchado a REN, a EDP, parte do BES e do BCP e muitas outras coisas. Agora apanharam-nos os nossos cheirosos e únicos sabonetes. Há de tudo neste retângulo onde a Pordata diz que, sem apoios sociais, teríamos 4,4 milhões de pobres e, com eles, temos cerca de 2 milhões. É só progresso!
2. Esgotou-se uma semana crucial sem se esmiuçar o Orçamento (OE), o que foi um alívio para o super-sortudo António Costa. Num primeiro tempo, Costa desviou as atenções do tema com um acordo na Concertação Social, envolvendo os seus principais parceiros, salvo a CGTP, como é habitual.
O acordo tem um largo espetro de aplicação, que o mesmo é dizer que daqui por uns tempos é inexequível e ninguém se lembra do conteúdo. Além disso, o documento transformou em marionetes os deputados socialistas, como judiciosamente assinalou (noutros termos) Manuela Ferreira Leite na CNN/Portugal.
Como se não bastasse o acordo para apagar o OE, vieram os temas das sucessivas incompatibilidades, verdadeiras ou supostas, dos membros do governo (a lei de 93 já teve 15 alterações e ainda não serve!!!) e o caso das declarações de Marcelo sobre o número de abusos sexuais na Igreja. Constatou-se logo que o Presidente foi infeliz (nos termos e não na substância). Reafirmou-se que deve falar menos vezes em cima dos eventos para evitar precipitações e desculpas como acabou por apresentar parcialmente.
O problema é que todos sabemos que ele não resiste a um microfone estendido. Foi também por isso que o elegemos e gostamos dele, até para aliviar a circunstância de termos tido em Belém vinte anos de presidentes mais recatados, mas não menos interventores. Sendo um solitário que vive num belo e deprimente palácio, o Presidente tem cada vez mais necessidade de comunicar, mas deve evitar precipitações.
A eventual repetição do caso da semana passada poderia dar azo a que alguém insinuasse que está “lélé da cuca” como lhe perguntou (em jeito de acerto de contas), num recente podcast, Pinto Balsemão, coisa a que Marcelo respondeu com um fugidio “não, não”.
Na China, há o hábito secular das pessoas com responsabilidades especiais pararem e pensarem no que vão dizer cinco minutos antes de abrirem a boca. Já que importamos tanta coisa de lá, talvez essa fosse das mais úteis para quem exerce cargos de exposição pública. António Costa, esse, não precisa. Pratica há muito esse tipo de introspeção e sabe tirar partido das circunstâncias. Viu-se com a declaração de apoio a Marcelo, que muitos outros políticos deveriam ter feito logo e genuinamente. Já ao optar pelo chamado abraço do urso, Costa ficou com um crédito em Belém. Marcelo deve ter gostado em privado, mas em público o presente envenenado não deu jeito e levou-o a agir.
Para agitar as águas, o PR aproveitou uma cerimónia evocativa de Agustina para saudar Passos Coelho como “o sempre primeiro-ministro”. Melhor ainda, considerou que Portugal deve muito a Passos pelo que fez no passado, estando seguro que lhe deverá ainda muito mais no futuro. Irritou Costa ao criar um facto político que Passos terá adorado, apesar de não morrer de amores por Marcelo, o qual começou já a cumprir o que disse ao Expresso: “Não pensem que me vou fechar no Palácio”.
As sucessivas declarações presidenciais têm muitas vezes efeitos perversos. São feitas amiúde depois de eventos para os quais é convidado para mediatizar. O problema é que acabam ignorados pela turba mediática à caça do “sound bitaite” do dia. Alguém se lembra do que disse Marcelo sobre Agustina?
3. Não há semana sem que aconteça uma qualquer bizarria na Câmara de Lisboa. Os lisboetas, sejam alfacinhas de gema ou residentes, sabem bem que a cidade não está fácil para se viver e circular. Ao contrário do Porto, Lisboa é uma cidade aberta. Desde há um ano, dia por dia, tem um presidente, Carlos Moedas, de Beja (o seu antecessor era do Porto), um vice-presidente vindo de Oeiras e uma influente vereadora do urbanismo que migrou de Cascais, respetivamente Ângelo Pereira e Filipa Roseta.
É grave? Possivelmente, não. Mas será que é razoável? Uma equipa de vereadores não deveria ter uma larga tarimba da capital e um conhecimento profundo dos seus hábitos e locais? O olhar de autarca não se pode confundir com o de ministro da nação. Um ano depois da vitória de Moedas, o balanço é poucochinho. Valem certas juntas de freguesia genuinamente lisboetas, apesar dos seus escassos meios e poderes. A última praga são as centenas de esplanadas que ocupam lugares pagos à EMEL por residentes. Trafulhice!
4. Muitos dos nossos ditirâmbicos eventos são apresentados como êxitos privados, embora sem subvenções públicas nada fossem. Para já não falar da Web Summit (6 milhões camarários este ano), veja-se a Portugal Fashion, no Porto. O “happening” deste ano seria o último se o Estado (de alcunha o Paganini) não garantisse cerca de um milhão de euros para 2022. A cada notícia sobre o evento correspondia a aterradora perspetiva do desaparecimento do evento planetário.
Acrescentava-se a informação de que o Ministério da Economia não dava acordo de si. Em cima da hora, Costa Silva deu sinal de vida. Marcou reunião. Suspirou-se de alívio! Para o ano há mais “Fashion”, mais “Summit” e mais uma data de coisas que sem o Estado não se aguentam de pé. Para quando uma contabilidade objetiva de cada evento patrocinado pelo povinho?