Nos vinte anos da Eurojust: a importância de um seminário organizado pelo gabinete italiano em Bari


Sem procurar esconder a realidade, um dos principais oradores acabou por situar o fenómeno da corrupção e consequentes crimes de branqueamento de capitais, não num plano externo e marginal à economia legal, mas já contexto desta.


Na semana passada, tive a feliz oportunidade de participar, a convite do Gabinete italiano na Eurojust e da Escola Superior da Magistratura italiana, num seminário que procurou abordar a experiência da cooperação judiciária realizada através da Eurojust e os desafios que se projetam no futuro.

Teve lugar este seminário a propósito do vigésimo aniversário da Eurojust, tempo suficiente já para uma análise retrospetiva e para uma reflexão prospetiva.

O que, desde logo, me impressionou foi a capacidade jurídica e cultural dos intervenientes, que ao contrário do que muitas vezes sucede, não se limitaram a analisar estritamente os temas e aspetos técnicos da cooperação judiciária que lhes haviam sido propostos.

A grande maioria dos intervenientes conseguiu, sem restrições de qualquer espécie, refletir amplamente, também, sobre as circunstâncias da criminalidade atual e a sua razão de ser.

Neste aspeto, evidencia-se, ainda, a mais global formação universitária que os juristas do sul da Europa ainda têm.

É ela que lhes permite enquadrar num plano mais holístico os desafios da modernidade, sem perda da necessária e mais ampla perspetiva jurídica em que devem ser enquadrados os problemas da reposta à criminalidade atual, no espaço do respeito pelas cartas e convenções internacionais sobre a proteção dos direitos humanos e no dos princípios constitucionais de cada país.

Temas como os da criminalidade digital, das moedas digitais, das mais modernas tecnologias e plataformas da internet, foram sendo, assim, abordados com grande profundidade jurídica e técnica sem que, em simultâneo, se tivessem esquecido as razões políticas, económicas e sociais que facilitam ou promovem tal tipo de atuações ilícitas e criminais.

Podemos dizer, pois, que quase todos os magistrados e outros oradores que intervieram no seminário não se limitaram a discutir os pormenores mais técnicos que aqueles temas sempre envolvem – e, nesse aspeto, fizeram-no com inegável detalhe e profundidade – mas, pelo contrário, procuraram ter, também, sobre eles, uma leitura mais filosófica e compreensiva das suas causas e da sua projeção futura.

Importante foi, neste aspeto, a intervenção de um orador com as maiores responsabilidades na coordenação da resposta jurídica da magistratura italiana às ações das diferentes mafias e redes de criminalidade organizada, que procurou, e soube, enquadrar exemplarmente as estratégias que o organismo judicial que coordena desenvolve numa reflexão político-sociológica sobre a corrupção e os crimes com ela conexos.

Refiro-me, a esse respeito, ao enquadramento que ele fez do resultado dos crimes de branqueamento de capitais na economia legal dos diversos países e nas mais diferentes partes do mundo.

Sem procurar esconder a realidade, tal orador acabou por situar o fenómeno da corrupção e consequentes crimes de branqueamento de capitais, não num plano externo e marginal à economia legal, mas já contexto desta.

Procurou, portanto, alertar a audiência de magistrados presentes para o significado que os proventos de tais crimes têm hoje no financiamento corrente da economia global e das economias nacionais.

Tal reflexão previne, assim, os magistrados que investigam e julgam tal criminalidade para o facto de, na atualidade, ela não poder ser já considerada marginal, mas integrar, na realidade, uma parcela significativa do funcionamento dos sistemas políticos, económicos e sociais dominantes.

Ora, tal análise obriga, forçosamente, os magistrados a questionar-se, também, sobre a natureza das dificuldades que encontram na sua atividade investigativa e nos julgamentos de tais crimes.

Nesse sentido, ela posiciona, assim, frontalmente, os magistrados ante a necessidade de uma renovação das respostas jurisprudenciais aos casos que são submetidos à apreciação dos tribunais.

Mas mais: ela conduz, ainda, por outro lado, a uma reapreciação crítica dos modelos organizativos dos sistemas judiciários que têm de lidar com tais fenómenos criminais.

Foi, também, neste contexto que foram analisadas as respostas jurídicas possíveis aos crimes de branqueamento de capitais cometidos por intermédio de meios cibernéticos, designadamente os que se referem à utilização de moedas digitais e ao percurso de dissimulação, que, por essa via, os criminosos conseguem fazer da origem dos proventos de crimes de corrupção.

Refiro-me, em especial, às perícias exigíveis para a prova de tais crimes e ao facto de, na sua grande maioria, os poderes estatais, mormente os judiciais, não disporem de equipas nisso especializadas, o que leva à indispensável utilização de empresas privadas na análise de tais procedimentos altamente sofisticados.

Refiro-me, ainda, à inevitável falta de preparação dos magistrados para entenderem o percurso que levou ao resultado de tais análises periciais, ao problema da certificação das mesmas e, consequentemente, ao da validação em julgamento das provas assim obtidas.

Em suma, o seminário organizado pelos colegas do Gabinete italiano na Eurojust, dada a qualidade jurídica, técnica e cultural dos oradores convidados, contribuiu decisivamente para compreensão da grande criminalidade atual e para a necessidade de reavaliação da política jurídico-judiciária, não só em Itália, como também no espaço europeu.

Nos vinte anos da Eurojust: a importância de um seminário organizado pelo gabinete italiano em Bari


Sem procurar esconder a realidade, um dos principais oradores acabou por situar o fenómeno da corrupção e consequentes crimes de branqueamento de capitais, não num plano externo e marginal à economia legal, mas já contexto desta.


Na semana passada, tive a feliz oportunidade de participar, a convite do Gabinete italiano na Eurojust e da Escola Superior da Magistratura italiana, num seminário que procurou abordar a experiência da cooperação judiciária realizada através da Eurojust e os desafios que se projetam no futuro.

Teve lugar este seminário a propósito do vigésimo aniversário da Eurojust, tempo suficiente já para uma análise retrospetiva e para uma reflexão prospetiva.

O que, desde logo, me impressionou foi a capacidade jurídica e cultural dos intervenientes, que ao contrário do que muitas vezes sucede, não se limitaram a analisar estritamente os temas e aspetos técnicos da cooperação judiciária que lhes haviam sido propostos.

A grande maioria dos intervenientes conseguiu, sem restrições de qualquer espécie, refletir amplamente, também, sobre as circunstâncias da criminalidade atual e a sua razão de ser.

Neste aspeto, evidencia-se, ainda, a mais global formação universitária que os juristas do sul da Europa ainda têm.

É ela que lhes permite enquadrar num plano mais holístico os desafios da modernidade, sem perda da necessária e mais ampla perspetiva jurídica em que devem ser enquadrados os problemas da reposta à criminalidade atual, no espaço do respeito pelas cartas e convenções internacionais sobre a proteção dos direitos humanos e no dos princípios constitucionais de cada país.

Temas como os da criminalidade digital, das moedas digitais, das mais modernas tecnologias e plataformas da internet, foram sendo, assim, abordados com grande profundidade jurídica e técnica sem que, em simultâneo, se tivessem esquecido as razões políticas, económicas e sociais que facilitam ou promovem tal tipo de atuações ilícitas e criminais.

Podemos dizer, pois, que quase todos os magistrados e outros oradores que intervieram no seminário não se limitaram a discutir os pormenores mais técnicos que aqueles temas sempre envolvem – e, nesse aspeto, fizeram-no com inegável detalhe e profundidade – mas, pelo contrário, procuraram ter, também, sobre eles, uma leitura mais filosófica e compreensiva das suas causas e da sua projeção futura.

Importante foi, neste aspeto, a intervenção de um orador com as maiores responsabilidades na coordenação da resposta jurídica da magistratura italiana às ações das diferentes mafias e redes de criminalidade organizada, que procurou, e soube, enquadrar exemplarmente as estratégias que o organismo judicial que coordena desenvolve numa reflexão político-sociológica sobre a corrupção e os crimes com ela conexos.

Refiro-me, a esse respeito, ao enquadramento que ele fez do resultado dos crimes de branqueamento de capitais na economia legal dos diversos países e nas mais diferentes partes do mundo.

Sem procurar esconder a realidade, tal orador acabou por situar o fenómeno da corrupção e consequentes crimes de branqueamento de capitais, não num plano externo e marginal à economia legal, mas já contexto desta.

Procurou, portanto, alertar a audiência de magistrados presentes para o significado que os proventos de tais crimes têm hoje no financiamento corrente da economia global e das economias nacionais.

Tal reflexão previne, assim, os magistrados que investigam e julgam tal criminalidade para o facto de, na atualidade, ela não poder ser já considerada marginal, mas integrar, na realidade, uma parcela significativa do funcionamento dos sistemas políticos, económicos e sociais dominantes.

Ora, tal análise obriga, forçosamente, os magistrados a questionar-se, também, sobre a natureza das dificuldades que encontram na sua atividade investigativa e nos julgamentos de tais crimes.

Nesse sentido, ela posiciona, assim, frontalmente, os magistrados ante a necessidade de uma renovação das respostas jurisprudenciais aos casos que são submetidos à apreciação dos tribunais.

Mas mais: ela conduz, ainda, por outro lado, a uma reapreciação crítica dos modelos organizativos dos sistemas judiciários que têm de lidar com tais fenómenos criminais.

Foi, também, neste contexto que foram analisadas as respostas jurídicas possíveis aos crimes de branqueamento de capitais cometidos por intermédio de meios cibernéticos, designadamente os que se referem à utilização de moedas digitais e ao percurso de dissimulação, que, por essa via, os criminosos conseguem fazer da origem dos proventos de crimes de corrupção.

Refiro-me, em especial, às perícias exigíveis para a prova de tais crimes e ao facto de, na sua grande maioria, os poderes estatais, mormente os judiciais, não disporem de equipas nisso especializadas, o que leva à indispensável utilização de empresas privadas na análise de tais procedimentos altamente sofisticados.

Refiro-me, ainda, à inevitável falta de preparação dos magistrados para entenderem o percurso que levou ao resultado de tais análises periciais, ao problema da certificação das mesmas e, consequentemente, ao da validação em julgamento das provas assim obtidas.

Em suma, o seminário organizado pelos colegas do Gabinete italiano na Eurojust, dada a qualidade jurídica, técnica e cultural dos oradores convidados, contribuiu decisivamente para compreensão da grande criminalidade atual e para a necessidade de reavaliação da política jurídico-judiciária, não só em Itália, como também no espaço europeu.