O Oriente extremo


Uma vez por ano, e a propósito da reunião do Congresso do Povo chinês, temos direito a breves imagens televisivas do Império do Meio que fogem ao fait divers baseado em eventos meteorológicos extremos.


A partir de dia 16, com o início dos trabalhos do XX Congresso do Partido Comunista Chinês (o congresso reúne de 5 em 5 anos) as imagens virão mais numerosas mas sem enquadramento informativo, pontuadas por uma leitura preguiçosa de datas e do número de congressistas, numa voz off que não se afasta do que o rodapé televisivo vai sumariando. Não deixa de ser surpreendente esta falta de atenção ao que se passa na segunda maior economia do mundo, dotada de forças armadas a condizer e que executa metodicamente um plano de alianças e dependências económicas e financeiras à escala planetária. Há mais informação nas televisões portuguesas sobre o que se passa no poderoso Grão-Ducado do Luxemburgo do que novas da China.

Mesmo de viés, por via do que se passa na Ucrânia, quando se olha para a Rússia a partir de Lisboa não se vê a China. A solidariedade de Pequim para com Moscovo fica pela compra de petróleo e gás natural com descontos de pelo menos 30% em relação aos preços no mercado internacional, a par da manutenção da posição tradicional no Conselho de Segurança, sempre contra a internacionalização dos conflitos, vista como ingerência no domínio reservado de cada Estado.

A invasão russa da Ucrânia é uma distracção para as ambições geo-estratégicas chinesas: dominar o Mar do Sul da China, aumentar a pressão sobre Taiwan e manter a Coreia do Norte com rédea larga, obrigando os EUA a virem a  jogo. Os EUA são vistos como o único “igual” com quem a China compete. Continua a rejeição de alguns elementos da ordem jurídica mundial (não negociados pela China) numa lógica de cherry picking (uso do veto no CS ONU, grande influência em muitas organizações internacionais especializadas no âmbito da ONU). Tal não obsta à participação activa de Pequim na construção de alguns dos novos regimes jurídicos internacionais (maxime o combate às alterações climáticas).

Em 2022 o crescimento do PIB chinês será reduzido (4,45%), por comparação com a série histórica desde 2000 (média de 10%) e com o que é necessário para absorver a mão de obra, em particular os 10 milhões que em cada ano concluem a formação universitária. Parte do arrefecimento da economia deve-se à política do COVID 0, uma prova de esforço para demonstrar a superioridade da ditadura do PCC face à moleza das democracias ocidentais. A crise no imobiliário (sector que representa 30% do PIB) ameaça a banca e as poupanças de muitas famílias, as cidades fantasma, com dezenas de milhares de fogos construídos e nunca habitados, multiplicam-se. A fábrica do mundo vê fugir as grandes empresas tecnológicas ocidentais: Apple, Microsoft e Google migraram para o Vietname, a Amazon para a Índia.

Dentro de portas o esforço repressivo concentra-se em Hong Kong e contra os Uigures. O relatório de Michelle Bachelet sobre a situação dos Uigures, publicado no último dia do seu mandato como Alta Comissária para os Direitos Humanos (31 de Agosto deste ano), assinalou uma derrota num campo – a ONU – em que a China se habituou a ganhar.

Com a prestimosa ajuda de Putin, Pequim viu-se obrigada a deixar fazer os EUA no gerir da invasão da Ucrânia, esperando que no futuro o gesto seja retribuído e desgraduando definitivamente Moscovo para a categoria de ex-super-potência. Por Washington nem os entusiastas de uma democratização da Rússia acreditam na possibilidade de um contágio chinês.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990
 

O Oriente extremo


Uma vez por ano, e a propósito da reunião do Congresso do Povo chinês, temos direito a breves imagens televisivas do Império do Meio que fogem ao fait divers baseado em eventos meteorológicos extremos.


A partir de dia 16, com o início dos trabalhos do XX Congresso do Partido Comunista Chinês (o congresso reúne de 5 em 5 anos) as imagens virão mais numerosas mas sem enquadramento informativo, pontuadas por uma leitura preguiçosa de datas e do número de congressistas, numa voz off que não se afasta do que o rodapé televisivo vai sumariando. Não deixa de ser surpreendente esta falta de atenção ao que se passa na segunda maior economia do mundo, dotada de forças armadas a condizer e que executa metodicamente um plano de alianças e dependências económicas e financeiras à escala planetária. Há mais informação nas televisões portuguesas sobre o que se passa no poderoso Grão-Ducado do Luxemburgo do que novas da China.

Mesmo de viés, por via do que se passa na Ucrânia, quando se olha para a Rússia a partir de Lisboa não se vê a China. A solidariedade de Pequim para com Moscovo fica pela compra de petróleo e gás natural com descontos de pelo menos 30% em relação aos preços no mercado internacional, a par da manutenção da posição tradicional no Conselho de Segurança, sempre contra a internacionalização dos conflitos, vista como ingerência no domínio reservado de cada Estado.

A invasão russa da Ucrânia é uma distracção para as ambições geo-estratégicas chinesas: dominar o Mar do Sul da China, aumentar a pressão sobre Taiwan e manter a Coreia do Norte com rédea larga, obrigando os EUA a virem a  jogo. Os EUA são vistos como o único “igual” com quem a China compete. Continua a rejeição de alguns elementos da ordem jurídica mundial (não negociados pela China) numa lógica de cherry picking (uso do veto no CS ONU, grande influência em muitas organizações internacionais especializadas no âmbito da ONU). Tal não obsta à participação activa de Pequim na construção de alguns dos novos regimes jurídicos internacionais (maxime o combate às alterações climáticas).

Em 2022 o crescimento do PIB chinês será reduzido (4,45%), por comparação com a série histórica desde 2000 (média de 10%) e com o que é necessário para absorver a mão de obra, em particular os 10 milhões que em cada ano concluem a formação universitária. Parte do arrefecimento da economia deve-se à política do COVID 0, uma prova de esforço para demonstrar a superioridade da ditadura do PCC face à moleza das democracias ocidentais. A crise no imobiliário (sector que representa 30% do PIB) ameaça a banca e as poupanças de muitas famílias, as cidades fantasma, com dezenas de milhares de fogos construídos e nunca habitados, multiplicam-se. A fábrica do mundo vê fugir as grandes empresas tecnológicas ocidentais: Apple, Microsoft e Google migraram para o Vietname, a Amazon para a Índia.

Dentro de portas o esforço repressivo concentra-se em Hong Kong e contra os Uigures. O relatório de Michelle Bachelet sobre a situação dos Uigures, publicado no último dia do seu mandato como Alta Comissária para os Direitos Humanos (31 de Agosto deste ano), assinalou uma derrota num campo – a ONU – em que a China se habituou a ganhar.

Com a prestimosa ajuda de Putin, Pequim viu-se obrigada a deixar fazer os EUA no gerir da invasão da Ucrânia, esperando que no futuro o gesto seja retribuído e desgraduando definitivamente Moscovo para a categoria de ex-super-potência. Por Washington nem os entusiastas de uma democratização da Rússia acreditam na possibilidade de um contágio chinês.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990