O Conselho da Europa acaba de publicar o seu Relatório de 2022 relativo à avaliação da eficiência e da qualidade da Justiça na Europa, abrangendo 44 países europeus e 3 países observadores (acessível em https://rm.coe.int/cepej-fiche-pays-2020-22-e-web/1680a86276).
Esse relatório demonstra que desde 2010 que Portugal tem vindo a ter um número de advogados por cem mil habitantes superior em mais do dobro à média dos países da Europa, e que a tendência é de contínuo crescimento. Efectivamente em 2010 Portugal tinha um número de 259,39 advogados por cem mil habitantes quando a média dos restantes países europeus era de 102,3. Em 2012 o número de advogados por cem mil habitantes em Portugal subiu para 270,24 enquanto a média nos restantes países europeus atingia 112,56. Em 2014 a média de advogados por cem mil habitantes em Portugal voltou a subir para 282,77, enquanto que a média europeia desceu para 110,17. Em 2016 a média de advogados por cem mil habitantes em Portugal volta a subir para 295,60 enquanto que a média europeia se fixa em 120,25. Em 2018 a média de advogados por cem mil habitantes em Portugal subiu para 314,97 enquanto que a média europeia se fixou em 127,08. Finalmente em 2020 a média de advogados por cem mil habitantes em Portugal subiu novamente para 321,63, enquanto que a média europeia se fixou em 134,51. Portugal tem assim presentemente um número de advogados quase 2,5 vezes superior à média dos restantes países do Conselho da Europa, e a tendência é para que esta disparidade aumente. Pelo contrário, o número de juízes e de procuradores em Portugal encontra-se em linha com a média europeia.
Estes dados demonstram a total inconsistência do discurso que desde 2018 tem vindo a ser assumido pela OCDE e pela Autoridade da Concorrência no sentido de que em Portugal existiriam barreiras no acesso à profissão de advogado, o que justificaria a necessidade de alterar a Lei das Associações Públicas Profissionais e o Estatuto da Ordem dos Advogados. É manifesto que Portugal é dos países em que há mais facilidade no acesso à profissão de advogado, não só entre os países da União Europeia, mas até do conjunto de países que integram o Conselho da Europa. Estranha-se, por isso, que haja deputados que, de uma forma totalmente acrítica, aparecem alinhados com estas posições absurdas, totalmente contrárias à realidade que presentemente se verifica na advocacia portuguesa.
É manifesto que Portugal não pode continuar a ter um tão grande facilitismo no acesso à profissão de advogado, como estes números bem evidenciam. É por isso que é essencial instituir em Portugal o mestrado como requisito de acesso à profissão de advogado, como a assembleia geral da Ordem dos Advogados já propôs ao Parlamento. A Autoridade da Concorrência, como seria de esperar, pronunciou-se contra essa proposta, mas o próprio estudo que elaborou demonstra que dos 27 países da União Europeia, 17 exigem o mestrado como requisito de acesso à profissão de advogado. Outros países, como a França, embora não exijam o mestrado, exigem pelo menos um ano de frequência do mesmo. Outros países como a Alemanha também não exigem o mestrado mas em contrapartida exigem a aprovação em dois exames de Estado, a realizar decorridos dois anos de experiência profissional após a licenciatura, antes de aceder a qualquer profissão jurídica. Também a Áustria exige para acesso à profissão de advogado a realização de um exame após uma experiência profissional de três anos, dos quais sete meses num tribunal e dois anos num escritório de advogado.
Entre os países que se contentam com a licenciatura de Bolonha para acesso à profissão de advogado estão apenas países como Chipre, Eslovénia, Grécia, Malta ou Roménia, com os quais seguramente Portugal não se deve comparar.
Assim, há que alterar radicalmente este paradigma do acesso à profissão de advogado, colocando Portugal em linha com os restantes países europeus. Para isso, em lugar de projectos ainda mais facilistas do acesso à profissão, como os que foram apresentados no Parlamento, os quais colocariam Portugal ainda mais desalinhado dos restantes países europeus, há que adoptar a proposta da Ordem dos Advogados e passar a exigir o mestrado para acesso à profissão de Advogado.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990