O debate político a que não temos direito


Mais do que discutir ideias e soluções, o debate político é, atualmente, apresentado aos cidadãos como se fosse um conjunto de assaltos num jogo de boxe.


No Brasil, vai suceder uma segunda volta nas eleições presidenciais.

É de esperar que, nesta segunda fase da campanha eleitoral, os dois candidatos em confronto se possam debruçar um pouco mais sobre as soluções para resolver os problemas da maioria dos brasileiros e menos em ofender-se e reavivar episódios pouco edificantes de um e de outro.

Temos, porém, de perceber que o que sucede no Brasil não é só da responsabilidade dos candidatos.

O clima que foi criado na primeira volta de tais eleições resulta, também, do estilo mediático, hoje em voga, de abordar o debate político.

Mais do que discutir ideias e soluções, o debate político é, atualmente, apresentado aos cidadãos como se fosse um conjunto de assaltos num jogo de boxe.

Neste contexto, os insultos, ameaças e falsidades têm um efeito mais eficaz na definição do vencedor do que uma exposição racional e ponderada de ideias e argumentos. 

Ganha sempre o candidato que melhor esmurrar o outro.

Mesmo que com mais razão e mais esclarecedor, perde o que mais se deixar sangrar em público.

Este estilo – apesar de mais exagerado na parte do mundo onde o Brasil se situa – não é dela, porém, exclusivo.

Ele vai, também, fazendo caminho na Europa.

Parece, também aqui, que, mesmo tratando dos destinos do país e dos seus cidadãos, nunca saímos do modelo dos concursos televisivos ou dos jogos de computador.

Quem, por exemplo, ouvir os nossos jornais televisivos, e o tipo de entrevistas e reportagens neles exibidas, ficará convencido de que pouco falta para começarem as defenestrações, os apedrejamentos públicos; enfim a guerra civil.

Não há dia, não há hora em que não se noticie um escândalo real ou aparente, uma queixa crime, cujo desfecho final não se pode, desde logo, adivinhar, um desastre cuja responsabilidade é, na aparência, de imediato identificada como da responsabilidade de um governante ou dirigente da administração pública ou local, ou mesmo de um CEO de uma empresa privada.

Poucos assumem, entretanto, e em tempo útil, responsabilidades próprias, qualquer que seja a natureza destas.

Em troca, neste jogo, palpitam as insinuações, os remoques, os recados vindos, inclusive, dos lados e das personagens mais inverosímeis.

Percebê-los, tornou-se numa arte de adivinhação altamente sofisticada, que só alguns especialistas com assento permanente nos media ousam desenvolver.

Por outro lado, a tradicional neutralidade dos pivots televisivos encarregados de dar notícias foi, nos nossos dias, substituída por comentários empenhados, que indiciam, quase sempre, o lado em que se posicionam e a verdade que escolheram como boa e nos querem fazer aceitar como tal.

Por vezes, indignam-se e humilham mesmo o entrevistado que – incauto – não segue a pauta que aqueles estabeleceram.

Os agentes políticos acicatados, assim, pelos media, mimoseiam-se, em público, com os mais variados epítetos, parecendo ignorar que, no final, todos eles sairão enlameados.

Entretanto, pouco se pesquisa e se esclarece, verdadeiramente, a opinião pública sobre a realidade dos factos alvo de queixas e notícias, e sobre as suas implicações legais, políticas e éticas.

A notícia da queixa é já a notícia.

Verificar a sua verosimilhança é, pois, inútil e chega mesmo a ser prejudicial para prender a atenção do público.

Por isso, menos, muito menos ainda, se analisam as causas políticas, sociais e económicas que motivaram tais situações de escândalo.

No final, tudo parece ficar a dever-se, apenas, ao funcionamento, sempre deficiente, dos poderes públicos e dos mecanismos institucionais da democracia: a mesma que, de resto, permite que tais factos e denúncias sejam noticiados e investigados.

A sociedade cansa-se e agonia-se de tanta pouca-vergonha: real, insinuada ou, pura e simplesmente, inventada.

Nesse cansaço residem algumas das razões da abstenção eleitoral e a cada vez menor participação política dos cidadãos.

Quem se ri e beneficia de tais trapalhadas são os provocadores que se servem do sistema democrático para o denegrir e denegrirem a qualidade dos seus políticos.

Os que negam ou menorizam as regras do sistema democrático pouco têm, por isso, de esforçar-se.

Basta-lhes colher os frutos e apelar à ordem; a velha ordem nova que querem ver restabelecida em moldes mais ou menos atualizados.

E, todavia, há graves problemas que mereceriam ser discutidos com seriedade: a pobreza que abrange uma margem grande de cidadãos, mesmo os que estão empregados e ganham um pouco mais que o salário mínimo; o preço da habitação e a crescente dependência dos jovens já licenciados da economia paterna; a situação da velhice e a falta de apoio que lhe é devida;  a desigualdade crescente entre os mais ricos e os mais pobres; enfim, o descaminho da sociedade que estamos a construir e que vendemos como exemplar.

Ora, para estes problemas, não parece que a ordem nova, que uns insinuam, outros consentem e outros abertamente defendem tenha soluções inovadoras e justas.

O debate político a que não temos direito


Mais do que discutir ideias e soluções, o debate político é, atualmente, apresentado aos cidadãos como se fosse um conjunto de assaltos num jogo de boxe.


No Brasil, vai suceder uma segunda volta nas eleições presidenciais.

É de esperar que, nesta segunda fase da campanha eleitoral, os dois candidatos em confronto se possam debruçar um pouco mais sobre as soluções para resolver os problemas da maioria dos brasileiros e menos em ofender-se e reavivar episódios pouco edificantes de um e de outro.

Temos, porém, de perceber que o que sucede no Brasil não é só da responsabilidade dos candidatos.

O clima que foi criado na primeira volta de tais eleições resulta, também, do estilo mediático, hoje em voga, de abordar o debate político.

Mais do que discutir ideias e soluções, o debate político é, atualmente, apresentado aos cidadãos como se fosse um conjunto de assaltos num jogo de boxe.

Neste contexto, os insultos, ameaças e falsidades têm um efeito mais eficaz na definição do vencedor do que uma exposição racional e ponderada de ideias e argumentos. 

Ganha sempre o candidato que melhor esmurrar o outro.

Mesmo que com mais razão e mais esclarecedor, perde o que mais se deixar sangrar em público.

Este estilo – apesar de mais exagerado na parte do mundo onde o Brasil se situa – não é dela, porém, exclusivo.

Ele vai, também, fazendo caminho na Europa.

Parece, também aqui, que, mesmo tratando dos destinos do país e dos seus cidadãos, nunca saímos do modelo dos concursos televisivos ou dos jogos de computador.

Quem, por exemplo, ouvir os nossos jornais televisivos, e o tipo de entrevistas e reportagens neles exibidas, ficará convencido de que pouco falta para começarem as defenestrações, os apedrejamentos públicos; enfim a guerra civil.

Não há dia, não há hora em que não se noticie um escândalo real ou aparente, uma queixa crime, cujo desfecho final não se pode, desde logo, adivinhar, um desastre cuja responsabilidade é, na aparência, de imediato identificada como da responsabilidade de um governante ou dirigente da administração pública ou local, ou mesmo de um CEO de uma empresa privada.

Poucos assumem, entretanto, e em tempo útil, responsabilidades próprias, qualquer que seja a natureza destas.

Em troca, neste jogo, palpitam as insinuações, os remoques, os recados vindos, inclusive, dos lados e das personagens mais inverosímeis.

Percebê-los, tornou-se numa arte de adivinhação altamente sofisticada, que só alguns especialistas com assento permanente nos media ousam desenvolver.

Por outro lado, a tradicional neutralidade dos pivots televisivos encarregados de dar notícias foi, nos nossos dias, substituída por comentários empenhados, que indiciam, quase sempre, o lado em que se posicionam e a verdade que escolheram como boa e nos querem fazer aceitar como tal.

Por vezes, indignam-se e humilham mesmo o entrevistado que – incauto – não segue a pauta que aqueles estabeleceram.

Os agentes políticos acicatados, assim, pelos media, mimoseiam-se, em público, com os mais variados epítetos, parecendo ignorar que, no final, todos eles sairão enlameados.

Entretanto, pouco se pesquisa e se esclarece, verdadeiramente, a opinião pública sobre a realidade dos factos alvo de queixas e notícias, e sobre as suas implicações legais, políticas e éticas.

A notícia da queixa é já a notícia.

Verificar a sua verosimilhança é, pois, inútil e chega mesmo a ser prejudicial para prender a atenção do público.

Por isso, menos, muito menos ainda, se analisam as causas políticas, sociais e económicas que motivaram tais situações de escândalo.

No final, tudo parece ficar a dever-se, apenas, ao funcionamento, sempre deficiente, dos poderes públicos e dos mecanismos institucionais da democracia: a mesma que, de resto, permite que tais factos e denúncias sejam noticiados e investigados.

A sociedade cansa-se e agonia-se de tanta pouca-vergonha: real, insinuada ou, pura e simplesmente, inventada.

Nesse cansaço residem algumas das razões da abstenção eleitoral e a cada vez menor participação política dos cidadãos.

Quem se ri e beneficia de tais trapalhadas são os provocadores que se servem do sistema democrático para o denegrir e denegrirem a qualidade dos seus políticos.

Os que negam ou menorizam as regras do sistema democrático pouco têm, por isso, de esforçar-se.

Basta-lhes colher os frutos e apelar à ordem; a velha ordem nova que querem ver restabelecida em moldes mais ou menos atualizados.

E, todavia, há graves problemas que mereceriam ser discutidos com seriedade: a pobreza que abrange uma margem grande de cidadãos, mesmo os que estão empregados e ganham um pouco mais que o salário mínimo; o preço da habitação e a crescente dependência dos jovens já licenciados da economia paterna; a situação da velhice e a falta de apoio que lhe é devida;  a desigualdade crescente entre os mais ricos e os mais pobres; enfim, o descaminho da sociedade que estamos a construir e que vendemos como exemplar.

Ora, para estes problemas, não parece que a ordem nova, que uns insinuam, outros consentem e outros abertamente defendem tenha soluções inovadoras e justas.