O plano A da operação militar especial iniciada em 24 de Fevereiro apostava numa queda rápida do poder nacionalista em Kiev e na colocação no poder de um Governo amigo de Moscovo. O plano A falhou e deu origem, sem planificação, à execução do B, uma tentativa de invasão de meia Ucrânia a partir das fronteiras terrestres com a Rússia e a Bielorússia.
O plano B falhou estrondosamente mostrando ao mundo as incapacidades militares russas e o triunfo das armas anti-carro e dos drones sobre as grandes massas de tanques e blindados.
Admitindo que as perdas russas aumentarão resta a Putin o recurso às armas nucleares tácticas, começando pela demonstração das possibilidades da tecnologia e da vontade de a ela recorrer com uma detonação em zona não habitada, por exemplo sobre o Mar Negro.
A par dos elementos cinéticos Putin empregou desde o primeiro momento a arma económica – o gás natural – esperando que a subida de preços provocasse a revolta popular no ocidente, crises políticas e o fraquejar dos governos com a atribuição de um atestado de fraqueza às democracias. A eficácia da arma económica será testada com a chegada do Inverno. Até lá a Gazprom vai propondo o uso da segunda linha do Nordstream 2 depois de a primeira e das duas do Nordstream 1 terem sido sabotadas.
O Inverno dará tempo à negociação, começando pela bilateral. Em que momento decidirão os EUA instruir os ucranianos no sentido de aceitarem uma negociação? Certamente depois das Midterm Elections nos EUA, a 8 de Novembro. Até lá Biden tem de surgir como o responsável pelas vitórias ucranianas e não como o apaziguador de Putin (fazendo o contraponto a Trump). Kiev quer garantias de segurança. Sabiamente ancorou o pedido maximalista na legítima defesa coletiva, por via da adesão à NATO.
Também estão a decorrer negociações intra-russas. Os oligarcas locais ganharam muito dinheiro com Putin e estão, desde 24 de Fevereiro, a perdê-lo. A população não está entusiasmada com a guerra, menos ainda com as baixas e não está disposta a participar numa mobilização massiva de civis. Posição contrária defendem os falcões russos, tradicionalmente controlados por Putin: Kadirov não se tem inibido de criticar a “moleza” da reacção de Putin à reconquista ucraniana. A negociação não resultará de uma inexistente revolução popular pró-democracia. Será mais provável encontrar na garantia de imunidade a Putin (algo que, em 1999, quando iniciou funções como Primeiro-Ministro, ofereceu a Ieltsin e família) a moeda de troca. Quem poderá garantir a imunidade de Putin? Um Putin-bis, um Governo de Putin sem Putin.
Em qualquer negociação é preciso ter consciência do preço da não negociação: qual é a melhor alternativa a uma não negociação. Dar a Putin um estatuto vitalício de imunidade é menos perigoso do que continuar a armar os ucranianos. Um Putin encurralado e sem capacidade de resposta militar efectiva com base em meios convencionais irá recorrer à única alternativa que julga coerente para defesa da visão imperial da Rússia.
Infelizmente os europeus, mais uma vez, não estão sentados à mesa das negociações. Resta ter esperança numa moderação do nível de ambição dos falcões de Washington depois de 4 de Novembro. Aos europeus pede-se que emendem a mão nos disparates conjugados da dependência do gás russo e da descarbonização por decreto, sem avaliação de impacte social e económico. Não é pedir pouco.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990