Se há sondagem que já não falha é mesmo a de que as sondagens já só falham. Não por culpa das empresas ou institutos que recolhem dados, realizam inquéritos a milhares de pessoas e ainda compilam os seus resultados estatísticos. Não discuto a seriedade dos critérios de recolha de dados, estão seguramente corretos.
Mais recentemente, julgávamos que no Brasil ficaria tudo decidido para o ex-Presidente Lula com uma distância elevadíssima sobre o atual Presidente Jair Bolsonaro. Julgávamos, digo, a julgar pelas sondagens diárias que chegaram a dar quase 20 pontos de avanço para o PT e para Lula.
Tal como falhou em Portugal, em que assistimos a sondagens de última hora que davam inclusive o PSD de Rui Rio à frente do PS de António Costa e, na hora, surpreendentemente o PS teve a sua segunda maioria absoluta da história, no Brasil foi precisamente o mesmo: Errou.
Haverá uma segunda volta eleitoral brasileira a 30 de outubro porque Jair Bolsonaro, na hora da verdade após a contagem dos votos, acabou a pouco mais de 4% do PT de Lula.
Sejamos justos.
As sondagens surgiram com alguma previsibilidade. De estudo. De capacidade de conhecimento da normalidade do quadro partidário e previsibilidade de alternância democrática. De seleção de uma amostra que efetivamente era representativa.
As mesmas sondagens, durante muitas eleições, inconscientemente no movimento de massas “serviram” para empolar quem seguia à frente nos estudos ou para levar a votar quem ia muito atrás nas intenções de voto.
Tiveram, têm e continuarão a ter utilidade em democracia, sobretudo para trabalho interno dos partidos políticos. Não para “adivinhação” de quem ganha e quem perde.
A sociedade já não se rege pela normalidade, moderação e previsibilidade. Sobre previsibilidade basta ter consciência que o quadro partidário de hoje é muito diferente do que era há apenas 20 anos e, em Portugal não tanto ainda como acontece nos países do sul da europa já, continua a mudar eleição a eleição com a adição de novos partidos e a extinção de outros.
A sociedade já cria coligações impensáveis ao ponto de derrubar vencedores em urna, da mesma forma que se vê desfazerem coligações tradicionais para mandar Governos abaixo. Mudou.
E, também por isso, o voto já não se apresenta tanto em função do conjunto de propostas de políticas públicas e legado ideológico com que cada partido se apresenta a votos, mas, como se vê no Brasil, por quase clubismo. Em alguns casos, seguramente, porque os programas são semelhantes e, noutros tantos, porque nem há programa (em Portugal o Chega não tinha programa político e foi a 3ª força política mais votada atrás de PSD e PS).
A sociedade atual vive a política partidária como se de uma paixão quase clubística se tratasse. Não sei se é certo ou errado, é diferente do que foi outrora. Mas é possível afirmar que esta nova forma, muito mais bélica, de defesa da justiça da escolha de cada voto é muito menos assente nas ideias e muito mais presa a soundbytes, no discurso ofensivo e personalizado no adversário político, em excessivas e demagógicas promessas eleitorais que um mês após cada eleição já nenhum eleitor se recorda, por vídeos de apoios em redes sociais e, aqui com clara desvantagem para os partidos moderados, de apelos à rejeição ao sistema político (em que todos participam, ironicamente).
Antigamente, o discurso moderado era o mais fácil de cativar uma plateia. Hoje, o discurso mais populista vence sempre qualquer debate perante um moderado que pode dar razão a uma política ideologicamente mais à esquerda como depois vê uma solução com uma política de direita. Esses, os moderados que vêm a solução política como utilidade de resolução dos problemas, estão a ser abafados pelos “anti-tudo” que recebem aplausos por dizer que à esquerda são todos maus e à direita todos maus são.
Hoje, um eleitor de extrema-esquerda pode na eleição subsequente votar num partido de extrema-direita, como estudos apontam no nosso país da transição direta de eleitores do BE para o Chega em vários pontos do país. Isto era impensável há umas décadas e, ideologicamente, demonstra o vazio da moderação e das propostas na hora da decisão do voto.
Hoje, um eleitor de um partido dito de direita (digo “dito” porque já há pouco debate ideológico e, sobretudo, há um profundo desconhecimento do que isso é na maioria dos eleitores) nunca votará num candidato dito de esquerda e vice-versa. Antes, quantos dos nascidos nos anos 50 e 60 votaram em PS e PSD porque, consoante o estado do país, viam maior utilidade em determinadas políticas públicas?
Os eleitores da década de oitenta e noventa, os ditos “ao centro”, que tanto votaram PSD como PS, a título de exemplo, desapareceram? Não.
Mas hoje, o dito “centro” é cada vez mais um vazio de espaço que só existe no argumentário trémulo de quem tem receio de ser conotado a extremistas (de esquerda e de direita).
Ou seja, por cá, o “centro” é usado pelo PSD com medo de se aproximar perante os eleitores do Chega. O PS (embora tenha andado de mão dada com a extrema-esquerda durante uma legislatura e, com esse apoio tenha chegado a Governo até) usa o “centro” para tentar distanciar-se de PCP e BE.
Na prática, já é cada vez menor o espaço comum ocupado entre PS e PSD. A ideologia pesa menos e isso tem enfoque na decisão do argumentário utilizado pelos dois maiores partidos portugueses.
Quem o diz ou demonstra não é a ideologia, estanque, de cada um.
A ideologia não se altera até porque é inexistente o debate ideológico interno de cada partido, PSD e PS, porque é muito mais fácil alimentarem as bases do cacique e premiar os sacos de votos do que alimentar o debate e propostas dos intelectuais que têm o seu voto apenas.
Quem diz que o espaço ao centro é cada vez menor não é qualquer sondagem, nem ideologia, é mesmo a forma como votam os eleitores. Hoje, cada vez mais, a sondagem que fica é visível no tipo de votação bipolarizada entre “uns e outros”. A direita e a esquerda.
Como ocorre no Brasil, de forma agressiva, com muita demagogia e infelizmente muito ódio sem racionalidade. Como ocorre cá ao vermos o BE ou PCP fazerem de tudo para impedir a governabilidade de um governo de apoio à direita (PSD e CDS), mesmo para isso tendo o PCP “vendido a alma ao diabo” ou o BE tendo claramente abdicado da sua fórmula “anti-sistema” para apoiar o PS. Como ocorre em Itália em que a direita pura e simplesmente se uniu em bloco ignorando qualquer ameaça do extremo ideológico mais de direta em detrimento do espaço dos moderados.
A sondagem, ou melhor, o retrato pós-eleições em vários Países demonstra que o centro se eclipsou e está em vias de ser um deserto sem utilidade futura. Que há dois lados. Há a direita, há a esquerda e há uma perfeita incapacidade dos moderados manterem a atenção do eleitor perante discursos populistas e promessas demagogas e perfeitamente impossíveis de cumprir num Estado democrático.
A política de hoje é feita com ódio. Infelizmente. Não é feita com inteligência e capacidade de discussão de ideias, é feita com discussão de pessoas e críticas ao currículo ou ao cadastro de cada um. A política é feita nos casos e casinhos dos políticos de momento que é muito maior que a obra e projetos que implementam em cada legislatura.
Essa política aniquila o espaço dos moderados e dá razão aos que se alimentam de ódio, de histerismo e de ausência de ideias ou programas políticos.
As sondagens pré-eleições podem continuar a falhar, mas o retrato do que fica a nível macro a cada decisão dos eleitores só falha se continuarmos desatentos. Os moderados estão no ponto de inflexão da sua curva, ou renascem (assim espero!) ou desaparecem (para grande infelicidade minha).