Não andamos por bom caminho


Vão longe os tempos em que Portugal era apresentado como um bom aluno da União Europeia.


1. Por muito que apreciemos o regime republicano, nós, portugueses, temos razões para nos sentirmos frustrados por estarmos longe de ter atingido muitos dos valores morais e de conforto que esse regime pressupõe, para além dos clássicos chavões de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Teoricamente, a nossa Constituição e nossos milhares de leis garantem-nos uma democracia magnífica, mas a realidade é diferente.

Está cheia de casos, designadamente na classe política e empresarial, ou seja, nas elites, enquanto no grosso da população não abundam exemplos positivos de civismo. Todos somos potenciais prevaricadores, nem que seja por necessidade pragmática. Vivemos numa excessiva promiscuidade. Temos serviços essenciais que falham e se degradam cada vez mais.

 

É o caso da saúde, da segurança social, da justiça, da segurança pública, da defesa, do ambiente, da proteção civil, da administração pública e de um poder autárquico cheio de casos. Os sindicatos são inoperantes, cúmplices ou correias de transmissão de interesses partidários.

O quadro geral português é certamente melhor do que o de muitos países do mundo, mas, quando comparamos a nossa situação os dos estados da União Europeia, verificamos que estamos sempre a perder posições. E não vale a pena, saber se há guerra, se há inflação, se há seca ou cheias. Haja o que houver e mesmo em bonança económica, temos vindo a descer no ranking europeu, por mais propaganda que o Governo faça e mais tolerância que o Supremo Magistrado da Nação mostre. Talvez por isso, os portugueses vivem em regra conformados e raramente se indignam. Somos um povo manso. Só em casos extremos os brandos costumes são substituídos por violência de rua e nunca é por razões políticas.

Já no Facebook ou na conversa de café há um palavroso contestatário em cada um nós. Vão longe os tempos em que Portugal era o bom aluno europeu em termos de reformismo. Foi chão que deu uvas. Quem for um pouco mais velho tem a sensação de estar a ver sempre o mesmo filme, apenas com novos atores cada vez menos talentosos, menos empreendedores, menos imaginativos, mas mais letrados na arte da demagogia e das promessas de amanhãs que cantam. Há uma sensação permanente de “déjà vu”.

É com o velho novo aeroporto, com o promitente TGV, com o celebérrimo Hospital Oriental de Lisboa e tantas coisas que são anunciadas em cerimónias que mais parecem atos solenes de inauguração. Tudo isso cansa, tudo isso entristece, tudo isso nos faz descrer nas promessas porque sabemos que ou não se faz nada, ou leva muito mais tempo e mais milhares de milhões de euros até à inauguração, normalmente à pressa e ainda por acabar. Inerente a qualquer obra há suspeitas de arranjos e monstruosas derrapagens. Tanto faz que se trate de autarquias ou do Governo.

Os problemas são recorrentes. Viu-se na reabertura do mercado do Bolhão com um atraso monumental que passou em claro. Tudo é para ontem, mas fica para depois de amanhã. E quando se descobre um problema grave, há o inevitável inquérito e a notícia de que se estava a ultimar a regulamentação de uma lei que ia precisamente resolver o assunto. Não admira assim que haja um desgaste enorme do segundo Governo Costa, que, apesar de ter meio ano, parece mais antigo que a Sé de Braga.

Sucedem-se casos de descoordenação, de falta de rigor e de inexistência de ética que a capacidade oratória do líder já não ilude. Fora da política cada um constata que já não é só o Estado que falha nos seus deveres e compromissos. As maiores empresas privadas, aquelas a que todos têm de recorrer por prestarem serviços essenciais, tratam os cidadãos com desprezo sobranceiro por saberem que um consumidor sozinho e cheio de razão não vale nada. Só passa a ser ouvido no dia em que se apresenta acompanhado por um jornalista e uma câmara de televisão. Então, sim, as coisas podem mexer, agitar-se e às vezes resolverem-se.

Face a este panorama global, não surpreende que Cavaco Silva tenha voltado a insistir na necessidade de Portugal entrar numa trajetória de crescimento sustentável. No seu terceiro artigo de opinião em seis meses de Governo (o que traduz bem a sua altíssima preocupação), Cavaco Silva arrasa Costa e alguns ministros. Em contrapartida não comenta Montenegro, coisa que não evitava com Rui Rio que considerava uma nulidade política. Não é por acaso que as sondagens mostram o PS a perder terreno para a oposição democrática. Um ponto novo na intervenção de Cavaco é o apelo à comunicação social para que seja mais incisiva na denúncia. Aqui só parcialmente tem razão.

A verdade é que a comunicação social – concretamente a não estatizada – e designadamente a imprensa tem cumprido esse papel, apesar das suas dificuldades económicas. Se não fossem os jornalistas, não se sabia da missa a metade na política e em muitos outros setores, indo da saúde à obscuridade das igrejas. Quanto às reformas estruturais que mais uma vez reclama, talvez não sejam tão necessárias como o ex-presidente pensa. Temos tanta lei, tanta norma, tanta estrutura que não funciona que não vale a pena repensar tudo de ponta a ponta. Para resolver os assuntos, é suficiente governar com bom senso, rigor, honestidade e decidir com base em critérios claros e transparentes. 

2. O secretário-geral da Presidência do Conselho de Ministros, David Xavier, está indiciado por corrupção e violação das normas de contratação pública. Não há ainda nenhuma acusação formal, mas o caso é muito grave pois envolve uma estrutura de apoio ao Governo que tem um enorme poder de decisão.

Na área política, por exemplo, David Xavier era referenciado como um implacável colocador de “boys e girls” do PS, aproveitando todas as oportunidades para afastar abruptamente quem não fosse um incondicional da situação, mesmo que desempenhasse as suas funções com grande competência. Dadas as atribuições do suspeito, este caso não pode ficar em águas de bacalhau. Tema a seguir com muita atenção…

3. As notícias sobre o envolvimento, em Timor, de D. Ximenes Belo em atos pedófilos são chocantes, mas não surpreenderam. Há dez anos, circularam informações nesse sentido. Alguns jornalistas tentaram investigar o assunto. Porém, nunca obtiveram testemunhos e dados concretos. O boato ou o rumor não pode ser notícia, a não ser em situações excecionalíssimas, o que não era o caso.

As revelações agora feitas explicam muita coisa e colocam a Igreja portuguesa (que acolhe Ximenes) perante mais uma dificuldade em explicar certos comportamentos de antigos e atuais responsáveis. E tudo numa altura em nos preparamos para receber as Jornadas Mundiais da Juventude, o maior evento católico do mundo.

4. Foi grande a tolerância mostrada por Santos Silva face ao comportamento de um diplomata português gravado em atos homossexuais com um polícia palestiniano. O então MNE e hoje presidente da Assembleia da República averbou a proposta de uma pena de suspensão de 65 dias do diplomata. As práticas íntimas de cada um não têm de ser avaliadas, mas quando não se acautela a sua reserva e se verifica que a sua divulgação pode manchar o nome de um país, há que elevar o padrão de exigência.

5. Comporta Aberta é o segundo livro de Cidalisa Guerra, uma jornalista e pesquisadora que trabalhou largos anos na RTP. Em pequenos capítulos, relatam-se vivências difíceis e as evoluções ocorridas numa terra que é hoje procurada por membros do jet-set nacional e internacional e gente despretensiosa que gosta de praia e paisagens bonitas.

O livro é um testemunho único sobre a vida numa região que chegou a ser chamada “África Metropolitana”, tal a dureza e isolamento da vida por lá. Não foi por acaso que muita gente acorreu à apresentação da obra, revendo-se e comovendo-se com as descrições e relatos que contém, mostrando orgulho no passado e no presente.

Não andamos por bom caminho


Vão longe os tempos em que Portugal era apresentado como um bom aluno da União Europeia.


1. Por muito que apreciemos o regime republicano, nós, portugueses, temos razões para nos sentirmos frustrados por estarmos longe de ter atingido muitos dos valores morais e de conforto que esse regime pressupõe, para além dos clássicos chavões de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Teoricamente, a nossa Constituição e nossos milhares de leis garantem-nos uma democracia magnífica, mas a realidade é diferente.

Está cheia de casos, designadamente na classe política e empresarial, ou seja, nas elites, enquanto no grosso da população não abundam exemplos positivos de civismo. Todos somos potenciais prevaricadores, nem que seja por necessidade pragmática. Vivemos numa excessiva promiscuidade. Temos serviços essenciais que falham e se degradam cada vez mais.

 

É o caso da saúde, da segurança social, da justiça, da segurança pública, da defesa, do ambiente, da proteção civil, da administração pública e de um poder autárquico cheio de casos. Os sindicatos são inoperantes, cúmplices ou correias de transmissão de interesses partidários.

O quadro geral português é certamente melhor do que o de muitos países do mundo, mas, quando comparamos a nossa situação os dos estados da União Europeia, verificamos que estamos sempre a perder posições. E não vale a pena, saber se há guerra, se há inflação, se há seca ou cheias. Haja o que houver e mesmo em bonança económica, temos vindo a descer no ranking europeu, por mais propaganda que o Governo faça e mais tolerância que o Supremo Magistrado da Nação mostre. Talvez por isso, os portugueses vivem em regra conformados e raramente se indignam. Somos um povo manso. Só em casos extremos os brandos costumes são substituídos por violência de rua e nunca é por razões políticas.

Já no Facebook ou na conversa de café há um palavroso contestatário em cada um nós. Vão longe os tempos em que Portugal era o bom aluno europeu em termos de reformismo. Foi chão que deu uvas. Quem for um pouco mais velho tem a sensação de estar a ver sempre o mesmo filme, apenas com novos atores cada vez menos talentosos, menos empreendedores, menos imaginativos, mas mais letrados na arte da demagogia e das promessas de amanhãs que cantam. Há uma sensação permanente de “déjà vu”.

É com o velho novo aeroporto, com o promitente TGV, com o celebérrimo Hospital Oriental de Lisboa e tantas coisas que são anunciadas em cerimónias que mais parecem atos solenes de inauguração. Tudo isso cansa, tudo isso entristece, tudo isso nos faz descrer nas promessas porque sabemos que ou não se faz nada, ou leva muito mais tempo e mais milhares de milhões de euros até à inauguração, normalmente à pressa e ainda por acabar. Inerente a qualquer obra há suspeitas de arranjos e monstruosas derrapagens. Tanto faz que se trate de autarquias ou do Governo.

Os problemas são recorrentes. Viu-se na reabertura do mercado do Bolhão com um atraso monumental que passou em claro. Tudo é para ontem, mas fica para depois de amanhã. E quando se descobre um problema grave, há o inevitável inquérito e a notícia de que se estava a ultimar a regulamentação de uma lei que ia precisamente resolver o assunto. Não admira assim que haja um desgaste enorme do segundo Governo Costa, que, apesar de ter meio ano, parece mais antigo que a Sé de Braga.

Sucedem-se casos de descoordenação, de falta de rigor e de inexistência de ética que a capacidade oratória do líder já não ilude. Fora da política cada um constata que já não é só o Estado que falha nos seus deveres e compromissos. As maiores empresas privadas, aquelas a que todos têm de recorrer por prestarem serviços essenciais, tratam os cidadãos com desprezo sobranceiro por saberem que um consumidor sozinho e cheio de razão não vale nada. Só passa a ser ouvido no dia em que se apresenta acompanhado por um jornalista e uma câmara de televisão. Então, sim, as coisas podem mexer, agitar-se e às vezes resolverem-se.

Face a este panorama global, não surpreende que Cavaco Silva tenha voltado a insistir na necessidade de Portugal entrar numa trajetória de crescimento sustentável. No seu terceiro artigo de opinião em seis meses de Governo (o que traduz bem a sua altíssima preocupação), Cavaco Silva arrasa Costa e alguns ministros. Em contrapartida não comenta Montenegro, coisa que não evitava com Rui Rio que considerava uma nulidade política. Não é por acaso que as sondagens mostram o PS a perder terreno para a oposição democrática. Um ponto novo na intervenção de Cavaco é o apelo à comunicação social para que seja mais incisiva na denúncia. Aqui só parcialmente tem razão.

A verdade é que a comunicação social – concretamente a não estatizada – e designadamente a imprensa tem cumprido esse papel, apesar das suas dificuldades económicas. Se não fossem os jornalistas, não se sabia da missa a metade na política e em muitos outros setores, indo da saúde à obscuridade das igrejas. Quanto às reformas estruturais que mais uma vez reclama, talvez não sejam tão necessárias como o ex-presidente pensa. Temos tanta lei, tanta norma, tanta estrutura que não funciona que não vale a pena repensar tudo de ponta a ponta. Para resolver os assuntos, é suficiente governar com bom senso, rigor, honestidade e decidir com base em critérios claros e transparentes. 

2. O secretário-geral da Presidência do Conselho de Ministros, David Xavier, está indiciado por corrupção e violação das normas de contratação pública. Não há ainda nenhuma acusação formal, mas o caso é muito grave pois envolve uma estrutura de apoio ao Governo que tem um enorme poder de decisão.

Na área política, por exemplo, David Xavier era referenciado como um implacável colocador de “boys e girls” do PS, aproveitando todas as oportunidades para afastar abruptamente quem não fosse um incondicional da situação, mesmo que desempenhasse as suas funções com grande competência. Dadas as atribuições do suspeito, este caso não pode ficar em águas de bacalhau. Tema a seguir com muita atenção…

3. As notícias sobre o envolvimento, em Timor, de D. Ximenes Belo em atos pedófilos são chocantes, mas não surpreenderam. Há dez anos, circularam informações nesse sentido. Alguns jornalistas tentaram investigar o assunto. Porém, nunca obtiveram testemunhos e dados concretos. O boato ou o rumor não pode ser notícia, a não ser em situações excecionalíssimas, o que não era o caso.

As revelações agora feitas explicam muita coisa e colocam a Igreja portuguesa (que acolhe Ximenes) perante mais uma dificuldade em explicar certos comportamentos de antigos e atuais responsáveis. E tudo numa altura em nos preparamos para receber as Jornadas Mundiais da Juventude, o maior evento católico do mundo.

4. Foi grande a tolerância mostrada por Santos Silva face ao comportamento de um diplomata português gravado em atos homossexuais com um polícia palestiniano. O então MNE e hoje presidente da Assembleia da República averbou a proposta de uma pena de suspensão de 65 dias do diplomata. As práticas íntimas de cada um não têm de ser avaliadas, mas quando não se acautela a sua reserva e se verifica que a sua divulgação pode manchar o nome de um país, há que elevar o padrão de exigência.

5. Comporta Aberta é o segundo livro de Cidalisa Guerra, uma jornalista e pesquisadora que trabalhou largos anos na RTP. Em pequenos capítulos, relatam-se vivências difíceis e as evoluções ocorridas numa terra que é hoje procurada por membros do jet-set nacional e internacional e gente despretensiosa que gosta de praia e paisagens bonitas.

O livro é um testemunho único sobre a vida numa região que chegou a ser chamada “África Metropolitana”, tal a dureza e isolamento da vida por lá. Não foi por acaso que muita gente acorreu à apresentação da obra, revendo-se e comovendo-se com as descrições e relatos que contém, mostrando orgulho no passado e no presente.