Cavaco em modo de lebre


Cavaco Silva é um maratonista que vive entre os suspiros de uma direita desejosa de voltar a ter poder de forma consistente e um amplo conjunto de cidadãos que ainda se lembram dos verões passados deste atleta da política.


As maratonas são corridas exigentes, precisam de estofo, conhecimento das capacidades do corpo à partida e depois do treino, noção das envolventes e resiliência para acabar as provas. Há maratonas em que a organização contrata a existência de lebres que tentam puxar pelo ritmo da corrida na procura de resultados positivos, das melhores marcas do ano aos recordes mundiais.

Em Portugal, temos maratonas e, amiúde, também temos as designadas lebres, que, à semelhança das do campo, é suposto correrem que nem uns desalmados, a abrir caminho para as marcas dos protagonistas reais da competição. 
Cavaco Silva, o ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República é um maratonista, que vive entre os suspiros de uma direita desejosa de voltar a ter poder de forma consistente e um amplo conjunto de cidadãos que ainda se lembram dos verões passados deste atleta da política. Cavaco está em modo de lebre. Agora, é a lebre de Montenegro.

Ele próprio reconhece as insuficiências dos protagonistas da sua direita política e tem a necessidade impulsiva de a sublinhar, distribuindo alguns espasmos de alegria pelos acólitos inebriados pelos sprintes de verve do antigo maratonista. Cada intervenção pública de Cavaco Silva a vergastar o Governo é um certificado de incompetência da oposição, porque não é um complemento.

Tem sempre a pretensão de ser um farol guia, mais ou menos articulado com os protagonistas da direita, que se sujeitam a este exercício autofágico de recurso ao único suplemento de alma ao dispor. O PSD aposta tudo na memória difusa, na importância do presente, num tempo em que a coerência, a memória e os valores têm baixa cotação.

O problema (para a direita) do modo de lebre de Cavaco Silva é que ele é pouco mais do que um esticão. Só surge quando pressente que existe alguma fragilidade de quem está no poder, mas esmorece pouco tempo depois. O esticão não é sustentado, não funciona como guia, só conforta as almas penadas da falta de poder e esbarra na memória de outros tempos em que as circunstâncias e as regras do jogo político eram bem diferentes.

O problema deste modo lebre de Cavaco e de todos os modos lebre é se quem está no exercício do poder lhes dá razão ou lastro para que o efeito apresente resultados políticos. E, em demasiadas dimensões, esta lebre só existe em atividade partidária porque a governação e os protagonistas geram espaço de desperdício do potencial transformador, concretizador e dinamizador de uma maioria absoluta.

Mas, o modo lebre está presente em muitas realidades da vida portuguesa, sem que muitas das vezes o percebamos.

Está presente quando o Governo pretende decidir um tema de uma certa forma e começa a plantar notícias que geram ambiente para que a iniciativa faça algum sentido junto da opinião pública, pelo que existe ou pelo que se pretende atingir.

Está presente quando interesses particulares, parciais ou setoriais concretizam estratégias de comunicação para fazer valer interesses que são diferentes do interesse geral, ao ponto de convencerem protagonistas da política ativa, alegadamente comprometidos com o bem comum. Sim, estou a falar do famigerado aeroporto de Santarém, interlúdio de obscuros interesses privados que se posicionaram no espaço público e capturaram a nova liderança do PSD, clarificando ao que vem Montenegro.

O PSD resgata um dos parceiros da privatização da TAP dos governos PSD/CDS, entretanto revertida pela anterior solução governativa liderada pelo PS e em vias de voltar a ser de novo privatizada, depois do sorvedouro de dinheiro dos contribuintes portugueses, de um sustentado mau serviço de transporte e de uma gestão sem racional, que afirma querer proteger a economia nacional enquanto substitui na operação empresas portuguesas por estrangeiras, destruindo ativos e empregos.

O problema deste modo lebre, ao invés do utilizado nas maratonas, é que não há nada de sustentável no impulso, é pouco mais do que um esticão. Como Cavaco, conforta a alma de alguns, mas é fogo fátuo na diversidade de problemas estruturais e de desafios atuais que condicionam as dinâmicas individuais, comunitárias e dos territórios. O esticão como a corrida das lebres não é para ser levado a sério na procura de respostas para a maratona dos problemas, estrangulamentos e ambições que persistem, quase cinquenta anos depois da conquista da democracia.

Nela, as lebres podem ter expressão, sem que alguém diga incomodado, “deixem-nos trabalhar”, mas precisamos de mais estofo, coerência e seriedade no exercício do poder e na oposição. Os portugueses já viveram muitos esticões (ora têm, ora não têm) para se deixarem encantar pelos modos de lebre vigentes.

É preciso foco no essencial, dentro de uma visão estratégica para o país, concretizável, em que o interesse geral, de todos e de todo o território, esteja presente. Enquanto estivermos entregues às lebres, aos esticões, aos habilidosos da política e aos interesses parciais não vamos lá. E, no entanto, além destas realidades, caminhar e correr fazem bem.

NOTAS FINAIS

CAÇA ÀS BRUXAS Uma sociedade com frágeis critérios de funcionamento e sem linhas vermelhas-claras, faz com que se instale um clima de caça às bruxas, que procura cavalgar as dificuldades das pessoas, a inconsistência do exercício político, a ligeireza dos temas mediáticos e a falta de coerência. Faltam regras claras, equidade e senso.

NÃO CUMPRIR O BÁSICO, MATAR BOAS IDEIAS Num país de recursos limitados, a integração na construção de soluções, sem perder a proximidade, é decisiva. Nos territórios, em Lisboa, por exemplo, evidenciam-se problemas no básico da gestão do lixo, da oferta de transportes públicos e da fluidez do trânsito ao compasso dos semáforos.

Na área metropolitana, em que os municípios transferiram competências para uma entidade supramunicipal de gestão dos transportes, a Carris Metropolitana, as deficiências no serviço e na oferta estão a matar uma boa ideia. Não deixem que uma boa solução morra por incapacidade na construção de respostas para as pessoas e os territórios. A integração e a partilha de recursos são vitais.

A JUSTIÇA EM MODO GANGUE. Não há nada que sustente da indignidade humana a que foi sujeito Duarte Lima. Não tenho nenhuma compaixão nem com o próprio e nem com um sistema judicial que se comporta como gangue numa rixa de bar. Convoquem a malta do bairro e da imprensa para a porta do bar que vão ver o que fazemos com a espera que vamos fazer lá fora. É tudo miserável.

GENERALIZAÇÃO DA SOBREVIVÊNCIA O modo de vivência da política de alguns, sujeita aos impulsos de sobrevivência, generalizou-se. Entre crises e pandemias, entre realidades e circunstâncias, os portugueses reconfiguram-se a mais um registo de sobrevivência, sem espaço para ir além do essencial, sem margem de liberdade para viver algumas plenitudes. Voltámos a ter pessoas que configuram na caixa do supermercado as aquisições ao dinheiro na carteira, deixando produtos para trás. Bem sei que sempre tivemos quem o fizesse antes de ir às compras.

Cavaco em modo de lebre


Cavaco Silva é um maratonista que vive entre os suspiros de uma direita desejosa de voltar a ter poder de forma consistente e um amplo conjunto de cidadãos que ainda se lembram dos verões passados deste atleta da política.


As maratonas são corridas exigentes, precisam de estofo, conhecimento das capacidades do corpo à partida e depois do treino, noção das envolventes e resiliência para acabar as provas. Há maratonas em que a organização contrata a existência de lebres que tentam puxar pelo ritmo da corrida na procura de resultados positivos, das melhores marcas do ano aos recordes mundiais.

Em Portugal, temos maratonas e, amiúde, também temos as designadas lebres, que, à semelhança das do campo, é suposto correrem que nem uns desalmados, a abrir caminho para as marcas dos protagonistas reais da competição. 
Cavaco Silva, o ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República é um maratonista, que vive entre os suspiros de uma direita desejosa de voltar a ter poder de forma consistente e um amplo conjunto de cidadãos que ainda se lembram dos verões passados deste atleta da política. Cavaco está em modo de lebre. Agora, é a lebre de Montenegro.

Ele próprio reconhece as insuficiências dos protagonistas da sua direita política e tem a necessidade impulsiva de a sublinhar, distribuindo alguns espasmos de alegria pelos acólitos inebriados pelos sprintes de verve do antigo maratonista. Cada intervenção pública de Cavaco Silva a vergastar o Governo é um certificado de incompetência da oposição, porque não é um complemento.

Tem sempre a pretensão de ser um farol guia, mais ou menos articulado com os protagonistas da direita, que se sujeitam a este exercício autofágico de recurso ao único suplemento de alma ao dispor. O PSD aposta tudo na memória difusa, na importância do presente, num tempo em que a coerência, a memória e os valores têm baixa cotação.

O problema (para a direita) do modo de lebre de Cavaco Silva é que ele é pouco mais do que um esticão. Só surge quando pressente que existe alguma fragilidade de quem está no poder, mas esmorece pouco tempo depois. O esticão não é sustentado, não funciona como guia, só conforta as almas penadas da falta de poder e esbarra na memória de outros tempos em que as circunstâncias e as regras do jogo político eram bem diferentes.

O problema deste modo lebre de Cavaco e de todos os modos lebre é se quem está no exercício do poder lhes dá razão ou lastro para que o efeito apresente resultados políticos. E, em demasiadas dimensões, esta lebre só existe em atividade partidária porque a governação e os protagonistas geram espaço de desperdício do potencial transformador, concretizador e dinamizador de uma maioria absoluta.

Mas, o modo lebre está presente em muitas realidades da vida portuguesa, sem que muitas das vezes o percebamos.

Está presente quando o Governo pretende decidir um tema de uma certa forma e começa a plantar notícias que geram ambiente para que a iniciativa faça algum sentido junto da opinião pública, pelo que existe ou pelo que se pretende atingir.

Está presente quando interesses particulares, parciais ou setoriais concretizam estratégias de comunicação para fazer valer interesses que são diferentes do interesse geral, ao ponto de convencerem protagonistas da política ativa, alegadamente comprometidos com o bem comum. Sim, estou a falar do famigerado aeroporto de Santarém, interlúdio de obscuros interesses privados que se posicionaram no espaço público e capturaram a nova liderança do PSD, clarificando ao que vem Montenegro.

O PSD resgata um dos parceiros da privatização da TAP dos governos PSD/CDS, entretanto revertida pela anterior solução governativa liderada pelo PS e em vias de voltar a ser de novo privatizada, depois do sorvedouro de dinheiro dos contribuintes portugueses, de um sustentado mau serviço de transporte e de uma gestão sem racional, que afirma querer proteger a economia nacional enquanto substitui na operação empresas portuguesas por estrangeiras, destruindo ativos e empregos.

O problema deste modo lebre, ao invés do utilizado nas maratonas, é que não há nada de sustentável no impulso, é pouco mais do que um esticão. Como Cavaco, conforta a alma de alguns, mas é fogo fátuo na diversidade de problemas estruturais e de desafios atuais que condicionam as dinâmicas individuais, comunitárias e dos territórios. O esticão como a corrida das lebres não é para ser levado a sério na procura de respostas para a maratona dos problemas, estrangulamentos e ambições que persistem, quase cinquenta anos depois da conquista da democracia.

Nela, as lebres podem ter expressão, sem que alguém diga incomodado, “deixem-nos trabalhar”, mas precisamos de mais estofo, coerência e seriedade no exercício do poder e na oposição. Os portugueses já viveram muitos esticões (ora têm, ora não têm) para se deixarem encantar pelos modos de lebre vigentes.

É preciso foco no essencial, dentro de uma visão estratégica para o país, concretizável, em que o interesse geral, de todos e de todo o território, esteja presente. Enquanto estivermos entregues às lebres, aos esticões, aos habilidosos da política e aos interesses parciais não vamos lá. E, no entanto, além destas realidades, caminhar e correr fazem bem.

NOTAS FINAIS

CAÇA ÀS BRUXAS Uma sociedade com frágeis critérios de funcionamento e sem linhas vermelhas-claras, faz com que se instale um clima de caça às bruxas, que procura cavalgar as dificuldades das pessoas, a inconsistência do exercício político, a ligeireza dos temas mediáticos e a falta de coerência. Faltam regras claras, equidade e senso.

NÃO CUMPRIR O BÁSICO, MATAR BOAS IDEIAS Num país de recursos limitados, a integração na construção de soluções, sem perder a proximidade, é decisiva. Nos territórios, em Lisboa, por exemplo, evidenciam-se problemas no básico da gestão do lixo, da oferta de transportes públicos e da fluidez do trânsito ao compasso dos semáforos.

Na área metropolitana, em que os municípios transferiram competências para uma entidade supramunicipal de gestão dos transportes, a Carris Metropolitana, as deficiências no serviço e na oferta estão a matar uma boa ideia. Não deixem que uma boa solução morra por incapacidade na construção de respostas para as pessoas e os territórios. A integração e a partilha de recursos são vitais.

A JUSTIÇA EM MODO GANGUE. Não há nada que sustente da indignidade humana a que foi sujeito Duarte Lima. Não tenho nenhuma compaixão nem com o próprio e nem com um sistema judicial que se comporta como gangue numa rixa de bar. Convoquem a malta do bairro e da imprensa para a porta do bar que vão ver o que fazemos com a espera que vamos fazer lá fora. É tudo miserável.

GENERALIZAÇÃO DA SOBREVIVÊNCIA O modo de vivência da política de alguns, sujeita aos impulsos de sobrevivência, generalizou-se. Entre crises e pandemias, entre realidades e circunstâncias, os portugueses reconfiguram-se a mais um registo de sobrevivência, sem espaço para ir além do essencial, sem margem de liberdade para viver algumas plenitudes. Voltámos a ter pessoas que configuram na caixa do supermercado as aquisições ao dinheiro na carteira, deixando produtos para trás. Bem sei que sempre tivemos quem o fizesse antes de ir às compras.