Cuba. O comunismo já não é homofóbico?

Cuba. O comunismo já não é homofóbico?


Há seis décadas, na Cuba de Fidel Castro os homossexuais eram ostracizados por serem “contrarrevolucionários”. Agora, num país que se mantém comunista, vai ser possível o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo. 


De uma revolução não se espera que reitere a História, antes que a interrompa e transforme. E, esta semana, Cuba abriu um novo capítulo na sua história, quando cerca de quatro milhões de eleitores aprovaram em referendo a legalização do casamento homossexual e a adopção de crianças por casais do mesmo sexo. Num país que em tempos mandou para campos de trabalhos forçados os “sexualmente desviados”, o apoio da maioria da população cubana ao Código das Famílias, promovido pelo Governo de Miguel Díaz-Canel, representa uma vitória para os direitos LGBT sobre décadas de comunismo.

O reconhecimento destes direitos em Cuba seria algo inimaginável há 60 anos, quando Fidel Castro publicava no Diario de Cuba: “Não podemos acreditar que um homossexual possa reunir as condições e requisitos de conduta que nos permitam considerá-lo um verdadeiro revolucionário”. Foram tempos sombrios de perseguição à homossexualidade, sob a desculpa de que entre os anos 60 e 80 a homofobia fazia parte da mentalidade da época, tanto na ilha caribenha como no Ocidente capitalista.

Após a revolução cubana, em 1959, a repressão às minorias sexuais institucionalizou-se no país em grande parte por influência da União Soviética, que até à sua dissolução previa a homossexualidade como um crime punível com pena de prisão até cinco anos com trabalho forçado. É neste contexto que, seis anos após a consolidação dos revolucionários no poder, foram criadas em Cuba as Unidades Militares de Ajuda à Produção (UMAP), o nome oficial dos campos de trabalhos forçados onde eram encarcerados homossexuais e outros grupos ‘dissidentes’. O primeiro foi o de Guanahacabibes, cuja iniciativa foi liderada por Ernesto ‘Che’ Guevara, que, em busca do ideal do “homem novo”, acreditava na rejeição dos “crimes contra a moral revolucionária” através do trabalho.

À semelhança do lema nazi que se exibia às portas de Auschwitz, há relatos de que à entrada destes campos estava escrita a frase “O trabalho fa-los-á homens”. A verdade é que uma ideologia que tem no seu centro o conceito de produção anda de mãos dadas com a ideia da reprodução.

Apenas em 1979 é que homossexualidade foi descriminalizada em Cuba, tendo Fidel Castro assumido décadas mais tarde a culpa pela discriminação e marginalização de que a comunidade LGBT foi alvo durante o seu regime.
Curiosamente, a sexualidade não era uma preocupação dos primeiros teóricos do comunismo. Karl Marx e Friedrich Engels, autores do “O Manifesto Comunista” em 1848, pouco ou nada disseram sobre o assunto, apesar de várias figuras do socialismo na Alemanha, como August Bebel, pronunciarem-se em defesa da legalização de atos homossexuais.

Contudo, a primeira metade do século XX marcaria uma viragem de posições no que se refere a esta matéria. No início da década de 1930, o regime soviético de Estaline voltaria a reprimir a sexualidade, com a introdução de uma série de artigos contra a homossexualidade em todos os códigos penais das Repúblicas Soviéticas.

Essa tendência perdurou após a Segunda Guerra Mundial. A homossexualidade seria descriminalizada na Rússia apenas em 1993, mas noutros estados comunistas sob a sua esfera permaneceria uma ofensa criminal.

Ainda hoje na Rússia, a violência contra homossexuais é frequente e é alimentada pelas alas conservadoras e religiosas. Figuras pró-Kremlin têm repetidamente apresentado a guerra na Ucrânia como uma batalha contra os “valores imperialistas ocidentais”, que dizem incluir também os direitos da comunidade LGBT.  Com Vladimir Putin, o país tem-se aproximado da posição da igreja ortodoxa russa na defesa dos valores tradicionais, que levou a que no ano passado o casamento entre pessoas do mesmo sexo tenha sido oficialmente proibído numa emenda constitucional que estipula que o matrimónio deve realizar-se exclusivamente entre um homem e uma mulher.

Por cá, o comunismo também tem uma relação conturbada com a homossexualidade. Um dos episódios mais gritantes remete para uma das últimas edições da Festa do Avante! que ficou marcada por uma agressão a homossexuais por parte de seguranças do recinto do evento.

Mas há outro assunto tabu em que o PCP nunca tocará: a famosa frase de Álvaro Cunhal sobre a questão da homossexualidade numa entrevista a Carlos Cruz na década de 1980: “É uma coisa muito triste”. Esta afirmação do líder histórico dos comunistas tem, aliás, forte relevo político, no que se refere às circunstâncias da expulsão de Júlio Fogaça do PCP. O político comunista de quem pouco se sabe, e cuja homossexualidade era conhecida por vários dirigentes do partido, foi apagado da história oficial do PCP no livro 100 Anos de Luta, numa atitude em que se misturam os contornos da sua sexualidade na clandestinidade e o facto de ter sido o principal rival de Cunhal.

Ao contrário do BE, o PCP lida ainda com visível incómodo com o tema da homossexualidade. Apesar de ter sido favorável à legalização do casamento entre homossexuais em 2010, inicialmente mostrou reservas sobre a legislação da adoção de crianças por casais do mesmo sexo, acabando por mudar de posição em 2015. Noutro caso mais flagrante, em 2017, os comunistas também se abstiveram num voto de “condenação da perseguição da população LGBT” num campo de concentração da Chechénia, uma das repúblicas integradas na Federação Russa.

Entre os Estados comunistas que ainda persistem no mundo, destacam-se também a China e a Coreia do Norte, por continuarem a proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que a homossexualidade não seja ilegal nos seus territórios.